"O processo da borboleta nos oferece uma sugestiva
metáfora. A borboleta não nasce borboleta. Ela é no início um simples ovo que se transforma numa larva,
devoradora insaciável de folhas. Depois ela se enrola sobre si mesma na forma
de um casulo (crisálida). Dentro dele, a natureza tece seu corpo e desenha suas
cores. Quando tudo está pronto, eis que se rompe o casulo e emerge esplêndida
borboleta", escreve Leornardo Boff, filósofo, teólogo e escritor.
Segundo ele, "nós estamos ainda no estágio de larva e
casulo. Larva, porque, dia e noite, devoramos a natureza; casulo, porque fechados sobre nós mesmos, sem ver nada ao
nosso redor".
Eis o artigo.
Quem leu meus últimos textos sobre ecologia e a situação
dramática da Terra, colheu talvez a impressão de pessimismo. Não pode ser
pessimista quem se dá conta dos reais riscos que pesam sobre nosso destino.
Devemos honrar sempre a realidade. Mas, ao mesmo tempo, cumpre alargar a
compreensão da realidade. Esta é maior do que se mostra pois o potencial é
também parte do real. Há sempre uma reserva utópica, presente em todos os
eventos. Se compreendermos a realidade assim enriquecida, não se justifica um
pessimismo fechado, mas um realismo esperançador. Este capta a eventual
irrupção do novo, escondido dentro do potencial e do utópico. Este novo faz
então história e funda um outro estado de consciência e inaugura um ensaio
social diferente.
Ademais, se tomarmos distância e medirmos nosso tempo
histórico com o tempo cósmico, teremos mais razões ainda para a esperança. Se
condensarmos num ano o tempo cósmico, os 13,7 bilhões de anos - a idade
presumida de nosso universo - notaríamos
que como humanos existimos há apenas uma pequeníssima fracção de tempo. Assim,
a 31 de dezembro às 17.00 horas nasceram nossos antepassados pré-humanos. A 31
de dezembro às 22.00 horas entrou em cena o ser humano primitivo. A 31 de
dezembro às 23 horas, 58 minutos e 10 segundos surgiu o homem de hoje chamado
de sapiens sapiens. A 31 de dezembro às 23.00 horas, 59 minutos e 56 segundos nasceu
Jesus Cristo. A 31 de dezembro às 23.00 horas 59 minutos e 59,2 segundos Cabral
chegou ao Brasil.
Como se depreende, somos temporalmente quase nada.
Além disso, setomamos em conta as 15 grandes dizimações que
a Terra conheceu, especialmente, aquela do Cambriano, há 570 milhões de anos,
na qual entre 75-90% do capital biótico desapareceu, verificamos que a vida
sempre resistiu e sobreviveu. E se nos concentramos apenas no ser humano,
sobreviveu sempre às muitas glaciações. Mais ainda, ocorreu um processoaltamente acelerado de
encefalização. A partir de 2,2 milhões
de anos emergiram, sucessivamente, o homo habilis, erectus, e nos últimos cem
mil anos, o homo sapiens, já plenamente
humano. Seus representantes eram seres sociais, se mostravam cooperativos e
manejavam a fala, característica humana.
No arco de um milhão de anos, o cérebro destes três tipos de
homo duplicou em volume. Após o aparecimento do homo sapiens, surgido há 100
mil anos, o cérebro não mais cresceu. Não havia mais necessidade, pois surgiu o
cérebroexterior, a inteligência artificial que é a capacidade de conhecer,
criar instrumentos e artefatos para transformar o mundo e criar cultura,
característica singular do homo sapiens sapiens.
A partir do neolítico, cerca de dez mil anos atrás, surgiram
as primeiras cidades que deram origem à cultura elaborada, ao estado, à
burocracia e também à guerra. Começou também uma sistemática utilização da
razão instrumental para dominar a natureza, conquistar e subjugar os outros.
Obviamente lá estavam também outros tipos de razão como a emocional, a
simbólica e a cordial, mas submetidas à regência da razão instrumental que desde então assumiu a hegemonia, até a
sua culminância em nosso tempo, razão, a um tempo, criativa é também
destrutiva.
O processo da borboleta nos oferece uma sugestiva metáfora.
A borboleta não nasce borboleta. Ela é no início um simples ovo que se transforma numa larva,
devoradora insaciável de folhas. Depois ela se enrola sobre si mesma na forma
de um casulo (crisálida). Dentro dele, a natureza tece seu corpo e desenha suas
cores. Quando tudo está pronto, eis que se rompe ocasulo e emerge esplêndida
borboleta.
Nós estamos ainda no estágio de larva e casulo. Larva,
porque, dia e noite, devoramos a natureza; casulo, porque fechados sobre nós mesmos, sem ver nada ao
nosso redor.
Qual a nossa esperança? Que a razão rompa o casulo e emerja
qual razão-borboleta. Talvez a situação atual
de alto risco force o nascimento da razão-borboleta. Ela zizagueia por
ai, não é destrutiva mas cooperativa, pois poliniza as flores.
Estamos ainda em gênese. Não acabamos de nascer. Nascidos,
vamos respeitar e conviver com todos os
seres. Teremos para sempre superado a fase de larva e de casulo. Como
borboletas, seremos portadores da razão sensata que nos concede termos um
futuro sem ameaças junto com a Terra.
Fonte: Cebi
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