Aos cinco anos de idade, Joceli Borges foi retratada pela
famosa câmera de Sebastião Salgado ao lado dos pais, que peregrinavam pelo
interior do Paraná em busca de um lote de terra. Aquele rosto sujo e de olhar provocativo virou capa de livro e ganhou espaço na mídia, em museus e em galerias do Brasil e do exterior. Passados 16 anos, a jovem de 21 anos continua sem-terra.
Vive com o marido e a filha em um acampamento do MST e diz
ter dois sonhos: um lote e dois exemplares do livro que espalhou sua imagem
mundo afora. "Um pra mim e outro pro meu pai."
À época, os sem-terra marchavam pelo país para lembrar o
primeiro aniversário do massacre de 19 sem terra em Eldorado do Carajás (PA),
invadiam propriedades aos montes e colocavam a reforma agrária em destaque.
Hoje o tema sumiu da agenda do governo federal, e, muito por
conta da consolidação do Bolsa Família, os sem-terra não têm mais aquele
exército de militantes.
TERRA PEQUENA
Após o clique de Salgado, Joceli viu seus pais conquistarem
a posse definitiva de um terreno. Era o fim de um drama: meses debaixo de
barracos de lona, em um acampamento com alimentação escassa e sem água,
saneamento e assistência médica.
A família cresceu, ela se casou, teve uma filha, e decidiu
se mudar para um acampamento do MST, mesmo sem a certeza de que um dia terá a
sorte de seus pais.
A fazenda está invadida há cinco anos pelos sem-terra-os
donos tentam a reintegração na Justiça.
"Não vi ele me fotografando. Parece que estou olhando
para a foto, mas não lembro de ver alguém me fotografando. Nem minha família
lembra o local exato onde foi. Fiquei sentida por sair toda desarrumada. Mas
fico feliz por meu pai e minha mãe terem conquistado a sua terra."
A imagem foi captada na margem da rodovia que liga
Laranjeiras do Sul a Chopinzinho (oeste do Paraná).
Até conseguir a entrevista, a reportagem teve três encontros
com Joceli. No primeiro, ela não quis falar. Disse que ainda estava abalada
pela morte da mãe, com um tiro na cabeça, em um acampamento de sem-terra, em
2009.
Joceli, então com 17 anos, presenciou os disparos e, para se
proteger, correu para o meio de um milharal. O alvo era um amigo de sua mãe,
que sobreviveu mesmo após ser atingido por dois tiros. Na segunda tentativa,
ela afirmou que escreveria a sua trajetória. Só na terceira oportunidade
aceitou falar, mas com a condição de que antes das fotos pudesse ajeitar o
visual. "Um dos meus maiores sentimentos e do meu pai foi eu sair na foto
do livro toda desarrumada", afirma.
Joceli vive com o marido, Adair, e a filha, Joslaine, em
acampamento a 15 km do centro de Quedas do Iguaçu.
SONHOS
Pai de Joceli, Alípio Borges vive em Rio Bonito do Iguaçu, a
85 km de Quedas.
"Eu não conheço o homem que retratou minha filha. (...)
Já recebi propostas de pessoas para entrar na Justiça e buscar direitos [pelo
uso da foto], mas conheço muito da luta. Deixo isso nas mãos de Deus",
afirma.
O fotógrafo cedeu os direitos autorais do livro
"Terra" ao MST. Joceli e Alípio dizem que nunca conversaram com
Sebastião Salgado. Anos atrás, diz ela, um instituto criado pelo fotógrafo lhe
ofereceu oportunidade de estudo em São Paulo. Para não ficar longe da família,
recusou.
E se encontrasse hoje com Sebastião Salgado? "Nem
saberia o que falar. Quero é conquistar meu pedaço de terra. Acho que estudar
não é mais importante para mim."
Fonte: Folha de S. Paulo (Paulo Cezar Farias )
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