Precisamos de políticas públicas, especialmente em relação à saúde e educação. Sabemos que precisamos estudar, mas não sabemos como. Sabemos que precisamos encontrar outros caminhos, mas não sabemos como. A regulamentação ajuda porque nos tira de baixo do tapete. Somente o debate em torno da regulamentação já está nos dando mais visibilidade. Há alguns anos, jamais imaginaria que isso seria possível.
Conhecida pela disposição em debater a profissão, a
prostituta Monique Prada acredita que a regulamentação das casas de prostituição
está gerando discussões na sociedade e tirando as garotas de programa da
invisibilidade. “A regulamentação nos tira debaixo do tapete. Há alguns anos,
jamais imaginaria que isso seria possível”, afirma.
Nesta entrevista ao Sul21, Monique Prada fala sobre a
profissão e defende uma maior organização entre as garotas de programa. Mas
reconhece que há um longo caminho a ser percorrido e denuncia as perseguições
que as prostitutas sofrem quando começam a tentar politizar a profissão. “É uma
profissão onde, quanto menos tu falas, melhor”, critica.
Monique também rebate os posicionamentos de feministas
contra a prostituição e entende que, para além da crítica, é preciso fornecer
alternativas concretas a quem deseja deixar a profissão.
“A intenção é sempre
ficar pouco tempo, mas não há um caminho de saída. E não vejo alguém se
preocupando em criar esse caminho”
Sul21 – Quando tu começaste?
Monique Prada – Sempre tive muita curiosidade, mas comecei
aos 19 anos. Por conta de um casamento, parei por um tempo. Retornei há uns
quatro anos.
Sul21 – Qual teu objetivo ao ingressar na prostituição?
Monique – Ofereciam um salário mínimo e meio por dia. Eu
ganhava um salário mínimo, mais 10%, por mês. Foi uma escolha fácil, comecei a
trabalhar em uma das primeiras agências do ramo.
Sul21 – Hoje, com bastante experiência na área, o que tu
pensas sobre a profissão?
Monique – Não vejo como uma profissão, vejo como uma
passagem. Não é algo que se deve fazer por muito tempo. Conheço muita gente
desse meio, talvez eu seja uma das pessoas que mais conhece a área no Rio
Grande do Sul. E, nesse período, posso dizer que conheci menos de dez pessoas
que conseguiram concluir o que desejaram, que entraram na prostituição, ficaram
um tempo, conseguiram completar estudos e sair. É uma profissão da qual se sai
pela aposentadoria por idade ou por morte. A intenção é sempre ficar pouco
tempo, mas não há um caminho de saída. E eu não vejo alguém se preocupando em
criar esse caminho.
Sul21 – Por que não se consegue sair?
Monique – Cada caso é um caso. Mas, em geral, espera-se
ganhar muito dinheiro na prostituição. E ninguém ganha o suficiente. E também
não se consegue estudar. Tu acabas ficando presa ao teu trabalho, ao teu
telefone. Tem muita universitária que faz programa, mas tem pouca garota de
programa que consegue estudar. Tenho amigas que não têm o primeiro grau
completo. Ninguém que eu conheço consegue economizar uma grande quantia de
dinheiro para sair da profissão. Um outro caminho para parar é conseguir um
casamento. Talvez seja o mais comum, mas não é uma alternativa que dê
independência à mulher. Muitas vezes, a prostituta se casa e continua
reproduzindo uma relação de inferioridade, como se ainda devesse alguma coisa
ao homem. O ideal é conseguir trocar de profissão através da formação.
Casamento não é emprego. Hoje se fala muito sobre regulamentar as casas de
prostituição, mas ninguém encontra um caminho para tirar as pessoas disso,
principalmente as que estão na rua.
Sul21 – Tu falaste que é muito difícil juntar uma grande
quantia de dinheiro. Muitas pessoas acreditam que é uma profissão fácil,
utilizada para conseguir muito dinheiro.
Monique – Quem está nas ruas ganha menos ainda. Se tem uma
ideia de que será possível ter uma vida luxuosa. Há um incentivo à essa ideia
de glamour da prostituição, principalmente a partir da Bruna Surfistinha. A
mídia também glamouriza muito. Lembro de uma minissérie antiga em que a Malu
Mader interpretava uma acompanhante. As meninas acham que vão conseguir comprar
o que quiserem. Não é bem assim, existe um preço. Não é uma profissão como
outra qualquer. É preciso ter uma estrutura emocional acima da média para
conseguir sair disso ilesa.
