Homens que possuem espaço na
mídia foram instigados a ficarem como espectadores nesta semana, ao invés de
escreverem e publicarem textos sobre os direitos das mulheres e questões de
gênero. Ou seja, a cederem seu espaço para que elas falassem por si. Portanto,
nos próximos sete dias, a partir desta segunda (2), mulheres de diferentes
origens, histórias e regiões publicarão neste blog sobre o tema dentro da
iniciativa #AgoraÉQueSãoElas. Enquanto isso, fico como leitor ao lado de vocês.
Juliana de Faria e Luíse Bello,
do Think Olga, responsável pelas campanhas #primeiroassedio e Chega de Fiu Fiu,
estreiam a série com o texto exclusivo que segue abaixo. Amanhã, será a vez da
cantora, compositora, atriz e ativista Karina Buhr.
***
A internet odeia as mulheres e
ninguém vê problema nisso, por Juliana de Faria, fundadora, e Luíse Bello,
gerente de conteúdo e comunidades, do Think Olga
O sucesso das edições do
Masterchef com adultos deve-se em boa parte à sua forte ligação com as redes
sociais, especialmente o Twitter. Talvez o programa seja o primeiro a ter
conseguido no Brasil, com algum sucesso, fazer com que seus usuários assistam a
tevê com o celular na mão sem que o segundo roube a atenção do primeiro.
A cada episódio, instantaneamente
nasciam memes voláteis que eram parte de uma conversa dominada por internautas,
sem qualquer interferência da emissora, pelo contrário – a Band abraçou a
vocação do Masterchef para as mídias sociais desde o início. Os usuários do
Twitter são tão cruciais para o programa que o nome do campeão foi anunciado
primeiro na rede social e depois na tevê.
Diferente de outras audiências, a
do Masterchef sabe que tem sua voz ouvida e, naturalmente, na estreia da edição
Kids, lá estavam eles prontos para tecer comentários, fabricar imagens e lançar
tendências em cima dos participantes. Mas, entre tudo o que podia ser dito
durante a estreia, o que se ouviu mais alto de uma audiência tão disposta a
falar foi a voz da pedofilia. Não existe outro nome para quem, sem qualquer
remorso, faz notória sua atração por uma criança de 12 anos.
Foi o caso dos inúmeros tweets
que tiveram como alvo uma menina dessa idade que ama cozinhar e, com o
consentimento dos pais e cheia de orgulho, foi selecionada para participar do
reality show. Ainda que existam muitas crianças na televisão brasileira, nunca
antes tivemos a oportunidade de saber exatamente o que os espectadores pensam
delas.
O que foi emblemático no caso do
Masterchef é que, pela natureza de sua relação com os espectadores, foi
possível observar, sem filtros, a podridão em que está mergulhada a mentalidade
de muitos brasileiros. E não estamos falando de pessoas retrógradas, de
gerações antigas e desatualizadas, mas do público do Twitter: jovens, em sua
maioria abaixo dos 30 anos, e com educação universitária, segundo dados
demográficos publicados em agosto pelo Pew Reseach Center.
E aqui temos dois pontos
importantes sobre os quais precisamos conversar.
A pedofilia banalizada é mais
próxima do que imaginamos
Após o caso MasterChef Jr, demos
início, via Think Olga, à campanha #primeiroassedio, um movimento catártico e
gigantesco de mulheres que, por meio de tweets, compartilhavam histórias dos
primeiros assédios vividos. Elas nos ajudaram a mostrar que o que aconteceu com
a chef jr de 12 anos não era um ponto fora da curvo. Pelo contrário, é a
realidade cruel, mas muito verdadeira de milhares de meninas brasileiras.
Em cinco dias de campanha, a
hashtag havia sido replicada 82 mil vezes, em tweets e retweets. Um grupo de
tweets (3.111 postagens) foram analisados pela Think Olga e descobrimos que a
idade média do #primeiroassedio entre tais denúncias era 9,7 anos.
E este é a nuvem de palavras
criada a partir do mesmo grupo de tweets, em que “pai”, “casa” e “escola”
aparecem de forma gritante.
