Aprender a ler e escrever as ruas de Salvador, Bahia: este é
o desafio de Fernanda Priscila Alves da Silva. Uma escrita real com as cores do
dia a dia de mulheres em situação de prostituição. A realidade destas mulheres
tal como de muitas empobrecidas é desafiante e difícil, mas também marcada pela
ousadia e garra, tão presentes na vida das pessoas empobrecidas do mundo.
Vamos dar uma volta pelo Pelourinho. Vamos observar os
corpos que passam por nós: mulheres, crianças e homens à margem. Andando pela
Ladeira da Montanha, Conceição, Calçada, Comércio, encontramo-nos com mulheres
inseridas em contexto de prostituição. E é neste lugar que nossa missão
acontece.
A metodologia da escuta e da escrita do lugar e suas gentes
vai traçando a geografia no Centro Histórico Pelourinho e adjacências, área
comercial e ao mesmo tempo turística e residencial e vai apresentando
personagens da população de baixa renda, assim como muitas mulheres exercendo a
prostituição em casarões e hotéis insalubres, sem nenhuma infraestrutura. Ao
mesmo tempo que conhece, identifica e analisa Fernanda nos desafia com o
silêncio: silenciar para escutar verdadeiramente o que a outra/o outra quer
dizer, mesmo que não diga. O silêncio se compromete com a atenção: olhar com
carinho! nunca com julgamentos!
Sábado à tarde: Fernanda anota porque vive. Encontro de mulheres e homens... Gente
buscando vida... Gente gestando sonhos. Gente de movimento e em movimento. Era
sábado e naquele salão de reunia o movimento de população de rua... Mas o
movimento não estava só, havia outros grupos, outros corpos em movimento
dançando a dança da luta, dança do compromisso, dança da utopia, os catadores e
catadoras de papel também se faziam presentes e a força feminina trazia seu
encanto e gingado. Sábado de conflitos: anota aí os relatos de violência
policial, de disputa entre os homens e mulheres pobres, entre fracos e fortes!
Fernanda anota o difícil processo de construção de objetivos
comuns de defesa da população de ruas, em especial mulheres em situação de
prostituição. O direito e a justiça tecidos de ambivalência e ambiguidade:
O mundo da prostituição traz ambiguidades que nos fazem
repensar a vida, repensar paradigmas, modelos, formas, jeitos de fazer e
construir o cotidiano. Nestas ambiguidades, encontramos mulheres luas, mulheres
gente em gestação, mulheres como outras mulheres ou ainda outras mulheres como
estas mulheres. Homens mulheres e mulheres homens, tudo misturado, ambíguo, mas
ao mesmo tempo tudo inteiro, com sua própria forma, seu próprio jeito.
A partir da metodologia do trabalho de campo, na escrita das
cartas, a autora estabelece um diálogo com as mulheres e com os modos de vida
na rua. O texto exercita ao extremo a escuta das margens - bares, boates,
praças e hotéis - sendo ao mesmo tempo uma afirmação do trabalho pastoral e
seus desafios e um exemplo concreto do método da teologia que nasce do meio do
povo.
Fernanda supera toda e qualquer idealização do sujeito
popular e nos coloca diante da inquieta cara do povo da rua, da mulher de rua.
A rua tem sexo e a teologia aprende através da carta de Fernanda a pronunciar
"sexo" entre as palavras benditas e malditas de seu vocabulário.
É no café da manhã, no lugar da degustação, que mulheres
tomam a palavra. Nesse sentido, vale dizer que é no cotidiano que a
transformação acontece. É neste lugar, pois ele está marcado por alegria,
cansaços, tristezas, conquistas, prazer, fé. Dentro de uma perspectiva
feminista e libertadora, este lugar tem seu matiz, pois é aí mesmo que se pode
resgatar a importância concreta dos corpos e de suas relações.
Este resgate da vida, do corpo, da rua, da materialidade das
relações... é como cavar túneis, ensina uma mulher: ? "Vocês estão me
ajudando a cavar o túnel, é difícil, mas eu vou cavar até chegar à mina, hoje
eu me considero cidadã e eu vou chegar lá".
Para Fernanda, "cavar túneis" é experimentar a
Páscoa da Libertação, é afirmar "creio na ressurreição do corpo" sem
esquecer da noite longa da Paixão.
Cartas da Vida
Fernanda Priscila Alves da Silva
A partir da convivência nas ruas de Salvador o livro
compartilha - no formato de cartas - a vida e o cotidiano de mulheres em
situação de prostituição. A partir da metodologia do trabalho de campo, na
escrita das cartas, a autora estabelece um diálogo com as mulheres e com os
modos de vida na rua. O texto exercita ao extremo a escuta das margens - bares,
boates, praças e hotéis - sendo ao mesmo tempo uma afirmação do trabalho
pastoral e seus desafios e um exemplo concreto do método da teologia que nasce
do meio do povo.
Fonte: Cebi
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