Assédio é diário, em todo lugar e
constrangedor para as vítimas, que mudam a rotina para evitá-lo.
Morena, Diene Darlys, 26,
sentiu-se agredida quando um senhor, de dentro de um carro, a chamou para pedir
informações, e o filho dele pegou em seus seios. Magra, Karine Simões, 23,
deixou de ir à academia, até que comprasse um carro, para não ouvir cantadas
grosseiras ao andar pela rua. Negra, Telma Lúcia, 55, fica constrangida dentro
de ônibus quando os homens sentam ao lado dela e olham seu decote. “Eles só faltam
entrar nos seios da gente”, diz.
Independentemente do tipo físico
e da idade, as mulheres são assediadas de várias formas e muitas se sentem
diariamente violentadas em diferentes lugares. Segundo estimativa da
Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 70% das mulheres em todo o mundo
sofrem algum tipo de violência de gênero ao longo da vida. No quinto dia da
série “Que amor é esse?”, a reportagem de O TEMPO apresenta a cultura machista
que está na origem das atitudes agressivas dos homens.
“As populações violentas estão
inseridas em uma sociedade orientada para a opressão das mulheres e dominação
dos homens. E as pessoas aprendem isso nos momentos mais primários, nas
relações familiares e, depois, na escola”, pontua a psicóloga Marlise Matos, coordenadora
do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem), da Universidade
Federal de Minas Gerais.
Quando Karine chegou em casa e
contou ao pai que havia sido atacada verbalmente por homens na rua, ele
perguntou: “Não foi a roupa que você estava usando?”. “Achei que foi machismo
dele”, diz. Mas será que só o pai dela pensaria assim?
Perguntamos a homens e mulheres
nas ruas de Belo Horizonte se a roupa influencia o modo como eles as tratam. As
respostas ficaram divididas entre: “A mulher tem que ter bom senso”; “Muitas
extrapolam nas roupas”; e “Elas têm o direito de usar o que quiserem, sem serem
agredidas”.
Mas o que é considerado agressão
não encontra consenso. Aqueles que “cantam” acham que as mulheres gostam, mas
muitas preferem “aumentar o som do fone de ouvido” e ignorar as abordagens. Até
mesmo enquanto a reportagem entrevistava trabalhadores que descansavam na praça
da Savassi, eles não pararam de olhar e “cantar” as mulheres que passavam.
“No lugar”. Homens que cumpriam
medida judicial por terem agredido a mulher, ouvidos pela reportagem,
reforçaram a cultura machista. “Minha mulher usa o que a deixa satisfeita.
Temos quase sete anos de casados, e ela sabe que uma pessoa casada não pode
sair com uma saia vulgar. A mulher de respeito sabe se colocar no lugar”, disse
um deles. Outro, que teve que se afastar da companheira, concorda. “Sempre
falei para ela: ‘Se vai sair na rua, olha o tipo de roupa, se alguém mexer com
você, eu não vou agradar’. Mas esse negócio de ficar assoviando mulher na rua
agora dá até cadeia, né?”.
É nas atitudes mínimas, baseadas
na “inferioridade dela e no controle dele”, que o machismo justifica e sustenta
a violência contra a mulher. Para Marlise, apesar de avanços, mantemos amarras,
principalmente em ver a mulher como parte do mundo privado e o homem, do
público. “A mulher ainda é vista como a rainha do lar. A criança menina, você
manda brincar de casinha, dá panelinhas, bonecas. Para o menino, você dá uma
bola para ele brincar lá fora. Nisso, ele é o protagonista (público), e ela é
vista como objeto de dominação (privado)”, explicou a psicóloga.
As mulheres, defende Marlise, não
podem achar natural as imposições masculinas. “Isso não é amor, é posse”.
Novas gerações integram luta
A esperança na igualdade de
gêneros vem também de um grupo de adolescentes que não aceita regras machistas.
A editora da empresa Lugar de Mulher, Clara Averbuck, postou nas redes sociais,
na última semana, que duas alunas de uma escola de São Paulo foram impedidas de
assistir à aula porque estavam com “shorts curtos e distrativos”.
No dia seguinte, elas foram de
burca e meninos de samba-canção, para protestar. “Proibindo o uso de ‘shorts
curtos’ ou regatas, os adultos estão nos dizendo inconscientemente que a culpa
do abuso sofrido pelas mulheres é das roupas que elas usam e mostrando que a
vestimenta importa mais do que educação e respeito”, disseram.
44% Das cassações de registros
médicos no país (27 das 61 entre 2009 e 2014) são por assédio sexual a
pacientes, conforme dados do Conselho Federal de Medicina, divulgados no ano
passado.
Mês passado
Uma estudante de 18 anos sofreu
uma tentativa de estupro no banheiro feminino no campus de uma universidade
federal do Triângulo Mineiro. De acordo com a Polícia Militar, o suspeito
seguiu a vítima e, quando ela saiu do local, ele a esperava. O homem a
arrastou, dando uma gravata no pescoço. Após se debater e gritar, a estudante
conseguiu escapar.
Em letras de música
“Não venha não/Eu vivo do jeito
que eu quero/Não pedi opinião/Você chegou agora e, tá querendo mandar em mim/Da
minha vida cuido eu/Deitou na minha cama/E quer dormir com o
travesseiro/Folgado”. Na letra da música, a cantora Marília Mendonça dá o
recado que as mulheres não estão dispostas a aturar homens “folgados”.
Mas também eles deixam a mensagem
de que existem homens novos para essas mulheres. “Mais uma vez/ Ele te feriu,/E
é a ultima vez/Que ele vai por a mão em você, Te machucar, fazer sangrar,/Te
humilhar, fazer chorar seu coração./Não tenha medo, denuncie/Deixa ele e vem
morar comigo/Eu vim pra te buscar, eu vou te amar”, diz a música do cantor Fred
Liel, que quando criança via o padrasto bater na mãe e fez a letra gravada pela
dupla Zezé de Camargo e Luciano, trazendo muitos retornos positivos para
mulheres que escutaram a música, segundo Liel.
Por cantadas melhores
A primeira mulher que
conversamos, a advogada Paloma Baeta, 28, mostrou um vídeo que o marido acabara
de postar nas redes sociais onde pedreiros – mundialmente conhecidos como os
reis das cantadas – faziam elogios “inofensivos”, na visão dela. “Bom dia!”;
“Essa roupa ficou bem em você!”; “Como você está?” – eram as frases ditas pelos
homens da construção. A simulação foi produto de uma propaganda internacional
de um chocolate que causou polêmica no ano passado porque deu a entender que os
trabalhadores estavam agindo assim porque estariam com fome.
Para não deixar dúvidas
A Convenção de Belém do Pará
(Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a
Mulher), adotada pela OEA em 1994, definiu que a violência contra a mulher é
“qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento
físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera
privada”.
Fonte: O Tempo
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