Em uma sociedade escravocrata
colonizada pelo reino de Portugal, no qual reis e rainhas eram todos brancos,
disseminar a devoção a uma negra, rainha do céu, mãe de Deus, constituía uma
forma de afirmar a dignidade das escravas vítimas da luxúria e da crueldade de
seus senhores.
Por Frei Betto (narrando a visita
do Papa Francisco ao Santuário de Aparecida o 24/07/2013)
O papa Francisco passou a manhã
de quarta-feira no santuário nacional de Aparecida. A liturgia da missa que
celebrou girou em torno de três textos bíblicos “feministas”, extraídos do
Livro de Ester (5, 1b-2; 7, 2b-3) , do Apocalipse (12, 1 e 5 e 13a e 15-16a) e
do Evangelho de João (2, 1-11).
A escolha se explica por ser
Aparecida um santuário mariano. Lembro de um encontro de Comunidade Eclesial de
Base, na periferia de São Paulo, quando Tadeu, mecânico, comunicou que não
participaria da próxima reunião porque iria com a família à Aparecida. Houve
quem torcesse o nariz e estranhasse um adepto da Teologia da Libertação
frequentar um santuário de religiosidade popular. Tadeu não se fez de rogado:
“Sou devoto de Nossa Senhora Aparecida, porque ela é da cor de minha mãe, da
minha, da minha mulher e de meus filhos.”
Tadeu fez uma leitura libertadora
da padroeira do Brasil, cuja imagem foi encontrada no Rio Paraíba, em 1717, por
três pescadores. Em uma sociedade escravocrata colonizada pelo reino de
Portugal, no qual reis e rainhas eram todos brancos, disseminar a devoção a uma
negra, rainha do céu, mãe de Deus, constituía uma forma de afirmar a dignidade
das escravas vítimas da luxúria e da crueldade de seus senhores.
Os poderosos procuraram se
“apropriar” de Nossa Senhora Aparecida. A 8 de setembro de 1822, um dia após a
independência, D. Pedro I a declarou “padroeira do Brasil”. É curioso que o
título tenha sido concedido pelo imperador, e não pela Igreja. E a 6 de
novembro de 1888, a princesa Isabel ofertou à imagem a coroa de ouro cravejada
de rubis e diamantes e o manto azul bordado em ouro e pedrarias.
As autoridades eclesiásticas, que
sempre relutam frente às devoções populares, apenas em 1894 enviaram ao
santuário os padres redentoristas, 177 anos depois de a imagem de Maria
“aparecer”.
Quando Bergoglio visitou
Aparecida pela última vez, em maio de 2007, para participar da reunião de todos
os bispos da América Latina, ele foi o único prelado estrangeiro a comparecer à
missa das Comunidades Eclesiais de Base, em um domingo pela manhã.
Não se pode afirmar que o novo
papa é um adepto da Teologia da Libertação. Tudo indica, porém, que não fará
objeção a ela, ao contrário de seus dois antecessores. Prova disso é que, em
abril, tirou da gaveta o processo de canonização de Dom Oscar Romero, arcebispo
de El Salvador, assassinado pelo Esquadrão da Morte em 1980 e considerado um
ícone da Teologia da Libertação.
Logo após a homilia de Francisco
na missa em Aparecida, veio a Oração dos Fiéis. A primeira reforçou a “opção
pelos pobres”, tão enfatizada pelos católicos progressistas: “”Pela Igreja,
para que seja sempre comprometida com a vida do nosso povo, especialmente dos
mais fracos, pequenos e pobres.”
Após a celebração, Francisco
abençoou, no seminário de Aparecida, a imagem de frei Galvão (1739-1822), o
primeiro brasileiro a ser declarado oficialmente santo, embora a devoção
popular já tenha “canonizado” padre Cícero (1844-1934), que ainda hoje não é
reconhecido por Roma como cristão exemplar. A imagem de frei Galvão seguiu
posteriormente para Guaratinguetá, onde ele nasceu.
De volta ao Rio, o papa visitou o
Hospital São Francisco de Assis, onde teve contato com um projeto de
recuperação de dependentes químicos.
Fonte: Brasil de Fato
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