Em uma análise mais profunda da
campanha de hashtag, o jornalista Rafael Kenski relembra que, no ano passado, o
site de pornografia PornHub divulgou uma pesquisa sobre as palavras mais
buscadas em cada país. No Brasil, fora o nome do país, o termo mais buscado é
“novinha”. A notícia foi tratada sem a relevância que merece e o problema que
expõe: o desejo sexual por crianças e adolescentes é real e indiscriminado, já
que vem mascarado de brincadeira. Só que na vida real essa “piada” se traduz em
violência sexual.
Além disso, é alto o número de
mulheres que procuraram o Think Olga por email e outros meios particulares para
contar suas histórias e perguntar como e se poderiam compartilhá-las
anonimamente. Ainda que o assunto estivesse em voga e sendo apoiado por
milhares de pessoas na internet, elas ainda têm medo de compartilhar seus
traumas publicamente – enquanto partilham da mesma necessidade de tirar do
peito e da memória as lembranças de uma dor a que ninguém jamais deu ouvidos.
Entre as razões, estão camadas e mais camadas de culpa, dor, vergonha e
silenciamento e, claro, a proximidade com que ainda vivem de seus agressores.
Estes, reforçamos, seguem suas vidas com a certeza da impunidade.
Não é nosso papel julgar o medo
das mulheres de expor suas histórias. É sim nossa responsabilidade questionar
os mecanismos que permitem que vítimas evitem revelar suas histórias publicamente
e pedófilos sintam-se livres para assediar crianças com seus próprios perfis
nas redes sociais.
A internet odeia as mulheres – e
ninguém vê problema nisso
Existe uma misoginia on-line que
traz consequências duras para a vida offline das mulheres, que o caso do
MasterChef Jr escancarou. Em uma entrevista para o Think Olga, Marta Trzcinska,
advogada norueguesa especialista em direitos das mulheres e crimes na internet,
disse sobre as práticas de assédio no ambiente virtual: “É um problema de saúde
pública, é um problema para a democracia e deve ser tratado seriamente como um
crime”.
Violência e assédio on-line são
costumeiramente vistos como “brincadeira” e “piada”. Ainda mais quando são
voltados para o público feminino e, por vezes, entendidos como “elogio” (sabe
aquele comentário clássico do anônimo que diz querer te comer?) ou problema de
menor importância. Mas entenda: não são. Esses abusos afastam as mulheres de
suas atividades — por medo, por vergonha — e as isolam do seu direito de livre
expressão.
E apesar da internet ser sim um
espaço belicoso para todos que a navegam, há uma enorme diferença na forma com
que homens e mulheres são atingidos por essa questão problemática. Em 2006,
pesquisadores da Universidade de Maryland criaram vários perfis falsos em salas
de bate-papo. Usuários com nomes femininos receberam, em média, 100 mensagens
violentas e de cunho sexual por dia. Usuários com nomes masculinos, apenas 3,7.
De acordo com a ONU, uma em cada
cinco mulheres foi vítima de estupro ou de tentativa de estupro ao longo da sua
vida. Uma ameaça, mesmo que anônima, de uma violência sexual dá medo, pavor.
Afinal, para nós mulheres, essa é uma bomba que pode explodir a qualquer
momento.
O custo para a sociedade é
imenso: a brutalidade on-line mina a dignidade das mulheres, deslegitima suas
vozes como cidadãs e as reduzem a corpos sexualizados e objetificados. Isso nos
afasta de discussões on-line e suprime nossas opiniões e contribuições para a
sociedade – seja em um blog de conteúdo feminista, seja em um vlog de moda. E
apesar da gravidade do problema, ele ainda não é levado a sério pelas empresas
de redes socais, a polícia e o poder público.
Enquanto as autoridades não tomam
uma atitude, nós fazemos o que conseguimos para sobreviver no mundo on-line.
Temos um F.A.Q. que ensina a denunciar tais crimes.
Fonte: Blog de Sakamoto
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