Philomena é uma obra extraordinária. Vamos por partes: tem
uma história extraordinária, sobre uma mulher extraordinária, representada por
uma atriz extraordinária.
por Graça Canto Moniz
Podia ficar por aqui,
mas não faria jus à obra. Assim, peço perdão, mas Judi Dench não é uma
simplória actriz. Judi Dench é uma Lady, um título que, certamente, seria
atribuído a Eusébio se António José Seguro fosse o nosso monarca. Claro que
adaptado ao género, com certeza, seria Sir e não Lady. Mas, tem razão caro
leitor, falta-lhes o pedigree. A quem? Bem, fiquemos por aqui… Por falar em
Eusébio, ainda alguém se lembra dele? Ou onde estava no dia do Portugal –
Coreia? A euforia foi só mesmo no momento de enterrar Sir Eusébio? Falemos de
coisas sérias: este texto é sobre Philomena.
Stuart Hall, jamaicano intelectual infiltrado entre os
intelectuais da esquerda britânica, fosse a nossa esquerda como a de sua majestade
e Seguro… Volto a Stuart Hall, autor do termo “Thatcherism” que perguntava a um
jornalista da New Statesman, “what’s happened to Englishness?” Caro Stuart,
encontrei-a. Englishness, britishness, “potato, patato”, nacionalismos à parte:
Philomena é uma amostra cultural desse conceito largamente vago. Apesar do
toque Irlandês de Philomena, Coogan é um típico “bife”, na ironia e no tom
mordaz.
É neste tipo de filmes, baseados em episódios reais, que o
cinema de terras de Sua Majestade, qual Sir Eusébio, dá dez a zero a Hollywood.
Philomena, realizado por Stephen Frears (Ligações Perigosas (1988), Alta
Fidelidade (2000) e A Rainha (2006)), conta a história de Philomena Lee, uma
sobrevivente de um asilo católico (haverá ideia mais vitoriana?), gerido pelas
Irmãs de Madalena que, para punir jovens mães solteiras “pecadoras”, vendiam os
seus rebentos a Americanos. O abuso físico e emocional sádico que aquelas
meninas sofreram, como vítimas de retidão moral imposta, é retratado no filme
dirigido por Peter Mullan, The Magdalene Sisters (2002). Aconselho. Philomena
Lee é uma dessas vítimas que passou 50 anos à procura do filho e agora é
ajudada por um jornalista (Steve Coogan) que procura desesperadamente uma
“história de interesse humano” (enorme cacetada na voracidade dos media).
Mas Philomena não é uma história sobre vingança, nada disso,
até porque o tema central do filme é o perdão. A serenidade da fé de Philomena
Lee, apesar do tratamento inumano das ditas Madalenas, e a sua capacidade de
perdoar (perante a incapacidade de Martin) é a lição de moralidade que Frears
nos ensina. Do início ao fim do filme há esta dicotomia, há um contraste
agridoce entre o espírito das duas personagens, uma interação entre os dois que
é o músculo da narrativa e que torna as conversas entre ambos verdadeiramente
engraçadas e pitorescas: Martin (Coogan) é um cínico, um ressentido, um snob,
um ateu devoto; Philomena é uma senhora humilde, inocente, resignada, com uma
postura idílica da vida e profundamente Católica. Água vs azeite, portanto. No
fundo é um encontro improvável que torna todos os demais desencontros da vida
menores ou, pelo menos, menoriza a sua importância. Num mundo diferente, num
filme diferente, estas duas pessoas nunca se encontrariam.
O trabalho de Frears é notável sobretudo por contar uma
história tão complexa, tão trágica, tão real e tão dura, com um toque brutal de
redenção de Philomena (quase chocante para um espectador mais frágil a
provocações religiosas), de uma forma tão simples: ainda que extremamente
emocional sem a piroseira e a pieguice do costume.
Se ainda não viu Philomena, senhor leitor, prepare-se: vai
rir, chorar e haverá alturas em que irá misturar lágrimas com gargalhadas.
Fonte: www.ruadireita.pt
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