Sexo não se aprende na escola. Ou, pelo menos, o debate
sobre sexualidade continua um tabu em sala de aula, fazendo com que jovens
busquem respostas na internet. Isso, dizem especialistas, frequentemente leva a
informações equivocadas.
Enquanto educadores e sexólogos falam em vácuo na educação
sexual, um levantamento do GLOBO em 20 colégios particulares do Rio, entre eles
os 10 melhores do ranking fluminense do Enem 2012, mostrou que só quatro
apresentaram projetos específicos para discutir o tema. Na rede pública, as
iniciativas são pontuais e tampouco correspondem às diretrizes do Ministério da
Educação (MEC).
Na esfera estadual, uma parceria entre as secretarias de
Educação e de Saúde e o Instituto Promundo realiza a campanha “Sem Vergonha”,
em que grupos de alunos de seis escolas debatem seus direitos sexuais e
reprodutivos, com a produção de cartilhas e vídeos instrutivos. A partir de
outubro, o projeto será replicado em outros seis colégios. Segundo a secretaria
de Educação, as demais ações na rede são classificadas como Saúde e Prevenção e
cobrem 123 escolas de um total de 1.357.
No Colégio Estadual Júlia Kubitscheck, no Centro, o projeto
é coordenado pelo professor de Biologia Mário Sérgio Souza, com a ajuda de
psicólogos.
— O preconceito só existe por causa da ignorância. Aqui,
aprendemos a respeitar pensamentos e ideias diferentes — conta a aluna do 2º
ano Eliete Xavier, de 17 anos.
Já a secretaria municipal de Educação do Rio indicou como
exemplo o projeto “DSTs, uma discussão para tod@s”, desenvolvido no Ginásio
Experimental Olímpico (GEO) Juan Antonio Saramanch. Inicialmente, a assessoria
de imprensa informou que o tema é abordado nas aulas de Ciências em cerca de
mil unidades escolares. Depois, agregou que aulas de Educação Sexual estão
disponíveis para o 8º ano pelo Educopédia, plataforma on-line.
É pouco ainda para o que recomendam os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs). De acordo com as diretrizes do MEC, a formação
deve ser continuada e sistemática, num espaço específico. “Temáticas como
gravidez na adolescência, masturbação, homossexualidade, iniciação sexual,
pornografia e erotismo, aborto, violência sexual e outras são exemplos de
questões que (…) demandam espaço próprio para serem refletidas e discutidas”, diz
um trecho do documento.
Viajando pelo Brasil para dar palestras sobre sexualidade
para alunos e professores, a sexóloga Laura Muller percebe o vácuo na educação
sexual:
— Ainda há tabu. É diferente falar de sexualidade para uma
criança e para um adolescente, mas é preciso que esse tema seja abordado nas
variadas disciplinas e num espaço único sobre a sexualidade.
Desserviço na campanha eleitoral
Esta semana, Pastor Everaldo, candidato à presidência pelo
PSC, trouxe o tema à tona dizendo-se, durante sabatina no GLOBO, contrário à
educação sexual nas escolas e defendendo que o assunto deveria se restringir ao
ambiente familiar. Sem discutir o sexo dos anjos, o colégio católico Sion
aborda o tema na Semana da Saúde, projeto que quer proporcionar aos alunos do
7º e 8º anos compreensão da sexualidade como elemento da construção do sujeito.
Em palestras com profissionais da área de educação sexual,
os estudantes debatem temas como nudez nas redes sociais, controle da
intimidade e pedofilia. Ao longo do ano letivo, eles continuam se expressando
por meio de esquetes. Num deles, uma menina telefona aos prantos para uma amiga
dizendo que espalharam na rede um boato de que ela pagou para ficar com vários
meninos numa festa. Fora de cena, a vida real pode ser mais cruel, como conta
Maria Luisa Neves, de 12 anos.
— Vi fotos de amigas nuas, que as haviam enviado aos
namorados. Confio no meu namorado, mas jamais mandaria uma foto nua para ele.
Converso com meus pais e aqui na escola para me orientar. Quando rolar algo a
mais, farei com segurança, usando preservativo — diz.
Os outros colégios particulares que apresentaram projetos
específicos sobre o tema foram Centro Educacional Espaço Integrado (CEI), Edem
e Escola Sesc de Ensino Médio. Na Edem, a psicóloga Claudia Travassos trabalha
a educação sexual na aula semanal Desenvolvimento Interpessoal, do 7º ao 9º
anos. Além de pedir que os alunos escrevam anonimamente o que entendem por
sexualidade e quais são suas dúvidas, ela estimula o debate com textos e filmes
sobre gravidez na adolescência, masturbação e ejaculação, preconceito com
homossexuais, DSTs e métodos anticoncepcionais, além de levar especialistas,
como ginecologistas. Segundo ela, o assunto ainda é tabu para muitas famílias,
o que faz com que adolescentes recorram à internet, banalizando o tema.
— Eles se sentem menos censurados na rede, têm acesso a tudo
e compartilham com os outros. Isso facilita uma exposição maior do que se dão
conta. Muitas famílias ainda têm esse tabu, mas ficam felizes de a escola abordar
o tema. Outras ficam incomodadas. Os pais têm dificuldade para falar com os
filhos. Já ouvi aluno perguntar se vou passar filme pornô. Tenho que
desconstruir essa visão — diz Claudia.
Na Escola Sesc, há duas ações: a primeira é um grupo de
discussão no dormitório dos alunos, mediado por uma professora de Biologia
junto com uma médica, sobre assuntos como transformações do corpo,
autoconhecimento e orientação sexual. Os temas são propostos pelo corpo
pedagógico. Já no Comitê de Sexualidade e Questões de Gênero, os alunos
apresentam questões em que têm interesse, como relações homoafetivas. A
mediação é feita por uma professora de Sociologia com formação em Sexologia.
No CEI, sexualidade se debate desde o Fundamental I. Na
Semana Cultural, alunos participaram de um jogo com os pais que envolvia esse
tema e outros como drogas e transtornos alimentares. No dia 25, as famílias
participarão da palestra “Sexualidade hoje: diálogos possíveis”, como diz a
diretora pedagógica Luciana Soares:
— Vivemos numa sociedade erotizada, com antecipação de
curiosidades. Alertamos sobre os perigos, mas sem tirar a beleza de uma fase
natural.
Para Sergio Luiz Baptista da Silva, professor da Faculdade
de Educação da UFRJ, uma das dificuldades de abordagem da sexualidade na
educação básica tem a ver com a má formação nas licenciaturas:
— Pouco se toca nesse assunto. Muitas vezes os professores
têm vontade de aprofundar, mas não se sentem encorajados. Temos uma abordagem
biologizante, com o sexo visto na perspectiva da reprodução e das DSTs, mas mal
se discutem as relações de gênero e os conflitos a partir disso, o que reforça
o preconceito.
Fonte: O Globo
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