“Uma vez, eu e mais
cinco ou seis garotas de programa combinamos de subir os cachês ao mesmo tempo.
Houve uma revolta, nos acusaram de formação de cartel”
Sul21 – Os cachês cobrados são muito baixos?
Monique – Depende. Eu cobro o topo do mercado, de R$ 200 a
R$ 300 por hora. É pouco, considerando que há um investimento enorme em
maquiagem e academia. Mas essa não é a realidade da maioria, que costuma cobrar
bem menos. Uma vez, eu e mais cinco ou seis garotas de programa combinamos de
subir os cachês ao mesmo tempo. Houve uma revolta, nos acusaram de formação de
cartel e nos ameaçaram com processos.
Sul21 – Foi uma tentativa de organização? Como é a relação
entre colegas? Há uma noção de unidade ou é cada um por si?
Monique – É cada um por si. Não apenas pela concorrência,
mas porque não temos tempo para nos reunirmos. Tínhamos um fórum, mas é
complicado, começam a nos perseguir. Meu site já foi infectado por vírus. Se
começarmos a ficar muito unidas, dá problema. É uma profissão onde, quanto
menos tu falas, melhor. E também há uma distância entre as meninas da rua e as
que estão na internet. Quem está na rua acha que a nossa rotina é mais leve.
Isso dificulta a organização da categoria, que poderia trazer mais segurança e
conhecimento entre nós.
Sul21 – Os clientes temem uma organização das prostitutas?
Monique – Existe um fórum de discussão na internet que visa
à troca de informações sobre acompanhantes dentre usuários do serviço. É um
canal que já tem 10 anos e surgiu com a importante função de defender o cliente
de práticas abusivas por parte das agências – que enviavam meninas diferentes
das fotos postadas, por exemplo – e para a troca de informação e recomendações
sobre atendimento das garotas. Infelizmente, com o passar dos anos, o fórum
perdeu essa função. O que se vê lá hoje em dia são meia dúzia de foristas
sérios… E uma maioria de relatos falsos, postados por garotas e/ou seus
agentes, visando “queimar” concorrentes e melhorar sua divulgação. Acompanhando
este fórum, eu percebo que alguns homens tem receios em relação a nossa
organização. Já fomos, por exemplo, acusadas de “formação de cartel”, por
termos, umas poucas de nós, subido os cachês no mesmo mês. Isso gerou um tópico
onde se perguntavam: “se elas podem se organizar, por que nós não podemos?”. E
Gerou também ameaças por MSN e reações interessantes por parte de alguns
moderadores, que queriam a todo o custo que postassem “os nomes das vacas” que
estariam participando deste “abuso”. Não vejo motivo real para o cliente comum
de acompanhantes temer alguma organização – mas aqueles que desejam que sigamos
suas regras tem, sim, receio disso.
Sul21 – Como as garotas de programa lidam com questões de
segurança?
Monique – O trabalho de quem está em site é bem tranquilo,
marcamos os programas por telefone e vamos até os motéis, que possuem
segurança. Não conheço nenhum caso de morte por cliente. Normalmente, a morte é
pelos namorados das meninas. Teve um semestre em que eu perdi minha melhor
amiga e outras sete meninas foram mortas por seus companheiros em Porto Alegre.
A única segurança que as gurias realmente têm são os motéis. Quem está na rua
está desamparada. Tem o pessoal que vende droga, os namorados e o pessoal que
assalta na volta. Então elas estão muito mais vulneráveis em relação aos
clientes e aos namorados.
“Eu alugo meu tempo,
não vendo meu corpo”
Sul21 – E como é em relação às casas de prostituição?
Monique – O problema das casas é que não há nenhuma garantia
de que a menina vá receber, por isso o projeto do Jean Wyllys é importante. Não
adianta fingir que as casas não existem. Mesmo em casas de luxo, só se recebe
no final da semana.
Sul21 – Como tu vês a relação dos donos das casas com a
prostituta? É uma relação de exploração?
