Elas chegaram de mansinho e agora já está tudo dominado. Fazem
shows lotados, têm público fiel que sabe cantar todas suas letras e vão
ocupando seus lugares de destaque nas capas de revistas.
As meninas do hip-hop
nacional subverteram o universo de temas masculinos, para começar. Também
fizeram com que seus shows fossem uma porta de entrada para o público feminino
no rap. "Antes, era raro. Agora, só dá menina", diz a paulistana
Dryca Ryzzo, que está lançando seu primeiro disco, batizado com seu nome -
produzido por Dehco Wanlu (Jigaboo) e masterizado no Sterling Sound de Nova
York por Jay Franco.
"O rap tinha problema de aparecer na TV, na mídia. A
nova escola não tem tanto esse problema. Eu acredito que quem não é visto não é
lembrado", diz Karol, que foi atração do recente The Creators Project, em
São Paulo.
Suas canções contemplam a desilusão amorosa, o ciúme, a
apatia masculina, a falta de carinho. Sua atitude é desafiadora, elas mostram
que são do tipo que toma a iniciativa. "Fica só pra esperar o sol",
cantava Flora Matos, de gorro de esquiadora e coturno. Ela é, aos 21 anos, a
maior estrela do rap nacional no momento. Suas canções parecem conhecidas em
todas as classes sociais, conclamando uma espécie de trégua social e multicultural.
"Pretim, desse jeito você me deixa louca." Não há menina que não
dance essa.
Dryca Rizzo ficou à sombra dos manos do rap durante um bom
tempo. Era backing do projeto Rosana Bronks, de Mano Brown, e sua voz às vezes
soava em coletivos masculinos como RZO e Conexão do Morro.
"Mas estava na hora de injetar algum glamour no
caos", brinca a cantora. "Se hoje tem meninas nos shows, é porque
falamos de assuntos que são de mulheres. Não queremos mais só agradar ao lado
masculino do rap", diz. "Engraçado, todo mundo achava que os homens
não iam gostar, mas acho que pela batida e por outros elementos, tem atraído o
público masculino também."
Ela, na verdade, era mais da MPB. "Adorava Milton
Nascimento", confessa a menina que veio do Alto Boqueirão, em Curitiba, e
foi secretária, recepcionista, assistente administrativa até ser aconselhada
pelos chefes a ser artista mesmo, porque seu negócio era outro. Em 2011, seu
clipe Boa Noite lhe rendeu uma indicação na categoria Aposta do VMB 2011.
Flora Matos veio de Brasília. Filha do músico baiano Renato
Matos, da banda Acarajazz, cresceu entre a capital federal e Olhos D’Água,
cidade de 3 mil habitantes a 105 quilômetros da capital federal. É a quinta de
sete irmãos: Jandira, Abaetê, Zé, Caetano, Julia e Davi. Nas palavras do pai,
aos 12 anos a filha "já estava mulher". Ia sozinha a shows de reggae,
escondida da mãe, Áurea, auxiliada por uma amiga com o dobro de sua idade. Aos
13, se apaixonou por rap num show dos Racionais.
"O grande lance é que ela não é uma mina que fica
reclamando que é mina. Tem umas garotas que cantam ‘eu sou mina, mas também
represento’, ‘quero meu espaço’, essas coisas. A Flora canta de igual pra igual
com qualquer MC, seja o Mano Brown ou um moleque de 15 anos", disse
Emicida, colega e fã de Flora.
"A gente teve várias minas na história do rap nacional,
mas neste momento os ventos têm soprado a favor da Flora", disse Emicida à
revista TPM, avalizando a trajetória da colega. Gravou uma música com Seu Jorge
para disco do rapper Talib Kweli,
A veterana do time é Lurdez da Luz, de 31 anos, que compõe e
rima há 12 anos e alterna a carreira com o papel de mãe de Roge, de 6 anos.
Lurdez foi vocalista do grupo Mamelo Sound System e integrante do projeto
3naMassa, e é um exemplo de atitude e coerência para as recém-chegadas.
"Bate no peito com respeito/Que eu quero ver", desafia, em sua nova
canção, Levante, um "grito de guerra".
O hip-hop das novas garotas do rap não tem preconceitos nem
fronteiras. Parte do R&B de Beyoncé e Destiny’s Child, como confessam Karol
e Dryca. Volta atrás em busca de Diana Ross e Lady Zu. Mas também assume sua
porção Cartola e Elis Regina. Tem ziriguidum e tem scratch, mas principalmente
apelo dançante e um jeito franco de assumir sua vaidade. "Respeito não se
ganha pela roupa, mas pela atitude. As garotas se vestiam para serem aceitas
pelo rap masculino. Mas é bom que se diga: não sou feminista", diz Karol
Conká.
Fonte: O Estadão
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