...O único emprego que ele poderia me oferecer era o de
prostituta. O homem gringo que me parou às 20h de um dia útil, em uma avenida
movimentada, estava ali, portanto, aliciando mulheres para prostituição.
Por: Fernanda Kalianny *
Hoje (07/04), a caminhada que estava fazendo acabou se
transformando em um sorvete, mas poderia ter sido pior. Andando aos passos
largos e com fone de ouvido pela avenida Paulista, uma das maiores e mais
importantes do país, fui abordada por um sujeito. Um homem, branco, careca,
olhos claros e sotaque de gringo. Achando que ele pediria alguma informação,
acabei tirando o fone e parando para ouvir o que ele tinha a dizer.
Qual não foi minha surpresa quando ele me disse que
trabalhava em uma multinacional, que estava chegando agora no país, e, por esse
motivo, estavam buscando pessoas para trabalhar. Segundo esse homem, ao olhar
para mim na rua, identificou que eu me encaixava perfeitamente no “perfil
desejado”. A pergunta seguinte foi sobre a minha idade e em que horário eu
trabalhava.
Com algum sarcasmo, perguntei para ele como se seleciona
pessoas para trabalhar olhando apenas o rosto e o corpo delas. Apesar do susto
que tomei, o informei que sou pesquisadora, estudante e não estava em busca de
emprego. Após alguma insistência, ele me falou que tudo bem e me deixou
prosseguir.
Vários pensamentos me vieram a cabeça, pois não é a primeira
vez que circulo em espaços públicos e supostas propostas de emprego surgem
baseadas em um “perfil desejado” para ser empregado. Nas outras duas vezes que
isso aconteceu eu estava andando pela Praça de República, em São Paulo, e pela
Uruguaiana, no Rio de Janeiro. Pergunto-me então que perfil seria esse?
Não consigo deixar de associar com o fato de ser mulher,
negra e jovem. Encaixo-me, então, no perfil das brasileiras “mulatas”, vistas
comumente de forma hipersexualizada por muitos dos gringos que chegam ao país –
mas também por muitos brasileiros.
Diante disso, o único emprego que ele poderia me oferecer
era o de prostituta. O homem gringo que me parou às 20h de um dia útil, em uma
avenida movimentada, estava ali, portanto, aliciando mulheres para
prostituição.
Após digerir o que acaba de se passar na minha frente,
interrompi a caminhada, comprei um sorvete e vim escrever esse relato para
alertar outras mulheres que possam passar pelo mesmo que passei essa noite. Mas
fiquei pensando: o que poderia ter acontecido se a menina que ele tivesse
parado, com o mesmo fenótipo que o meu, não estivesse apenas caminhando para
espairecer? Se ao invés de mim a próxima mulher que ele parar na rua for uma
trabalhadora cansada de ser explorada em um emprego ruim ou em busca de uma
chance de trabalhar? Quão sedutora, afinal, não pode ser uma proposta de
emprego que cai dos céus no seu colo?
É importante lembrarmos que em ano de copa do mundo a
tendência é que esses casos se repitam. Nessas circunstâncias, nossos corpos
são ainda mais objetificados e nós mulheres negras – mas também as brancas –
tornamo-nos ainda mais alvo desse tipo de investida. É preciso seguirmos fortes
e atentas para conseguirmos responder a esse tipo de acontecimento.
Se o sorvete não conseguiu me fazer pensar que a vida pode
ser mais doce, é aliviante saber que continuaremos marchando até que todas
sejamos livres.
Fernanda Kalianny é cientista social, mestranda em
Antropologia Social e militante da Marcha Mundial das Mulheres.
Fonte: marchamulheres.wordpress.com
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