quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Quando a revolução é feminina


"Somos contra a violência, não temos rancores contra ninguém. Por trás do nosso sorriso, há lágrimas, e o nosso sarcasmo é uma reação ao caos". Na última carta do cárcere, há poucos dias, as ativistas russas do "Pussy Riot" reivindicam com orgulho a sua batalha.

A partir de hoje, as três meninas enfrentam o processo sob a acusação de "atos de vandalismo". Na realidade, a culpa delas é de ter cantado no dia 21 de fevereiro, a poucos dias da eleição, uma oração rock dentro da igreja de Cristo Salvador, em Moscou.
A reportagem é de Anais Ginori, publicada no jornal La Repubblica, 30-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Mãe de Deus, livra-nos de Putin", era o refrão. Maria Alekhina, Nadezhda Tolokonnikova e Yekaterina Samutsevich, presas em março, correm o risco de pegar até sete anos de prisão. Em favor da sua libertação, mobilizaram-se estrelas como Madonna e Sting, e também intelectuais como Salman Rushdie.
Com os seus rostos de jovens rebeldes, as "Pussy Riot" são os últimos ícones de uma contestação no feminino, agora globalizada. Da Primavera Árabe às manifestações estudantis no Chile, dos grupos dissidentes no Irã e na China à oposição cubana, o protesto é cada vez mais feminino. Não se trata, como antes, de ser porta-voz de reivindicações feministas, ao menos não apenas isso. As jovens que jogam a luva de desafio contra as ditaduras fazem isso em nome de direitos e liberdades universais.
Elas navegam pela onda da internet, muitas delas são blogueiras, mas sabem sair às ruas, entrar no jogo fisicamente, usando o próprio corpo (veja-se o grupo ucraniano Femen que desfila de topless). Mulheres contra. Com força e coragem, assim como e mais que os homens. O exemplo que vale para todas é o de Aung San Suu Kyi, que optou por sacrificar tudo, afetos e família, em nome da sua batalha democrática.
A líder da oposição birmanesa aceitou passar grande parte da sua vida na prisão, forçando finalmente o regime dos generais birmaneses a ouvir algumas das suas demandas. Já não é mais uma exceção. O Nobel da Paz de 2011 foi para três mulheres: a iemenita Tawakkul Karman e as duas liberianas Leymah Gbowee e Ellen Johnson-Sirleaf.
Claro, são casos diferentes. Johnson-Sirleaf foi eleita presidente do seu país, trabalhando pela reconciliação depois da guerra civil, enquanto Karman e Gbowee permaneceram apenas como dissidentes. Mas todas representam, segundo o Comitê de Oslo, a "luta não violenta em favor da segurança das mulheres e do seu direito de participar no processo de paz".
Um outro rosto feminino que coaliza protestos e manifestações é o de Yulia Tymoshenko, líder da oposição na Ucrânia, presa há um ano. Muitos são os apoios internacionais que ela recebeu, até agora sem resultados. Antes ainda, havia a franco-colombiana Ingrid Betancourt, sequestrada pelos guerrilheiros das FARC e libertada somente depois de seis anos.
Passionais, rebeldes, revolucionárias. Para cada uma dessas mulheres, há a tentação de dar rótulos fáceis, embora nenhuma delas se pareça. Nada liga a estudante Camila, que com o seu belo rosto tornou famosas as demandas do movimento chileno pela defesa da educação pública, com a cubana Yoani Sánchez, que denuncia em seu blog os abusos do regime castrista.
Muitas vezes, heroínas por acaso, como Neda, a menina iraniana morta há três anos e que se tornou símbolo da oposição contra o regime dos aiatolás. Além dos resultados políticos, de fato, o protesto no feminino tem um forte impacto comunicativo. Os vídeos online das "Pussy Riot", com os seus blitz coloridos e punk contra Putin, Medvedev e outros poderosos de Moscou, são muito mais clicados do que qualquer comunicado ou site da oposição russa. A sua aparição no julgamento, transmitido ao vivo, se tornará mais uma ocasião de mobilização.

Haveria tanta atenção da mídia se, no lugar das três graciosas jovens, houvesse jovens meninos imberbes? "Não basta um rostinho bonito para levar às ruas um milhão de estudantes e pais, e ter o apoio da maioria dos chilenos", respondeu há alguns meses Camila Vallejo Dowling, 23 anos, quando estava no auge da sua notoriedade.
Mas há também quem decidiu explorar essa vantagem. "Antes, marchávamos normalmente, e ninguém nos ouvia. Por isso decidimos tirar a roupa", contam as ativistas ucranianas do Femen, que transformaram a nudez em um ato de militância política.
Elas lutaram (em vão) contra a prostituição e os bordéis organizada no país em vista das disputas europeias de futebol. Eles foram para as ruas de Kiev sem camisa, às vezes só de calcinha, sem se importar se fazia frio.
Loiras, magras, belíssimas. Uma militante do Femen se jogou em cima do patriarca da Igreja Ortodoxa Russa, Kirill, como um gesto de solidariedade com as "Pussy Riot". "Fora daqui!", gritou a mulher, de jeans e peito nu, apoiada por um grupo de nacionalistas. Ela também foi presa por "atos de vandalismo".
Há alguns meses, a blogueira egípcia Aliaa Magda Elmahddy postou no Twitter um autorretrato em que aparecia em preto e branco, com meias-arrastão e uma flor vermelha nos cabelos. Ela queria denunciar assim a dupla ameaça que as mulheres da Primavera Árabe sofrem: a dos militares e a dos integralistas islâmicos. Na Tunísia, onde a revolução contra as ditaduras também começou, uma outra ativista, Hanane Zemali, se desnudou na rede contra o machismo e o retorno da sharia. Outras meninas seminuas marcharam pelas ruas de Jerusalém, desafiando os ultraortodoxos. A artista dissidente chinesa Ai Weiwei se fotografou rodeada por quatro mulheres. Todas vestidas, com as mãos sobre as suas partes íntimas e um sorriso irônico.
O corpo feminino voltou a ser o meio e a mensagem. A arma pacífica a ser jogada contra a opressão e a injustiça. Sempre foi assim, basta lembrar a lenda de Lady Godiva, esposa do conde de Coventry, que cavalgou nua para obrigar o seu marido a renunciar o enésimo tributo. E, no século XIX, o pintor Delacroix retomava Marianne como alegoria da Liberdade guiando o povo (detalhe na figura acima), uma guerreira com os seios parcialmente descobertos.
Passaram-se quase dois séculos, mas o fascínio da mulher revolucionária, aquela que se insurge, está intacto.
 
Ou, melhor, na civilização das imagens, tornou-se talvez ainda mais forte. Com as suas minissaias coloridas e aquele nome malicioso, as "Pussy Riot" já são um símbolo. A Anistia Internacional pediu a sua libertação, declarando-as presas políticas. Para elas, organizam-se abaixo-assinados, sit-in em frente às embaixadas, shows de rock. Três jovens desarmadas, indefesas, mas muito sexies contra o todo-poderoso e viril Putin. Jamais subestime a força de um ícone.

Fonte: Ihu

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