Projeto do UAI Shopping prevê a
construção de 55 quartos que serão alugados para as prostitutas que quiserem
trabalhar no local Foto: Ney Rubens / Especial para Terra
O empresário Elias Tergilene,
dono de uma rede de centros de compras em Belo Horizonte e em pelo outras
quatro cidades do norte e nordeste do País, avisa que vai inaugurar "em no
máximo quatro meses" o prostíbulo que vai funcionar no 4º andar do UAI
Shopping. O empreendimento é localizado ao lado da rodoviária da capital
mineira e a poucos metros da Rua Guaicurus, região boêmia que tem dezenas de
hotéis e pensões que funcionam como casas de prostituição desde a primeira
metade do século XX e que ficou conhecida por ser o local onde trabalhou como
prostituta a socialite mineira Hilda Furacão, nos anos 1950.
Por Ney Rubens
O projeto do UAI Shopping prevê a
construção de 55 quartos que serão alugados para as prostitutas que quiserem
trabalhar no local. "Nós queremos ter um quarto confortável que sirva como
residência dessa menina, porque muitas delas trabalham no quarto o dia inteiro,
não trocam nem o lençol e dormem naquele lugar. Então tem que ter água quente,
um bom sanitário, armário para guardar roupas e um colchão que ela durma e
descanse", explica. O espaço vai ocupar a área onde existia uma academia e
terá ainda um bar e uma sauna mista, para a utilização de pessoas com qualquer
orientação sexual.
Região é famosa por ser onde trabalhou como prostituta a socialite mineira Hilda Furacão, nos anos 1950
Foto: Ney Rubens / Especial para Terra
O processo de seleção das
mulheres que desejarem trabalhar nos quartos do centro de compras será
realizado pela Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig), uma das
entidades parceiras da Fundação Doimo, também presidida por Tergilene, e que de
acordo com a descrição no site da fundação, é uma entidade sem fins lucrativos,
de assistência social que apoia a organização e desenvolvimento econômico e
social.
"Pautada no assessoramento
de identidades estigmatizadas em termos étnicos, cultural, sexual; e grupos e
indivíduos com inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal
e informal. Para isso, seus projetos sociais são prioritariamente realizados em
áreas cultural e socialmente degradadas (zona de conflito, favelas, tráfico de
drogas e prostituição),” diz o texto.
O empresário enfatiza a vocação
social da Fundação Doimo e garante que as prostitutas que trabalharem no local
pagarão valores mais em conta no aluguel dos quartos e terão segurança,
assistência médica, psicológica e ainda a opção de reocupação profissional.
"Hoje elas pagam R$ 180 (pelo aluguel de um quarto nos hotéis da Rua
Guaicurus) por período (12 horas). A Aprosmig falou que tem que ser em torno de
R$ 70, porque ela faz um programa de R$ 50 e quase já pagou o quarto. Vamos
fazer um preço que ela trabalhe, tenha roupas de cama, almoce e conto com a
secretaria de saúde aqui, que até agora não se manifestou, que venha pra cá.
Vou ceder um espaço para a secretaria de saúde, sem aluguel, para que ela
esteja aqui dentro, junto com a gente", convoca.
"Queremos fazer exames de
Aids e sífilis, em todas elas. Queremos saber porque essa menina entrou na
prostituição. Ela ganha R$ 20, 30 mil com a prostituição, então qual atividade
econômica vou dar a essa menina para que ela saia? Porque, se eu der uma função
de secretária ganhando um salário mínimo e meio, ela não vai sair da
prostituição", prevê Tergilene, que ainda revela como é a rotina de
algumas das mulheres que trabalham como prostitutas durante o dia nos hotéis da
Guaicurus e à noite em boates e casas de luxo de outras regiões da capital
mineira: “Muitas destas meninas vêm pra cá durante o dia e fazem programa a R$
50, cada. À noite vão para uma boate dessa para fazer programa a R$ 500. Elas
trabalham direto, quase full time. Então elas começam a cheirar cocaína e tomar
muito energético, para conseguirem ficar acordadas. Então precisamos fazer um
combate às drogas. Porque muitas, para se prostituírem, estão se
drogando", afirma.
Espaço vai ocupar a área onde
existia uma academia e terá ainda um bar e uma sauna mista, para a utilização
de pessoas com qualquer orientação sexual.Foto: Ney Rubens / Especial para
Terra
Tergilene afirma que o UAI
Shopping vai terceirizar a administração para um "empresário que já tem
know how na administração de prostíbulos em Belo Horizonte. É uma pessoa que já
tem três prostíbulos aqui e que funcionam em imóveis locados. O dono do imóvel
não opera a prostituição. Ele aluga o imóvel para alguém operar",
continua. Ele diz ainda que vai solicitar à Prefeitura de Belo Horizonte
autorização para a mesma atividade comercial em que estão inscritos os
estabelecimentos da Rua Guaicurus, conhecidos popularmente como os Sobe e
Desce.
"Fizemos uma consulta no
site da prefeitura e todos estes prostíbulos operam com alvarás de hotel e
pensão. Se eu simplesmente for no site e pedir um alvará de (para funcionar
como) pensão, eu consigo o alvará porque a atividade está regulamentada no
Código de Posturas do município. E qualquer um consegue um alvará aqui na
região de pensão. Não consegue de motel, mas ninguém está registrado como
motel. Está registrado como pensão e como hotel", enfatiza. Para
restringir o acesso de crianças e adolescentes menores de 18 anos e ainda
garantir a segurança de clientes e prostitutas, o 4º andar do shopping terá
entrada isolada e independente, portas com detectores de metais, câmeras de
segurança e vigilantes contratados.
