"Hoje me inspiro em quem
chegou depois: em jovens mulheres, meninas e adolescentes"
A consciência e coragem das
garotas de hoje são uma inspiração na luta das mulheres por mais espaço na
sociedade.
por Aline Valek
Geralmente são as pessoas mais
velhas que servem de inspiração às mais novas; são uma referência, alguém para
copiar e seguir. Eu olho para trás e vejo mulheres incríveis que lutaram,
criaram e empreenderam, sem as quais minha própria história teria sido
diferente. Suas histórias me inspiram a avançar mais uma casa nesse grande jogo
de tabuleiro que é a vida.
Mas hoje também é correto dizer
que me inspiro em quem chegou depois: em jovens mulheres, meninas e
adolescentes. Vocês podem ser novas, podem nem ter saído do colégio ainda, ter
um gosto musical do qual vão se arrepender alguns anos no futuro (eu sei, já
passei por isso), mas vocês já me inspiram.
Sou mais velha que vocês uns dez
anos, ou até mais, o que só me deixa surpresa e admirada ao observar o que
vocês fazem e como vocês pensam. Não surpresa do tipo que chega à conclusão
“essa geração está perdida!” – porque as pessoas envelhecem e de repente
começam a enxergar através de lentes que superestimam o passado –, mas surpresa
do tipo “nessa idade eu não era tão consciente assim!”.
Minha mãe, que é professora do
Ensino Fundamental numa escola pública, esses dias me contou que levou a turma
para um passeio no museu do TCU, em Brasília, onde os alunos aprenderam sobre a
história do lugar e também sobre os principais acontecimentos da história do
Brasil. Ao final do passeio, o monitor abriu espaço para as perguntas das
crianças e a primeira a levantar a mão foi uma garota.
“Por que não tem mulheres na
história do museu?”, ela perguntou. A menina tinha 9 anos. Imagina se eu teria
essa percepção e essa coragem de questionar a ausência de mulheres com essa
idade? 9 anos, sabe.
Estudantes durante o Enem,
realizado nos dias 24 e 25 de outubro (foto: Wiki Commons)
A pergunta acabou suscitando uma
discussão sobre machismo que envolveu toda a turma. Os meninos até tentaram
rebaixar as colegas, ao dizer que “mulher era tudo folgada”, mas elas não
deixaram barato e argumentaram, respondendo que “folgado” era homem que não
dividia as tarefas domésticas. Sério, como não amar?
As alunas da minha mãe ainda são
muito novas, mas tenho certeza que elas teriam muito a dizer no tema da redação
do ENEM deste ano: a persistência da violência contra as mulheres no Brasil.
Na época em que eu fiz o ENEM
pela primeira vez, eu não teria repertório e clareza o suficiente para
dissertar sobre o tema, enquanto imagino que muitas de vocês sambaram &
lacraram na prova, porque falar sobre a questão não é nenhuma novidade para
vocês. Vocês têm amplo acesso à informação sobre o tema, discutem sobre isso na
internet e até escrevem textões em seus blogs e perfis do FB, com a eloquência
de quem tem domínio sobre o assunto.
Tenho leitoras de 15 anos que já
se consideram feministas, enquanto nessa idade o máximo que eu podia me dizer
era fã de Backstreet Boys.
Se vocês aprenderam depressa e
são muito mais adiantadas em relação à adolescente que eu fui, não é por causa
daquele velho papo de “mulheres amadurecem mais rápido”, que vocês até devem
saber que é um discurso que mascara o fato de que meninas recebem mais
responsabilidades desde muito cedo e precisam conviver desde muito novas com o
abuso e a violência – sabiam que, em média, meninas sofrem seu primeiro assédio
com 9 anos de idade? – , mas sim porque vocês têm muito mais acesso à
informação do que eu tive. Informação para dizer “não”. Informação para
pisotear em cima de velhos discursos. Informação para começar a mudar o jogo.
Vocês devem conhecer a Katniss,
certo? Heroína de Jogos Vorazes, ela é uma jovem que inicia uma revolução – e
que me faz lembrar de vocês quando ouço todas essas histórias de garotas reais
questionando, buscando informação, mobilizando as amigas, a escola, organizando
atos, debatendo, escrevendo textos e cartazes, se recusando a serem diminuídas
e caladas. E ainda tem gente que duvida de histórias protagonizadas por
adolescentes, que não acredita que uma Katniss pudesse realmente ser o símbolo
de uma revolução; tá faltando olhar um pouco mais para a realidade, né?
A heroína Katniss, da série Jogos
Vorazes, inicia uma revolução
Porque na nossa realidade as
heroínas têm a internet como super-poder: é a ferramenta que vocês usam para se
conectar e se informar, para compartilhar empoderamento, para terem voz.
É preciso muita coragem para se
posicionar nesse mundo onde a violência também está a um clique ou a uma caixa
de comentários de distância. Mesmo assim, vocês se posicionam, vocês questionam
e passam adiante o que aprendem, numa iniciativa poderosa de fazer outras
meninas despertarem para essas questões e para as próprias qualidades, negadas
por um mundo autoritário e machista.
Vocês têm essa coragem dentro de
si e me inspiram a também tê-la. Vocês me inspiram não por terem as respostas
prontas, mas pela coragem de fazer as perguntas.
Acho que o mundo precisa ficar de
olho em vocês; não só porque vocês têm todo esse potencial, não só porque esse
entusiasmo e senso crítico são inspiradores, mas porque, acima de tudo, olhar
para vocês é olhar para a frente, para o futuro. E é por esse futuro com mais
oportunidades para meninas como vocês que a gente precisa lutar. Vamos juntas?
Fonte: Carta Capital
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