Sarah Baartman morreu em 1815, mas seu esqueleto, bem como uma reconstrução de seu corpo, ficaram à exposição do público no Museu do Homem, na França, até 1975. Apenas em 2002, seus restos mortais forma devolvidos à África do Sul.
O corpo da mulher negra não é
dela. Essa á sensação que carrego desde muito cedo.
A ultrassexualização de nossos
corpos faz com que interpretem nossa imagem baseada na exotização. “Nós
carregamos a marca” é uma frase de Luiza Bairros e que exemplifica bem nossa
situação. Essa marca que carregamos, fruto de violência, é mascarada pelo mito
da democracia racial, o que faz com que se ignore ou romantize o problema.
por Djamila Ribeiro
Ou pior: a marca nem é vista como
problema, é vista como elogio, exaltação da beleza. Porém, essa marca existe e
nos segue para além das terras tupiniquins. A exotização da mulher negra está
presente em todos os lugares, ainda mais se aliado ao fato da nacionalidade
brasileira. De modo geral, as brasileiras são estereotipadas como sendo
excessivamente sensuais.
Um exemplo dos estigmas que estão
colocados sobre os corpos das mulheres negras é o caso de Vênus Hotentote. Seu
nome original é Sarah Baartman. Nascida em 1789 na região da África do Sul, no
início do século 19 foi levada para a Europa e exposta em espetáculos públicos,
circenses e científicos devido aos seus traços corporais. Segundo Damasceno
(2008), Sarah Baartman deu um corpo à teoria racista. Não importa aonde vamos,
a marca é carregada.
Numa viagem que fiz à Argentina,
em 2013, fortaleceu-se ainda mais essa noção. Assim que cheguei em Buenos
Aires, percebi os olhares. Em La Plata, cidade aonde fui para um congresso,
quando saía, pessoas vinham pegar nos meus cabelos (uso tranças compridas de
kanekalon), abordavam-me ao acaso, me tocavam. Eu era a Vênus Hotentote num
espetáculo público.
“Ah, mas isso acontece porque
você é bonita”, dizem alguns. Essa situação ainda é vista por esse viés do
elogio racista. Como ser humano, tenho o direito de andar na rua sem ser incomodada,
sem que pessoas desconhecidas me toquem ou mexam no meu cabelo.
Djamila Ribeiro
Outro exemplo é a caça a
“mulatas” promovido pela rede Globo para eleger a “Globeleza”. Nesse caso,
percebe-se como a mulher negra é colocada em lugares determinados, como é vista
como objeto sexual, produto a ser vendido. Quantas negras vemos na grade da
emissora? Quantas apresentadoras, repórteres, atrizes? Somos invisibilizadas em
outras áreas e super expostas no carnaval como pedaços de carne. Mulheres
brancas também são objetificadas, isso é inegável. Porém, a mulher negra
carrega a opressão histórica do racismo. Mesmo nesse mercado de exploração, a
carne negra é a mais barata.
Para se ter uma ideia, de toda a
história da revista “Playboy” no Brasil, somente oito mulheres negras foram
capas. Nos filmes pornográficos, são minorias e atuam em trabalhos bem
específicos ou relacionados ao carnaval ou ainda para “amante de negras”. Nas
propagandas de cerveja, nas quais mulheres são objetificadas, raramente há
negras. Até nesse mercado exploratório, o lugar ainda é inferior. E fora dele,
a situação não é diferente.
Não estou de forma alguma
concordando com a objetificação dos corpos dessas mulheres, e sim, elucidando
como até nesse mercado a mulher negra é discriminada e relegada a papéis específicos.
E, igualmente, não estou dizendo ser contra mulheres que estão nesses papéis,
muito pelo contrário. O problema é sempre nos reduzir a essas possibilidades.
Como seres humanos, somos diversas, complexas e deveríamos ser respeitadas em
nossa humanidade e representadas de modo mais diverso.
Um dia, numa discussão, quando
reclamei que não havia paquitas negras, um rapaz disse: “e qual o problema
disso? Eles têm o direito de colocar quem quiserem”. A naturalização do racismo
é tanta que algumas pessoas não acham nada demais nós não sermos representadas
num país de quase 52% de população negra.
Mas, para além de sermos
representadas, temos que problematizar o MODO pelo qual estamos sendo; se esse
modo somente reafirma nossa estigmatização.
Quando falamos de abuso sexual de
crianças e adolescentes, meninas negras são as maiores vítimas. Segundo dados
da Unicef na pesquisa “Violência Sexual”, o perfil das mulheres e meninas
exploradas sexualmente aponta para a exclusão social desse grupo. A maioria é de
afrodescendentes, vem de classes populares, tem baixa escolaridade, habita em
espaços urbanos periféricos ou em municípios de baixo desenvolvimento
socioeconômico.
Por esses dados e situação,
precisamos de um feminismo que seja interseccional, ou seja, que contemple as
mulheres em suas especificidades e reconheça que há aquelas que, por combinarem
outras opressões, estão num lugar de maior vulnerabilidade social.
Fonte: Blog de Sakamoto
Nenhum comentário:
Postar um comentário