Julia Apocalipse, de 13 anos, em casa. Ela perdeu dois dentes e ainda tem medo de voltar à escola (Foto: Michel Filha/O Globo)
“Quero ver quem vai te querer,
quero ver você ser bonita agora”. Com essas palavras, uma menina de 16 anos deu
início a uma série de agressões físicas a Júlia Apocalipse, de 13 anos, dentro
da Escola Estadual Hélio Del Cístia, em Sorocaba (SP), na semana passada.
Assim
como ela, outras duas adolescentes foram recentemente atacadas nos arredores de
escolas, em São Paulo e Santa Catarina, em atos que, segundo testemunhas, foram
motivados pela “inveja” da beleza das vítimas. Em comum ainda aos casos, a
exposição nas redes sociais — “palco” de discussões prévias entre as envolvidas
e da publicação de vídeos dos espancamentos —, no que especialistas classificam
como um novo tipo de espetacularização da humilhação.
Júlia perdeu dois dentes e ficou
com hematomas no rosto depois do episódio, no último dia 9. O inchaço na boca
ainda a incomoda, e ela tem dificuldade para comer. Por conta do trauma, não
quer voltar para a escola. Aluna do sétimo ano, corre o risco de ser reprovada
por faltas.
— Não me sinto segura para
voltar. Tenho recebido nas redes sociais mensagens de colegas que acham que eu
mereci a agressão. Sei que nada mudou lá dentro e que, se alguém se aproximar
de novo, não vou ter socorro — afirma.
Ela conta que, dias antes do
embate, recebeu uma ameaça no celular pelo aplicativo WhatsApp. A agressora,
que só a conhecia por redes sociais, avisara que a atacaria na saída da escola.
— Ela já chegou falando que eu
era muito metida e que não gostava de mim. Pediu para eu ajoelhar e pedir
desculpas. Eu me recusei. Foi aí que veio o primeiro soco — lembra Júlia, que
correu para a escola, onde a agressão continuou. — Apanhei mais na escola do
que na rua. Lá dentro, nenhum inspetor interferiu. Só recebi ajuda quando já
estava desmaiada.
A menina atribui à “inveja” dos
selfies que posta no Facebook a ira da agressora:
— Tirar fotos era meu passatempo,
mas agora tenho vergonha do meu rosto e medo de despertar raiva nas pessoas.
A garota que a espancou alega que
defendia uma amiga chamada de “macaca” pela adolescente. Júlia nega.
Vídeo de espancamento compartilhado
Num caso parecido em
Florianópolis, além de dar socos e chutes em uma estudante de 13 anos, duas
jovens cortaram o cabelo dela em frente à Escola Estadual Padre Anchieta, no
bairro de Agronômica, no fim do mês passado. O vídeo da agressão circulou pelas
redes sociais. Enquanto uma adolescente segurava o cabelo da vítima, outra
fazia os cortes. É possível ouvir as agressoras xingando a vítima de
“vagabunda”. O pai da menina, Alcerir Weirich, pediu que o nome da filha não
fosse publicado. Ele diz que o ataque foi por ciúmes:
— Dizem que o namorado da menina
que bateu nela arrasta asa para a minha filha. Foi uma vingança mesmo. Ela tem
um cabelo lindo, e elas queriam deixá-la feia e colocar na internet para todo
mundo ver.
As agressoras não estudam na
mesma escola da vítima e a emboscaram no portão de saída. Com hematomas no
rosto, ela só voltou a estudar 20 dias depois.
— Preciso levá-la e buscá-la
todos os dias. Ela ficou traumatizada — lamenta o pai, que aguarda uma
audiência marcada para novembro para que o caso seja resolvido judicialmente.
Ágatha Roque,
também espancada no colégio: sequelas neurológicas. (Foto: arquivo pessoal)
Já a agressão a Ágatha Luana
Roque, em abril, deixou sequelas neurológicas. A menina de 16 anos sofreu
traumatismo craniano e, segundo sua mãe, “pisca sem parar, por conta da pancada
forte”. Ela também teve os cabelos cortados. O espancamento, a cargo de duas
outras garotas, ocorreu dentro da sala de aula na Escola Estadual Castelo
Branco, no bairro Vila Cláudia, em Limeira (SP). Depois de quase um mês em casa
para se recuperar das lesões, ela voltou às aulas, desta vez em outra escola,
onde ainda sofre com o bullying dos colegas.
— Muita gente fica rindo — relata
a mãe, Edineia Demarco, para quem a agressão foi motivada pela beleza da
menina. — Falaram que Ágatha andava de nariz empinado, mas isso é inveja. Por
que mais teriam arranhado todo o rosto dela e cortado o cabelo?
A socióloga Miriam Abramovay, que
coordenou o projeto “Violência e convivência nas escolas brasileiras”, diz que
as agressões físicas partem de uma necessidade de afirmação de poder e precisam
ser discutidas no ambiente escolar, algo que hoje é falho. Já o papel das redes
sociais torna o controle dessas agressões mais difícil. Numa busca rápida, encontram-se
inúmeros registros de brigas entre garotas em escolas de diversas regiões do
país.
— Os vídeos de espancamento são
um fenômeno criado pela sociedade do espetáculo. Para o jovem, não basta mais
agredir, é preciso exibir para o mundo inteiro. É a humilhação globalizada —
observa Miriam.
A insegurança típica do
adolescente — sobre o próprio corpo e as relações sociais — ainda é um fator
que intensifica a reação do indivíduo à inveja e pode levar o jovem a ter uma
resposta agressiva à pressão para corresponder ao ideal de beleza. É o que diz
a coordenadora do curso de Especialização em Psicologia Clínica com Crianças da
PUC-Rio, Silvia Zornig:
— Isso, é claro, se o adolescente
não tiver as ferramentas para elaborar esse sentimento de inveja, como, por
exemplo, conversar com colegas, professores ou a família. É importante abrir um
canal para que a questão seja discutida sem julgamentos dentro da escola, com a
intermediação de professores.
Fonte: (Marina Cohen) Compromisso e Atitude
Nenhum comentário:
Postar um comentário