Diante das pressões pela reforma
ministerial e da notícia de que a Secretaria de Políticas para as Mulheres
(SPM), a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), a
Secretaria de Direitos Humanos (SDH) e a Secretaria Geral da Presidência podem
ser fundidas em um Ministério da Cidadania, a Agência Patrícia Galvão ouviu
diversas feministas. Para a maioria delas a perspectiva de fusão dessas pastas
é um retrocesso, que levará ao fim de organismos simbólica e politicamente
históricos para a formulação e implementação de políticas públicas demandadas
pelas mulheres brasileiras.
A socióloga Eva Blay destacou que
“no Brasil, vivemos ainda hoje um patriarcado extremamente violento. E, na
Câmara e no Senado, vemos um enorme avanço de políticas absolutamente
conservadoras contra tudo que nós mulheres conquistamos no mundo todo.
Independentemente de posicionamento político partidário, a Dilma nesse campo
fez um enorme avanço. Por isso, acho lamentável que as forças retrógradas
tenham tanto poder a ponto de fazer com que voltemos para trás no que nossa voz
conseguiu por meio da SPM. Sou absolutamente contrária à redução desta
Secretaria, que tem representado junto à ONU e todos os organismos
internacionais um espaço fantástico, e tem servido de modelo para os países
africanos e também da América Latina. Por isso, será um enorme retrocesso se
ela for reduzida”. Professora titular sênior da FFLCH/USP, Eva foi senadora da
República pelo PSDB, partido ao qual segue filiada.
Redução do poder político das mulheres
Para Maria Amélia de Almeida
Teles, a possibilidade “é um absurdo, porque conquistamos a Secretaria de
Política para as Mulheres e a Secretaria da Igualdade Racial por meio de uma
grande luta, de um movimento histórico pelo reconhecimento das nossas
necessidades e demandas, tanto das populações não brancas quanto da feminina.
Nós somos a maioria da população desse país. Vamos ficar sem representação
dentro do governo? Isso não é possível. Não tem cabimento. Essa medida só
aprofunda a crise e não a resolve. Enfrentar a crise significa reconhecer as necessidades
da população, conforme sua inserção na sociedade. Nós precisamos é de mais
mulheres no governo. Se tirarmos duas ministras, estamos reduzindo nosso poder
político”. Integrante da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos e da
União de Mulheres do Município de São Paulo, Amelinha é uma das coordenadoras
do Programa de Promotoras Legais Populares, que forma mulheres para ação em
defesa dos direitos humanos e difusão da Lei Maria da Penha.
É fundamental manter secretarias no primeiro escalão
Também socióloga e coordenadora
do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Guacira César de Oliveira
aponta que a perda de um organismo específico para articular demandas de
mulheres e o combate às discriminações raciais e étnicas “é medida
completamente descompromissada com a luta das mulheres e nossas conquistas”.
Ela ressalta que “a desigualdade das mulheres é um dos problemas estruturais do
Brasil, por isso a gente tem um sistema político com uma das menores
representações de mulheres da América Latina. A desigualdade racial também é um
elemento absolutamente central para a democracia brasileira. E esses organismos
com status ministerial foram conquistas dos movimentos sociais em relação aos
quais não estamos de maneira nenhuma dispostas a abrir mão. Num contexto de uma
ofensiva conservadora, religiosa, fundamentalista, neopatriarcal contra os
direitos das mulheres, não ter um organismo de políticas para as mulheres e a
igualdade racial no primeiro escalão do governo é muito ruim”.
A própria presidenta Dilma
Rousseff, que desde o primeiro mandato enfrenta pressões para acabar com as
pastas voltadas à formulação de políticas específicas para as maiorias
populacionais em situação de desigualdade, já manifestou que a SPM-PR é
“fundamental”. Foi assim que Dilma se manifestou durante a 3ª Conferência de
Políticas para as Mulheres, em 2011. Na última sexta-feira, a presidenta voltou
a divulgar uma mensagem em vídeo na internet reafirmando que o governo “seguirá
combatendo o racismo, a homofobia e a violência contra as mulheres”.
