Compreensão de pertencimento à
Igreja como privilégio, que poucos puros podem gozar, engendrada por linguagens
e posturas, é bastante nociva para a fé em todos os tempos.
Por Tânia da Silva Mayer*
A compreensão da Igreja como
sociedade perfeita não reflete apenas um cenário do cristianismo dos séculos
passados. E mesmo com o advento do Concílio Ecumênico Vaticano II, que resgatou
a ideia da Igreja Povo de Deus, aberta ao diálogo com os povos, servidora da
sociedade, em comunhão com as alegrias e tristezas, as angústias e esperanças
de todas as pessoas, em muitas comunidades de fé, os batizados e batizadas
compreendem o pertencimento à Igreja como um privilégio, que poucos puros podem
gozar. Essa compreensão, engendrada por linguagens e posturas, é bastante
nociva para a fé em todos os tempos.
A começar pelos evangelhos, Jesus
é de uma estirpe não muito perfeita. Seu nascimento, conforme insistem os
textos bíblicos, se dá o seio de uma família pobre, na esteira da rejeição e da
perseguição. Sua missão contou com a ajuda de pessoas sem nenhum prestígio e
com a de muita gente de vida errante e duvidosa. Acercado de pecadores e
transviados, anunciou o Reino e sua força transformadora, mas nada ao seu redor
poderia sugerir que quem estava em sua companhia assim o estava porque era
melhor e mais perfeito que os demais. Felizmente, teologicamente a ideia da
Igreja “sociedade perfeita” não se sustenta.
Se a fé narrada pelos Evangelhos
não concorda com a compreensão de que os amigos e amigas de Jesus são
moralmente melhores que os outros, tampouco no nível institucional. Os embates
entre carisma e instituição tornam-se mais aguçados na pós-modernidade, que
coloca em crise as instituições e suas burocracias. Se no plano nacional
convivemos com a derrocada das instituições do Estado, pela massiva corrupção,
desvios e lavagens de dinheiro, no catolicismo verificam-se sangrias
semelhantes. Para além dos aspectos espirituais e de idade avançada que
corroboraram a renúncia de Bento XVI, à época, a Igreja estava mergulhada no
mar de lama de escândalos de corrupção no Banco do Vaticano e das denúncias dos
crimes de pedofilia cometidos por membros do clero. Recentemente, o Papa
Francisco, que tem sofrido as perseguições nefastas dos cardeais conservadores,
criticou a prática de corrupção no Vaticano, endossando ser uma doença os
abusos de crianças.
Se teologicamente não se pode
alimentar um sentimento de superioridade moral dos cristãos com relação a si
mesmos e aos outros, tampouco as mazelas da história da Igreja permitem
posturas que segregam as pessoas entre puros e impuros, santos e pecadores. Há épocas,
o Evangelho tem revelado que uma moral de aparências tende a esconder a verdade
das posturas que cultivamos. Apontar o dedo e indicar que esse ou aquele está
certo ou errado é apressar-se equivocadamente num julgamento que não nos
compete. Aos cristãos e às cristãs compete cumprir a missão de Jesus,
perseverando no mandamento que ele deixou aos que se propõem a seguí-lo, a
saber, o Amor que supera fronteiras.
Tal como na parábola que Jesus
conta aos sumos sacerdotes e aos anciãos do povo, é importante responder
pessoalmente qual dos dois filhos fez a vontade de seu pai, se o primeiro que
afirma ir trabalhar na vinha, mas não vai; se o segundo que afirma que não irá
trabalhar, mas se decide e vai. Ainda hoje, a Palavra traz sua força
interpeladora, nos mostrando que nem todo cristão e cristã que diz “Senhor,
Senhor” entrará no Reino. Este é reservado àqueles que aderem a mensagem de
Jesus, apensar das suas aparências e dos preconceitos que carregam socialmente.
Se naquele tempo os coxos, cegos, aleijados, pobres, leprosos, mulheres e
pecadores eram a porção adquirida por Jesus, em razão da Boa Nova que
inaugurava, hoje, tanto mais os excluídos, os publicanos e as prostitutas nos
precedem no Reino de Deus.
*Tânia da Silva Mayer é Mestra e
Bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje);
Cursa Letras na UFMG. É editora de textos da Comissão Arquidiocesana de
Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte.
Fonte: Dom Total
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