Monique – Depende do caso. Uma casa que cobra R$ 200 pelo
encontro e paga somente R$ 80 para a menina é exploradora. As casas precisam
existir – sem elas, muita gente não ia conseguir trabalhar. Mas da maneira que
elas existem hoje, não são boas para quem trabalha. O projeto de regulamentação
fixa que 50% da renda do programa fica com a garota. Acho uma boa medida. Com a
regulamentação, a menina poderá cobrar o que a casa lhe deve. Hoje, se a casa
não quiser pagar nem um real no final da semana, a pessoa não recebe. A garota
não tem a quem recorrer.
Sul21 – Com a regulamentação, seria possível, na prática,
mudar essa realidade? O que garante que os donos das casas cumpram a lei?
Monique – Temos mecanismos para fazer com que respeitem a
lei. Acredito que, com a regulamentação, muitas casas irão quebrar, pois terão
que repassar os custos para o cachê.
“Se todas as mulheres
que fazem programa desaparecerem, o patriarcado desaparece junto? Não”
Sul21 – Como tu vês os argumentos das feministas radicais,
que afirmam que a regulamentação da prostituição naturaliza o conceito de
exploração da mulher, como objeto, pelo homem?
Monique – Eu não admito a prostituição como ela ocorre hoje.
Eu alugo meu tempo, não vendo meu corpo. Tem gente que insiste nessa ideia de
vender o corpo. Nesse caso, a prostituição institucionaliza o patriarcado? Mas
eu te pergunto: e se nós desaparecêssemos? Se todas as mulheres que fazem
programa desaparecerem, o patriarcado desaparece junto? Não. É preciso mudar a
forma como a prostituição é vista, porque ela não vai acabar. É preciso dar
consciência às mulheres para mudar essa situação. O primeiro passo é mostrar às
meninas que elas não são obrigadas a fazer tudo que os clientes pedem. Elas não
sabem disso. É preciso dar a elas a consciência de que elas também têm direitos
e autonomia sobre o próprio corpo. Essa mudança só pode vir de dentro da
categoria.
Sul21 – As feministas, em geral, costumam enxergar a
prostituta como uma vítima.
Monique – As pessoas falam como se a menina tivesse somente
aquela possibilidade, como se fosse uma coitada. Mas não dizem como dar outras
possibilidades a ela. Se só existe essa possibilidade, essas pessoas estão
cometendo um crime ao querer tirar a menina da prostituição sem oferecer
nenhuma outra alternativa. Fecha-se todas as casas e as meninas voltam para
suas cidades natais, com o estigma de ter saído de lá para ser prostituta. É
isso? Se elas são vítimas, que façam com que deixem de ser vítimas através de
ações positivas.
Sul21 – Mas tu concordas com o conceito de vitimização?
Monique – Não. Todos somos vítimas de alguma coisa. A menina
que sai do fim do mundo para trabalhar em Porto Alegre como babá é uma vítima.
Às vezes, as meninas entram na prostituição sem a consciência do que isso
significa. Apenas dizer que elas são vítimas sem dar outras alternativas não ajuda
em nada.
Sul21 – Outro argumento contrário à prostituição critica o
estabelecimento de uma relação mercantil em torno do sexo.
Monique – Por que não se pode cobrar por sexo, se todo mundo
pode fazer sexo sem cobrar? É um argumento moralista. Quando colocam esse
argumento para mim, algumas mulheres pensam que o homem é um bobinho, um
coitado induzido a fazer sexo comigo porque eu coloco meu anúncio em algum
site. O homem pode escolher se quer sair comigo ou não. Esse tipo de pensamento
põe o homem e a mulher em posições babacas. O sexo é, quase sempre, um jogo de
poder. Mesmo quando não envolve dinheiro, há alguma negociação em torno do
sexo. Tem o pensamento de que dando mais para o marido, ele será mais feliz ou
obediente. O sexo sempre é utilizado para manipular alguma coisa.
“Se começamos a nos
organizar, nos tornamos um problema para alguns clientes e para quem acha que a
discussão da prostituição é prejudicial”
Sul21 – Como tu vês a necessidade de políticas públicas para
a categoria?