Tiro no pé
Mas para a médica Ana Flávia
D’Oliveira, professora da Faculdade de Medicina da USP, a fusão de secretarias
é “um tiro no pé” que afetará o enfrentamento à intolerância e à violência. “Vejamos
o papel que a SPM tem na formulação e implementação de uma política nacional de
enfrentamento à violência contra as mulheres. Com certeza a pauta [das diversas
secretarias] é comum e eu defendo uma ação articulada e transversal, mas tem as
especificidades das mulheres, negros, das crianças e adolescentes, da
diversidade sexual. Os organismos são muito importantes para efetivar políticas
transversais, e já são subfinanciados e têm pouco poder econômico e político
para conseguir efetivar essas políticas. Juntar tudo isso é reduzir a força de
políticas que efetivamente tenham eficácia. E as políticas transversais de
gênero e igualdade racial são importantes para o desenvolvimento econômico.
Então, também nesse sentido, num momento de ajuste fiscal, é um tiro no pé,
pois quem vai pagar a conta do ajuste é quem está na periferia do sistema e vai
ser onerado por uma crise que não foram essas populações que provocaram”.
Mulheres negras serão as mais afetadas
Maria das Dores do Rosário
Almeida, a Durica, representante da Articulação de Organizações de Mulheres
Negras Brasileiras (AMNB)
Liderança da Articulação de
Organizações de Mulheres Negras do Brasil (AMNB), Maria Dolores Almeida aponta
que “se essa notícia se confirmar será um retrocesso muito grande para os
direitos humanos no Brasil, principalmente olhando da perspectiva da população
negra e das mulheres. Porque quando você junta essas políticas quem sai
perdendo são as mulheres e as mulheres negras, especialmente nesse momento de
avanço conservador. A gente sabe que tem estados e municípios que já não
implementam as políticas que conquistamos. Nós mulheres negras seremos as mais
afetadas de todas as formas. Conquistas como o Ligue 180 e a Casa da Mulher
Brasileira vão escorrer por entre nossos dedos. E sinto muito que isso aconteça
no governo de uma mulher, embora saibamos do compromisso da presidenta Dilma e
das pressões que ela vem sofrendo já há muito tempo”.
Ônus político
Jacira Melo, diretora executiva
do Instituto Patrícia Galvão, concorda e avalia que “a presidenta Dilma,
primeira mulher a governar o Brasil, não pode arcar com o ônus de extinguir as
pastas que formulam e implementam políticas para as mulheres, a igualdade
racial e os direitos humanos. No momento em que estamos lutando para aprovar
uma cota de 10% de representatividade para as mulheres no Congresso Nacional,
acabar com essas secretarias é um retrocesso histórico. A presidenta Dilma tem
demonstrado firmeza em suas convicções e coerência em seus atos. Tenho expectativa
de que ela continue tendo o entendimento da importância das secretarias de
Políticas para as Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos no presente e
no futuro”, afirma.
Secretarias representam democratização do Estado
A coordenadora do SOS Corpo -
Instituto Feminista para a Democracia, Maria Betânia Ávila ressaltou que a
mídia já “reformou o ministério por diversas vezes, mas até agora não houve
confirmação dessas informações, por exemplo, ao Conselho Nacional dos Direitos
da Mulher” (CNDM). A socióloga afirmou ainda que “a SPM e a Seppir são frutos
de lutas históricas, fundamentais para a democracia política e social. São
mecanismos importantes na democratização do Estado, na implementação de
políticas públicas voltadas para a igualdade, os direitos das mulheres e das
populações negras. Por isso, as duas secretarias devem ser preservadas”.
Betânia integra o CNDM.
Fonte: Agência Patrícia Galvão
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