segunda-feira, 21 de abril de 2014

Tiradentes: Mulheres conjuradas


Nessa cultura machista que nos assola,  quase não se destacam as figuras heróicas de mulheres envolvidas com a  Conjuração Mineira liderada por Tiradentes. Mulheres que assumiram a coragem  de apoiar os homens que amavam, comprometidos com a principal conspiração de  nossa história: a que pretendeu libertar o Brasil do domínio português.

Por Frei Betto

Mulheres que padeceram a dor de ver seus  companheiros presos, torturados, degredados, os bens sequestrados, a infâmia  proclamada sobre sucessivas gerações, sem a esperança de, no futuro, voltar  a abraçá-los. Só uma delas o conseguiu.

Tomás Antônio Gonzaga, quarentão,  apaixonou-se por Maria Doroteia Joaquina de Seixas, 23 anos mais nova do que  ele. Eternizada sob o pseudônimo poético de “Marília de Dirceu”, os poemas  apaixonados teriam sido escritos antes de o autor enamorar-se dela. Segundo  Tarquínio J. B. De Oliveira, a verdadeira “Marília” é Maria Joaquina Anselma  de Figueiredo, viúva enricada, amante de Luís da Cunha Menezes.


Os atritos de alcova entre o governador e o  ex-ouvidor de Vila Rica teriam dado ensejo a que este redigisse, sob autoria  anônima, as “Cartas Chilenas”, nas quais desprestigia Menezes, tratado pela  alcunha de “Fanfarrão Minésio”.

Gonzaga, promovido para a Bahia, valeu-se  do noivado com Maria Doroteia para prolongar sua permanência em Vila Rica e,  assim, encobrir sua militância na conjuração. A delação de Silvério dos Reis  os impediu de casar. O poeta, degredado para Moçambique, ali constituiu  família. Maria Dorotéia faleceu em Minas aos 85 anos.

Bárbara Heliodora, mulher de Alvarenga  Peixoto, teria evitado que o marido, uma vez preso, passasse de conspirador  a delator. Ao ser decretado o sequestro de todos os bens dos conjurados, ela  conseguiu provar ser casada em separação de bens e, assim, manter a posse do  que lhe pertencia.

Nos meus tempos de grupo escolar, os alunos  recitavam emocionados o poema que Peixoto, encarcerado no Rio, lhe dedicara:  “Bárbara bela / Do Norte estrela / Que o meu destino / Sabes guiar, / De ti  ausente / Triste somente / As horas passo / A suspirar. /  Por entre as  penhas / De incultas brenhas / Cansa-me a vista / De te buscar. (...)”

O romantismo criou o mito de que Bárbara  Heliodora teria enlouquecido ao ver o marido condenado ao degredo na África.  As fontes históricas atestam que soube gerir o seu patrimônio e educar os  filhos José, João e Tristão, internados no colégio de Itaverava.

Outra mulher que merece destaque é Inácia  Gertrudes, a quem Tiradentes recorreu, no Rio, à notícia de que o vice-rei o  perseguia. Viúva de Francisco da Silva Braga, porteiro da Casa da Moeda,  vivia com sua filha única, de 29 anos, a quem Tiradentes curara de uma chaga  cancerosa.

Para evitar maledicências por abrigar o  líder conjurado em casa de uma viúva e uma moça solteira, convocou seu  sobrinho, padre Inácio Nogueira de Lima, e encarregou-o de procurar seu  compadre, o ourives Domingos Fernandes da Cruz, que homiziou Tiradentes. Ali  o prenderam.

Quitéria Rita era filha de Chica da Silva  com o contratador de diamantes João Fernandes de Oliveira. Chica havia  nascido escrava na fazenda do pai de padre Rolim; era, portanto, sua irmã de  criação. O padre e Quitéria amasiaram-se, embora não vivessem sob o mesmo  teto. Antes de ser preso, Rolim cuidou de internar Quitéria e as filhas no  Recolhimento de Macaúbas (ativo até hoje).

Rolim passou 13 anos encarcerado em  Portugal. Em 1805, aos 58 anos, retornou ao Brasil e bateu à porta do  Recolhimento, onde resgatou Quitéria e os filhos, instalando-se em  Diamantina. Como fiel Penélope, ela jamais perdeu a esperança de rever o  amado.


Hipólita Teixeira, rica e culta, casou-se  com o coronel Francisco Antonio de Oliveira Lopes. Preso o marido, e  degredado para a África, teve ela todos os bens sequestrados. Foi ela quem  contra-atacou, em carta ao Visconde Barbacena, governador de Minas, a  delação de Joaquim Silvério dos Reis. E também redigiu e espalhou os avisos  sigilosos dando notícias aos conjurados de que Tiradentes havia sido preso  no Rio, a 10 de maio de 1789.


História é substantivo feminino. Contudo,  nela as mulheres costumam figurar como mera adjetivação de heróis  masculinos. É hora de voltarmos aos tempos em que os hebreus ressaltavam a  atuação destemida de mulheres, a ponto de a Bíblia incluir três livros com  seus nomes: Rute, Judite e Ester. Sem contar a erótica do “Cântico dos  Cânticos” e a gloriosa mãe dos sete irmãos mártires descrita no Segundo  Livro dos Macabeus.

Qualquer pessoa minimamente catequizada  talvez saiba citar os nomes dos 12 apóstolos de Jesus. Mas quem se lembra de  que, de seu grupo de discípulos, participavam também mulheres cujos nomes  estão registrados no evangelho de Lucas (8, 1): Maria Madalena, Joana,  Susana “e várias outras”?




Fonte: Amai-vos

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