Monique - Precisamos de políticas públicas, especialmente em
relação à saúde e educação. Sabemos que precisamos estudar, mas não sabemos
como. Sabemos que precisamos encontrar outros caminhos, mas não sabemos como. A
regulamentação ajuda porque nos tira de baixo do tapete. Eu fico dando check-in
no Foursquare aqui e ali para mostrar que estou entre vocês. É preciso tirar as
prostitutas debaixo do tapete para que possa ser feito alguma coisa em relação
a nós. Somente o debate em torno da regulamentação já está nos dando mais
visibilidade. Há alguns anos, jamais imaginaria que isso seria possível.
Sul21 – Tu falas abertamente sobre a profissão, mas não
parece haver muitas prostituas dispostas a este debate.
Monique – Temos medo, inclusive de trabalhar menos. Eu
acredito que trabalho menos quando me exponho mais. Conseguimos debater alguma
coisa pela internet, até pelo Twitter, mas é difícil. Algumas prostituas
enxergam esse tipo de movimento como uma atitude contra o homem. Entendem que
não podem ir contra o homem, senão não irão receber. É difícil convencê-las a
debater.
Sul21 – A tua vida mudou desde que tu começaste a falar
abertamente sobre a profissão?
Monique – Meu público alvo mudou e percebi uma reação
concreta a mim no fórum. É proibido falar de mim lá, nem contra, nem a favor.
Eu não existo. É uma reação muito clara. Se começamos a nos organizar, nos
tornamos um problema para alguns clientes e para quem acha que a discussão da
prostituição é prejudicial. Essa clareza de posição a meu respeito dá um pouco
de medo nas outras meninas, que preferem não falar muito comigo. Toda vez que
começo a conversar demais com uma menina, surgem comentários negativos sobre
ela.
Sul21 – Com o debate em torno da regulamentação, tu te
sentes mais disposta a falar?
Monique – As prostitutas estão na mídia, elas existem, isso
já é algum ponto. E as redes sociais ajudam muito. Mas ainda é complicado. Me
convidam para eventos, mas prefiro não aparecer. Imagina, então, as outras
meninas. No ano passado, me convidaram para um evento. A ideia era ir para um
debate, mas algumas pessoas entenderam errado. Acharam que eu estava lá para
animar o evento. Não sou animadora de eventos. A partir daí, parei um pouco de
me expor.
Sul21 – É possível criar uma entidade que organize as
prostitutas em Porto Alegre?
Monique – Com muita dificuldade. Vejo o NEP (Núcleo de
Estudos da Prostituição) como uma organização muito fechada. Precisamos de algo
mais moderno. Não seria uma organização contra os homens, seria um caminho para
debates sobre educação e saúde, por exemplo. Vínhamos tendo conversas, havia
reuniões na minha casa, mas, de repente, um vírus infectou meu site e todo
mundo ficou com muito medo. Para conseguir organizar essa entidade,
precisaríamos de um apoio maior, de fora da categoria, de alguma força
governamental, talvez da academia. Seria importante que alguém comprasse essa
briga, mas não vejo muitas condições para que isso se concretize.
Sul21 – No teu Twitter, tu comentaste sobre o racismo que
existe na profissão. Muitas mulheres não aceitam sair com homens negros?
Monique – Isso acontece. Tem clientes que não saem com
meninas que comentaram no fórum que saíram com clientes negros. E algumas
meninas dizem que não saem com negros por questão de gosto pessoal. Mas não é
gosto pessoal, é racismo. Ninguém rejeita clientes gordos, por exemplo. E
quando os clientes negros ligam para marcar um programa, eles costumam avisar
que são negros, porque estão acostumados com o preconceito. Tive um cliente que
conheci na vida pessoal. Ele só tinha namoradas loiras, falava mal das mulheres
negras, era racista. Mas, quando ligava para a agência, só queria saber das
“novidades negras”. Isso é racismo, tem a ver com questões de dominação, é um
resquício da senzala.
Sul21 – Como tu vês a lei sueca, que criminaliza a
prostituição e seus clientes?
Monique – É outra situação. Entendo que não há suecas se
prostituindo. Lá, há uma relação direta entre prostituição e tráfico de
mulheres, especialmente romenas e latinas. Lembrando que a prostituição não é
exclusivamente feminina. Seria bom se pudesse ser encarada como algo feito por
mulheres e por homens também.
Filme: Sul21
Nenhum comentário:
Postar um comentário