Enquanto o Legislativo adia a discussão, o reconhecimento
dos direitos de garotos e garotas de programa ganha força nos tribunais do país.
Atividade que se movimenta nas sombras, à margem da lei, a
prostituição vai permanecer clandestina durante a Copa do Mundo e, por mais um
bom tempo ainda, pois o Congresso Nacional não avançou na regulamentação da
profissão. A dois meses do primeiro jogo do mundial, que vai atrair milhares de
turistas ao país, o projeto de lei que define a prostituição como profissão
continua sem previsão para ser votado pelos parlamentares. Enquanto o
Legislativo adia a discussão, o reconhecimento dos direitos de garotas e
garotos de programa ganha força nos tribunais do país.
Nos últimos anos, o Brasil viu outras propostas polêmicas
serem regulamentadas apenas depois de chegarem às cortes judiciais. Assim foi
com a união civil de homossexuais, o uso de células-tronco embrionárias e o
aborto de fetos anencéfalos. A garantia dos direitos trabalhistas a
profissionais do sexo caminha na mesma trilha. No Legislativo, o então deputado
Fernando Gabeira (PV-RJ) propôs, em 2003, regularizar a prostituição, mas o
projeto dele foi arquivado. Também na Câmara, o ex-deputado Eduardo Valverde
(PT-RO) teve iniciativa semelhante engavetada. Ao apresentar o projeto, em
2012, o deputado Jean Wyllys (PSol-RJ) reassumiu a causa.
“Há mais de 10 anos que se tenta regulamentar a atividade
dos profissionais do sexo, e o Congresso claramente se recusou à discussão. O
projeto aguarda a formação da comissão especial que avaliará seu mérito, o que
esperamos que aconteça em breve”, diz Wyllys. O deputado ressalta a realidade
de exclusão social vivida pela categoria. “Nem o direito a desempenhar sua
atividade em um local com melhores condições eles podem”, lamenta.
Indenização Sem o amparo de legislação específica, a questão
avança na Justiça. Em maio do ano passado, o filho de uma prostituta ganhou o direito
de receber uma indenização de R$100 mil por acidente de trabalho que provocou a
morte da mãe dele, de 25 anos. Ela havia ficado tetraplégica depois de sofrer
uma queda quando “trabalhava” em uma boate de Piracicaba (SP), alvo da ação. A
jornada de trabalho e a remuneração serviram como provas do vínculo
empregatício, o que determinou o pagamento de férias, décimo-terceiro salário e
FGTS. A decisão ainda pode ser alvo de recurso, em segunda instância, no
Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.
Desfechos favoráveis às prostitutas já haviam surgido em
cortes trabalhistas gaúchas e mineiras, segundo Renato Muçouçah, professor da
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia. Em abril de 2013,
ele defendeu, na Universidade de São Paulo (USP), uma tese de doutorado sobre o
exercício profissional dos trabalhadores do sexo. No estudo, o pesquisador
lista dois acórdãos anteriores ao caso paulista em tribunais regionais do
Trabalho – de 2009 e de 1999 – e uma decisão de vara trabalhista.
“Acredito que vá haver reconhecimento do vínculo de emprego,
em dado momento, pelo Supremo Tribunal Federal. À luz da Constituição,
interpretará que os tipos penais relacionados à prostituição são
inconstitucionais, incluindo o de manter casa de prostituição, desde que ali
não haja exploração sexual”, projeta Muçouçah. “A prostituição praticada
livremente, consentida, de alguém maior de idade, que recebe lucro, não é
exploração sexual. Tolhê-la retira um direito fundamental, o de liberdade de
trabalho”, conclui.
Incentivo à
aposentadoria
Ao incluir profissionais do sexo na Classificação Brasileira
de Ocupação (CBO), em 2002, o governo reconheceu o ofício como parte do mercado
de trabalho nacional. Quando se cadastra na CBO, o profissional pode contribuir
para a Previdência e, portanto, receber aposentadoria pelo Instituto Nacional
de Seguridade Social (INSS).
No entanto, conforme dados inéditos levantados pelo
Ministério do Trabalho, uma parcela ínfima de profissionais fez o cadastro. No
Distrito Federal, por exemplo, foram apenas dois em 10 anos. “Temos prostitutas
de 65 anos que não se aposentaram pela falta de regularização. Várias senhoras
começaram na atividade aos 18 anos e continuam ativas”, conta Cida Vieira,
presidente da Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig).
Para mudar essa realidade, organizações de classe
promoveram, entre 2003 e 2004, palestras e seminários com o intuito de
conscientizar os profissionais do sexo a buscarem a inscrição. O resultado foi
o aumento do número de cadastros: dos 1.688 feitos até o fim de 2013, 978 foram
regularizados naquele período.
São Paulo, Maranhão e Pernambuco lideram, nessa ordem, a
quantidade de registros. “Ficamos maravilhados com o resultado do nosso
trabalho”, conta Maria de Jesus Costa, presidente da Associação de
Profissionais do Sexo do Maranhão, que representa cerca de 1,1 mil pessoas.
Desde 2002, o estado fez 478 registros. Contudo, Maria de Jesus relata que a
rotina de trabalho dificulta a busca pela inscrição. Segundo ela, postos de gasolina
em estradas maranhenses servem de ponto para mulheres que se prostituem apenas
aos fins de semana, e viagens de um estado a outro dificultam estimar quantas
pessoas estão envolvidas com este tipo de trabalho.
Fonte: Estado de Minas
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