Atriz foi alvo de ofensas racistas
no Facebook
Em solidariedade à atriz Taís
Araújo publico este pequeno poema-reflexão, imitando a liturgia da sexta-feira
santa, como solidariedade contra a discriminação de que foi vítima. Penso que
ela foi discriminada não só por sua negritude, mas por ser uma excelente
artista e de singular beleza. Há nisso tudo também inveja e sentimentos menores
em muitas pessoas.
A Igreja Católica, na liturgia da
Sexta-feira Santa, que celebra a crucificação de Jesus, coloca em sua boca
estas palavras pungentes: ”Que te fiz, meu povo eleito? Dize em que te
contristei! Que mais podia ter feito, em que foi que te faltei? Eu te fiz sair
do Egito e com maná de alimentei. Preparei-te bela terra, e tu, a cruz para o
teu rei”.
A paixão de Cristo continua na
paixão do povo afro-descendente, na discriminação como foi sofrida pela atriz
Taís Araújo. Falta a segunda abolição, da miséria, da fome do desemprego e da
discriminação.
Em solidariedade à atriz Taís
Araújo publico este pequeno poema-reflexão, imitando a liturgia da sexta-feira
santa, como solidariedade contra a discriminação de que foi vítima. Penso que
ela foi discriminada não só por sua negritude, mas por ser uma excelente
artista e de singular beleza. Há nisso tudo também inveja e sentimentos menores
em muitas pessoas. Aqui vai meu texto no qual se faz ouvir o lamento triste dos
afro-descendentes, como forma de solidariedade à Taís Araújo.
"Meu irmão branco, minha
irmã branca, meu povo: que te fiz eu e em que te contristei? Responde-me!
Eu te inspirei a música carregada
de banzo e o ritmo contagiante. Eu te ensinei como usar o bumbo, a cuíca e o
atabaque. Fui eu que te dei o rock e a ginga do samba. E tu tomaste do que era
meu, fizeste nome e renome, acumulaste dinheiro com tuas composições e nada me
devolveste.
Eu desci os morros, te mostrei um
mundo de sonhos, de uma fraternidade sem barreiras. Eu criei mil fantasias
multicores e te preparei a maior festa do mundo: dancei o carnaval para ti. E
tu te alegraste e me aplaudiste de pé. Mas logo, logo, me esqueceste,
reenviando-me ao morro, à favela, à realidade nua e crua do desemprego, da
fome, da discriminação e da opressão.
Meu irmão branco, minha irmã
branca, meu povo: que te fiz eu e em que te contristei? Responde-me!
Eu te dei em herança o prato do
dia-a-dia, o feijão e o arroz. Dos restos que recebia, fiz a feijoada, o
vatapá, o efó e o acarajé: a cozinha típica da Bahia. E tu me deixas passar
fome. E permites que minhas crianças morram famintas ou que seus cérebros sejam
irremediavelmente afetados, infantilizando-as para sempre.
Eu fui arrancado violentamente de
minha pátria africana. Conheci o navio-fantasma dos negreiros. Fui feito coisa,
"peça”, escravo e escrava. Fui a mãe-preta para teus filhos e filhas.
Cultivei os campos, plantei o fumo para o cigarro e a cana para o açúcar. Fiz
todos os trabalhos. Ajudei a construir quase tudo o que existe neste país,
monumentos, palácios e igrejas coloniais. E tu me chamas de preguiçoso e me
prendes por vadiagem. Por causa da cor da minha pele me discriminas e me tratas
ainda como se continuasse escravo.
Meu irmão branco, minha irmã
branca, meu povo: que te fiz eu e em que te contristei? Responde-me!
Eu soube resistir, consegui fugir
e fundar quilombos: sociedades fraternais, sem escravos, de gente pobre mas
livre, negros, negras, mestiços e brancos. Eu transmiti, apesar do açoite em
minhas costas, a cordialidade e a doçura à alma brasileira. E tu me caçaste
como bicho, arrasaste meus quilombos e ainda hoje impedes que a abolição da
miséria que escraviza e a discriminação continuem como realidades cotidianas e
efetivas.
Eu te mostrei o que significa ser
templo vivo de Deus. E, por isso, como sentir Deus no corpo cheio de axé e
celebrá-lo no ritmo, na dança e nas comidas sagradas. E tu reprimiste minhas
religiões chamando-as de ritos afro-brasileiros ou de simples folclore. Não
raro, fizeste da macumba caso de polícia.
Meu irmão branco, minha irmã
branca, meu povo: que te fiz eu e em que te contristei? Responde-me!
Quando com muito esforço e sacrifício
consegui ascender um pouco na vida, ganhando um salário suado, comprando minha
casinha, educando meus filhos e filhas, cantando o meu samba, torcendo pelo meu
time de estimação e podendo tomar no fim de semana uma cervejinha com os
amigos, tu dizes que sou um negro de alma branca, diminuindo assim o valor de
nossa alma de negros, dignos e trabalhadores. E nos concursos em igual condição
quase sempre sou preterido em favor de um branco. Porque sou negro ou negra.
E quando se pensaram políticas públicas
para reparar a infâmia histórica, permitindo-me o que sempre me negaste:
estudar e me formar nas universidades e nas escolas técnicas e assim melhorar
minha vida e de minha família, a maioria dos teus grita: é contra a
constituição, é uma discriminação, é uma injustiça social. Mas finalmente a
Justiça agora nos fez justiça e nos abriu as portas das universidades e das
escolas técnicas.
Meu irmão branco, minha irmã
branca, meu povo: Que te fiz eu e em que te contristei? Responde-me!”
"Responde-me, por favor”.
E nós brancos, os que dispomos do
ter, do saber e do poder, geralmente calamos, envergonhados e cabisbaixos. É
hora de escutar o lamento destes nossos irmãos e irmãs afro-descendentes, somar
forças com eles e construir juntos uma sociedade inclusiva, pluralista,
mestiça, fraterna, cordial, onde nunca mais haverá, como ainda continua
havendo, pessoas que se atrevem a escravizar outras pessoas.
Oxalá possamos gritar:
"escravidão nunca mais”. E enxugando as lágrimas podemos responder às
discriminações com o AMOR, como o fez Taís Araújo. E vamos um dia, que só Deus
saberá, poderemos dizer todos juntos, como no Apocalipse, sem vingança e
rancor: ”Tudo isso passou”.
Fonte: Adital
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