“Você é a mulher mais linda desta
faculdade”, dizia um dos primeiros bilhetes que um “admirador” anônimo deixou
na mochila da estudante de Geografia da USP, Luísa Cruz, no ano passado, dentro
da sala de aula. Ela não deu bola. E em pouco tempo, mais um bilhete com o
mesmo tom de assédio apareceu. “Passei a não deixar mais a minha mochila dentro
da sala de aula durante o intervalo”, conta. “Mas os bilhetes começaram a
aparecer na mochila de um amigo meu”. De “elogiosos”, o teor dos bilhetes
passou a ser ameaçador. “Você ainda vai ser minha”, apareceu no carro da
estudante.
O assédio ocorreu de março a
agosto do ano passado, mesmo depois de Luísa fazer um boletim de ocorrência e
comunicar todas as instâncias responsáveis da USP, a maior universidade do
Brasil. “Nenhuma atitude efetiva foi tomada e as ameaças continuaram”, conta. E
culminaram em uma tentativa de estupro, no estacionamento da universidade, em
plena luz do dia.
“No dia 8 de agosto eu parei em
frente ao prédio da Geografia para encontrar uns colegas. Eram mais ou menos
quatro da tarde. Quando vi que não estavam lá, segui até o prédio da Faculdade
de Arquitetura para comprar um caderno”, conta. Quando chegou na FAU, Luísa
saiu do carro e seguiu até o prédio, mas se lembrou que havia esquecido o
celular dentro do carro. “Quando voltei para buscar o celular, fui atacada por
um homem, que me segurou pelo pescoço e forçou a minha entrada no carro
enquanto dizia ‘eu te avisei’”. Luísa diz que conseguiu ver apenas a mão do
criminoso, e por isso sabia que ele era branco. “Ele tentou abrir a minha
calça, mas eu consegui acionar a buzina do carro duas vezes com o joelho. Ele
bateu a minha cabeça fortemente na porta do passageiro e fugiu, sem que eu
pudesse vê-lo”.
A estudante foi prestar queixa na
delegacia, mas não passou impune pela atitude machista que muitas autoridades tomam
nesse momento. “Enquanto busquei ajuda nos meios jurídicos e acadêmicos já
escutei coisas como: ‘ah, mas quando você estava só recebendo os bilhetes, você
estava gostando, não? Você estava sendo elogiada...”, diz. “Sugeriram que eu
pudesse ter feito algo para receber aquelas ameaças. Me perguntaram: ‘você não
fez nada para o seu namorado? Será que ele não pode ter ficado bravo com você,
por alguma razão, e ter feito isso?’”.
Como a polícia não abriu
investigação e a USP não tomou nenhuma medida efetiva sobre o caso, Luísa
resolveu tornar pública a sua história, enviando seus relatos a jornais e
publicando nas redes sociais. “Isso fez meu agressor ao menos parar de se
manifestar”, diz. Mas não fez o trauma ou a tensão passar. Sem saber quem
tentou estuprá-la, foi natural que ela desconfiasse de quem estava à sua volta.
“Troquei de carro, de celular, fiz tudo o que podia para despistar meu
agressor”.
Luísa conseguiu terminar o
semestre com a ajuda dos amigos. “Não ia nem ao banheiro sozinha”. Outras mulheres
que já sofreram violações dentro da USP também ajudaram fazendo um rodízio para
acompanhá-la até o carro e não deixá-la sozinha. “Assim como o meu caso,
existem diversos outros dentro da USP. Conheço um monte de mulheres que sofrem
ou já sofreram ameaças, agressões e já foram estupradas lá dentro”. Segundo
Luísa, há grupos de ódio às mulheres organizados na universidade. E, em
resposta a isso, as mulheres que sofrem com isso também se organizam em grupos
de solidariedade e militância. “Me apoiei muito nelas”, conta.
Mais de um ano se passou desde
que a estudante recebeu o primeiro bilhete. Mas, no meio do mês passado, ela
encontrou um novo bilhete em seu carro, estacionado na universidade: “Enquanto
você estiver aqui, estarei”, diziam as letras de forma, quase ilegíveis.
Uma semana depois do bilhete, a
conta de e-mail de Luísa foi invadida e ela recebeu, durante a aula, um e-mail
da sua própria conta, em tom de ameaça. “A pessoa dizia que sabia como era o
meu cotidiano, que não era a mesma pessoa que me agrediu no ano passado, e,
principalmente, condenando o meu envolvimento com mulheres que já sofreram
agressões dentro da universidade, sugerindo que eu deveria rever as minhas
amizades e o tempo gasto ‘acobertando vagabundas’”. As ameaças haviam voltado.
Após uma pesquisa feita por conta
própria, Luísa diz ter descoberto que o e-mail foi enviado de um computador do
laboratório de informática da sua própria faculdade. Um novo boletim de
ocorrência foi feito. E, finalmente, a polícia decidiu abrir as investigações.
A estudante prestou depoimento na delegacia na última quarta-feira. No mesmo
dia, se reuniu com autoridades da USP para avaliar “as providências a serem
tomadas”, segundo nota emitida pela universidade.
A USP ofereceu indicação de apoio
psicológico pela primeira vez desde que as ameaças começaram, há mais de um
ano, e se comprometeu a ajudar nas investigações. “Me orientaram a não
frequentar mais as aulas no período noturno”, conta Luísa. A USP só se
pronunciou por meio de nota publicada no site. Procurada, a assessoria de
imprensa disse que não era verdade que a universidade havia orientado Luísa
sobre não frequentar mais as aulas do noturno, mas afirmou que ninguém
comentaria o caso.
Fonte: El Pais
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