Empresário Elias Tergilene
conversa com os técnicos da obra Foto: Ney Rubens / Especial para Terra
A Secretaria Municipal de
Serviços Urbanos da Prefeitura de Belo Horizonte (SMSU) confirmou que, para o
empresário obter o alvará de localização e funcionamento de atividade
econômica, ele deve realizar uma consulta prévia no site da PBH e inserir o
índice cadastral da área para verificar se a atividade pretendida é permitida
no espaço e sob quais condições.
A SMSU disse ainda que a
prefeitura faz ações fiscais planejadas previamente e também quando recebe
denúncias ou reclamações. No ato da
fiscalização, a equipe verifica se o estabelecimento possui Alvará de Localização
e Funcionamento vigente e se a atividade desenvolvida é a permitida no
documento.
Empreendimento é localizado perto
de região boêmia que tem dezenas de hotéis e pensões que funcionam como casas
de prostituição Foto: Ney Rubens / Especial para Terra
A secretaria esclarece que, de
acordo com o artigo 1º da lei 7.936, de 12/1/2000, novos motéis só podem ser
abertos às margens de estradas e rodovias, e que em Belo Horizonte há 19 hotéis e motéis
licenciados na rua Guaicurus e região, mas todos obtiveram a liberação antes da
lei citada entrar em vigor.
O advogado criminalista José de
Assis Santiago Neto, membro do Instituto de Ciências Penais de Belo Horizonte e
do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, explica que segundo o Código
Penal Brasileiro, prostituição não é crime no país. "Crime é a exploração
de qualquer pessoa que seja, ainda que maior de idade", afirma.
"Nesse caso específico (do UAI Shopping) existe a possibilidade da
incursão no artigo 229 do Código Penal, que diz ser crime "manter por
conta própria ou de terceiros, estabelecimento em que ocorra exploração sexual,
haja ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente,
com pena que varia entre 2 e 5 anos de reclusão".
Para Santiago, "a grande
discussão que essa questão traz é em relação a descriminalização ou legalização
da atividade, ou seja, permitir que casas de prostituição existam, devidamente
fiscalizadas, tributadas, até para facilitar que as pessoas que trabalham com
essa atividade tenham acesso a direitos que qualquer pessoa tem, como saúde e
segurança. A lei diz que ter um hotel não é crime. Então o proprietário diz, se
eu te alugo um quarto, não é crime, o que você faz dele não tenho nada a
ver", raciocina. "Precisamos tirar essa atividade da ilegalidade, das
sombras, já que não conseguimos controlar, principalmente por causa da
exploração", completa.
Comerciante Miro Júnior apoia a
iniciativa: "elas (as prostitutas) são pessoas que merecem o nosso
respeito e são pessoas dignas, trabalhadoras" Foto: Ney Rubens / Especial
para Terra
A reportagem ouviu alguns
comerciantes que têm lojas no shopping. Um deles, que preferiu não se
identificar, diz que está preocupado quanto à presença das garotas de
programas, e que o movimento de frequentadores pode provocar a fuga de
clientes. "A ideia assusta, a região já não é muito agradável, se
acontecer pode prejudicar a gente," disse.
Já os lojistas Miro Júnior e João Cassiano Fróes discordam e até veem
vantagem na iniciativa. "Elas (as prostitutas) são pessoas que merecem o
nosso respeito e são pessoas dignas, trabalhadoras", avalia Júnior.
"A Guaicurus é toda assim, loja embaixo, prostíbulos em cima. As lojas
daqui estarão de portas abertas para elas", completa Cassiano.
Se diz que não está preocupado
com as partes legal, burocrática e econômica do futuro empreendimento, Elias
Tergilene revela que a repercussão do assunto também não tira o sono dele e da
família. "Se tiver que pagar o preço de as pessoas não virem aqui comprar,
eu vou pagar esse preço. Se a sociedade for tão hipócrita a esse ponto, vai ser
mais um dado da nossa pesquisa, olha, temos um país hipócrita. O cara vai lá no
prostíbulo, usa a menina, paga e depois vem dar lição de moral", analisa.
E continua: "os evangélicos
que estão entrando nas redes sociais e estão fazendo comentários, eu quero
dizer pra eles que em um determinado momento da vida eu também fui evangélico.
Eu não quero comentários e críticas, eu quero que eles venham aqui me ajudar no
projeto. Porque se eles têm um projeto a partir da Bíblia, que eles tragam a
Bíblia pra cá e vamos trabalhar juntos. Crítica e hipocrisia eu sei que vão
acontecer, agora, estou precisando é de ajuda. E quem vai vir ajudar? Na hora
de patrocinar o Miss Prostituta (desfile de profissionais do sexo promovido
pela Fundação Doimo em 2013 e 2014), não aparece ninguém. Na hora de fazer
críticas e comentários maliciosos no Facebook, parece que é um bando de gente à
toa que fica só 'feicebucando' e criticando. O tempo que estão usando para
criticar nas redes sociais, vem aqui conhecer, bater papo e apresentar um
projeto social que a gente consiga resgatar essa menina", convoca.
Fonte: Noticias Terra
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