A morte nos reduz ao verdadeiro
eu, sem adornos de condição social, propriedades ou conta bancária.
Hoje é dia dos mortos ou finados,
daqueles que findaram sua trajetória entre nós. Será, no futuro, o dia de cada
um de nós. Quem ousa encarar este destino inelutável? O ideal de infinitude
fomenta a cultura da imortalidade disseminada pela lucrativa indústria do
elixir da eterna juventude: cosméticos, academias de ginástica, livros de
autoajuda, cuidados nutricionais, drágeas e produtos naturais que prometem
saúde e longevidade. Nada disso é contraindicado, exceto quando levado à
obsessão.
Por Frei Betto
A morte clandestinizou-se nessa
sociedade que incensa a cultura da juventude perene. Sequer se tem o direito de
ficar velho. Nós, que já temos acesso ao Estatuto do Idoso, somos tratados por
eufemismos que visam a aplacar a “vergonha” da velhice: terceira idade, melhor
idade etc. A usar eufemismos, sugiro o mais realista: turma da eterna idade, já
que estamos próximos a ela...
No tempo de meus avós, morria-se
em casa, cercado de parentes e amigos. Hoje, morre-se no hospital, um lugar
estranho, rodeado de profissionais cujos nomes ignoramos. A agonia é suprimida
pelos avanços da ciência — o coma induzido, a medicação contra a dor. Não há
choro nem vela nem fita amarela.
“Morrer é fechar os olhos para
enxergar melhor”, disse José Martí. As religiões têm respostas às situações
limites da condição humana, em especial a morte. É um consolo e uma esperança
para quem tem fé. Fora do âmbito religioso, entretanto, a morte é um acidente,
não uma decorrência normal da condição humana.
Morre-se abundantemente em filmes
e telenovelas, mas não há velório nem enterro. Os personagens são seres descartáveis
como as vítimas inclementes do narcotráfico. A morte, frisou Sartre, é a mais
solitária experiência humana, quebra definitiva do ego. Na ótica da fé, o
desdobramento do ego no seu contrário: o amor, a comunhão com Deus.
A morte nos reduz ao verdadeiro
eu, sem adornos de condição social, sobrenomecracia, títulos, propriedades,
importância ou conta bancária. É a ruptura de todos os vínculos que nos prendem
ao acidental. Os místicos a encaram com tranquilidade por exercitarem o
desapego frente aos os valores finitos.
Cultivam valores infinitos. Fazem
da vida dom de si – amor. Por isso, Teresa de Ávila suspirava: “Morro por não
morrer.” Padre Vieira advertia no Sermão do 1º domingo do Advento, em 1650: “No
nascimento, somos filhos de nossos pais; na ressurreição, seremos filhos de
nossas obras.”
Fonte:www.odia.ig.com.br
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