Ao retirar os seios para proteger-se do risco de um câncer
hereditário, Angelina Jolie mostrou coragem. Ao transformar seu gesto em
exemplo, pode induzir outras mulheres à decisão errada.
Angelina Jolie não é uma mulher de meios-termos. Nunca foi.
Na adolescência, pintava os cabelos de roxo, colecionava facas e gostava de se
cortar. Nessa época, as tatuagens começaram a se espalhar por seu corpo. Em
1996, aos 21 anos, casou-se com o ator britânico Jonny Lee Miller usando uma
camiseta branca, em que o nome de Miller estava escrito com o sangue dela. Não
deu certo. Em seu segundo casamento, com o também ator Billy Bob Thornton,
usava um frasco com o sangue dele pendurado no pesçoco. Não funcionou. O
sucesso no cinema, que deslumbra e entorpece as personalidades, não teve esse
efeito nela. Angelina continuou Angelina – e algo mais. Rompeu publicamente com
o pai, o ator Jon Voight, que disse que ela tinha “problemas mentais”, e
envolveu-se com trabalho humanitário na África e no Paquistão. Terminou
embaixadora das Nações Unidas. Ao mesmo tempo, adotou três crianças de três
países diferentes – Camboja, Vietnã e Etiópia – e teve outras três com o ator
Brad Pitt, seu atual marido, provavelmente o homem mais desejado do mundo.
Linda e famosa, também provavelmente a mulher mais desejada do mundo, Angelina
transformou sua vida num manifesto – foi eleita pela revista Forbes em 2009
como a celebridade mais poderosa do mundo. Em 20 anos de vida pública,
conseguiu, nas palavras imortais de Steve Jobs, deixar uma marca no Universo.
Na semana passada, Angelina foi além. Num artigo escrito
para o jornal americano The New York Times, revelou ter se submetido há alguns
meses a uma cirurgia conhecida tecnicamente como mastectomia preventiva dupla.
Por trás do nome complicado, havia uma revelação desconcertante: o maior
símbolo sexual do planeta escolhera tirar os seios perfeitos para diminuir suas
chances de desenvolver câncer de mama. Aos 37 anos. “Posso dizer aos meus
filhos que eles não precisam temer me perder para a doença”, escreveu. Anunciar
publicamente sua luta contra o risco de câncer – na tentativa de influenciar as
decisões de outras pessoas sobre sua própria saúde – é seu gesto mais
pretensioso. E controverso. “Quero encorajar cada mulher, especialmente as com
casos de câncer de mama e ovário na família, a procurar informações e
especialistas que possam ajudar a tomar decisões.”
Famosa como é, Angelina poderia ter simplesmente deixado que
o mundo soubesse o que ela fez. Sua decisão, mesmo silenciosa, teria uma
influência tremenda sobre outras mulheres. Ao agir como agiu, ao vocalizar sua
escolha, se transformou, ainda que involuntariamente, em garota-propaganda de
uma forma radical de medicina preventiva que não serve para todo mundo. Em
poucas horas, seu texto varreu o mundo, dominou as redes sociais e fez as
mulheres perguntar a seus médicos se elas também corriam risco. Elas foram
atrás de informações, algo saudável. Mas um número elevado se alarmou
perigosamente. A decisão de Angelina pode fazer todo o sentido do ponto de
vista pessoal. Ao ser anunciada como fórmula de sobrevivência num alto-falante
global, pode surtir efeitos perversos. No Brasil, o “efeito Angelina” fez com
que o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, viesse a público pedir cautela. “Já
surgiram vários estudos que mostraram um número grande de mastectomias
realizadas em pacientes em que depois se afastou o risco”, disse.
Revista Época
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