Têm idades diferentes mas histórias comuns. Todas entraram
na prostituição como último recurso. Sustentam famílias e põem os filhos a
estudar. Sair é o desejo de quase todas. Mantêm a capacidade de sonhar, só que
os sonhos vão sendo adiados. Se parece fácil entrar, complicado é deixar a vida.
Muitas mulheres encontram na prostituição uma forma de
sustento. Poucas vêem o trabalho como carreira e encaram as ruas com orgulho. A
maioria diz que entrou na vida, porque não tinha como ganhar dinheiro de outra
forma. O Novo Jornal acompanhou a rotina de três mulheres que vendem o corpo.
Nenhuma quis ser identificada para que os que lhes são próximos não descubram o
que fazem. A história de cada uma delas é desfiada sob uma identidade falsa.
O ponto de encontro foi a feira de Cacuaco (mais conhecida
por mercado do divórcio). Pouco passava das 17h00, quando a equipa de
reportagem chegou. Sandra, Marisa e Dina já estavam à espera junto às bombas da
Sonangol, um dos principais pontos de prostituição de Cacuaco.
As três mulheres vivem naquele município, uma no bairro do
Paraíso e duas no bairro da Pedreira.
Sandra é uma mulher de estatura média, magra e de cabelos
longos. Tem 43 anos, é casada e mãe de cinco filhos. Prostituta há 13 anos,
entrou neste mundo por falta de oportunidades de emprego.
"Entrei na prostituição como se fosse uma brincadeira,
quando engravidei do terceiro filho, aos 30 anos. Tinha uma amiga que, na
altura, era prostituta. Depois de ver as necessidades que enfrentava,
convidou-me a fazer parte do grupo dela, composto por sete jovens. Desde aquela
altura nunca mais parei", lembra.
A mulher, que vive no bairro da Pedreira com o marido e os
cinco filhos, confessa que conseguiu adquirir a residência onde a família vive
com o dinheiro da prostituição. O que recebe dá ainda para pôr os filhos a
estudar. "Formei os dois filhos mais velhos com o dinheiro da prostituição
e estou orgulhosa disso. Sei que o que faço ao meu marido não é certo, mas ele
não tinha como me sustentar, nem aos filhos. Foi a única saída que encontrei",
justifica-se Sandra.
Desde que estão juntos, o marido nunca trabalhou e ela
também não tem profissão. "Sei que vender o corpo não é correcto, mas
nunca trabalhei, não sei fazer nada", admite esta avó de três netos.
O MARIDO NÃO SABE
Ao início, Sandra fazia programas à noite, vivia no distrito
do Rangel e movimentava-se melhor. Agora é difícil, porque a distância não
ajuda.
"No princípio, fazia programa à noite, ficava junto ao
Banco Nacional, no Eixo Viário, ao Hotel Trópico. Eram os sítios onde mais
ficava. Hoje tem sido muito difícil por causa da distância. Sair de Cacuaco
para lá não é fácil", explica. Apesar de vender o corpo há quase década e
meia, Sandra garante que o marido não sabe que é prostituta. "Nos anos
anteriores, quando saía de noite, inventava qualquer história para poder sair.
Muitas vezes, quando via que ele estava desconfiado, procurava briga para ficar
algumas semanas na casa da minha mãe, porque lá tinha liberdade para sair
quando quisesse".
Actualmente, a tarefa está mais dificultada por causa da
longa distância que tem de percorrer até aos pontos de prostituição, o que
obriga esta trabalhadora do sexo a limitar-se ao período diurno. "Hoje
faço em pleno dia e, por outro lado, também já tenho clientes fixos. Nas
semanas em que os clientes fixos não aparecem, venho para aqui onde nos
encontrámos", relata, acrescentando que, nos 13 anos que leva de
prostituição, o marido nunca a apanhou.
Sandra garante que tem respeito pelo esposo e que todos os
filhos são dele. Quando começou a prostituir-se, mentiu ao marido, dizendo-lhe
que trabalhava como empregada doméstica no bairro de S. Paulo, num restaurante.
Para credibilizar a sua história, apresentou algumas senhoras como sendo
colegas de serviço.
"Hoje eu encaro a prostituição como uma profissão, porque
foi com este trabalho que eu consegui formar os meus filhos e estou a criar os
outros filhos e netos. O importante é que respeito o meu marido. As pessoas não
me julgam porque só eu é que sei o que já passei para entrar nessa vida. É duro
em quatro horas deitar-me com homens diferentes, mas a vida obrigou-me a
isso".
PRESERVATIVO: SIM OU NÃO?
Apesar de vender o corpo, Sandra não bebe bebidas
alcoólicas, nem fuma. Quando trabalha, faz o serviço e segue caminho. Não tem
emoção, nem procura estimulantes. É um trabalho como outro qualquer. Tenta
fazer sexo seguro, mas nem sempre isso é possível. Muitos clientes não aceitam
o preservativo e ela tem de subjugar-se à vontade dos que lhe pagam.
"Fico muitas vezes preocupada com as doenças
sexualmente transmissíveis, porque tenho relações sexuais com outros homens e
com o meu marido, que é inocente porque não sabe da vida que levo. Mas tenho
feito sempre testes, de dois em dois meses. Graças a Deus, não tenho
nada", declara.
A conversa com as três mulheres decorreu na residência de
Sandra, uma casa com cinco quartos, duas salas, quatro casas de banho e um
anexo.
Marisa é amiga de Sandra. Tem 40 anos e três filhos. Conta
que entrou no mundo da prostituição há mais de dez anos, por convite de uma
prima, hoje com 47 anos, que também é prostituta.
"Vim parar à prostituição porque fui abandonada pelos
meus pais, quando engravidei da minha primeira filha. Desde aquela altura, a
minha vida é esta. Já sofri muito. A primeira vez que fui para a rua estava
grávida de quatro meses, foi difícil. A culpa pela vida que levo é dos meus
pais", sentencia sem pejo, responsabilizando os progenitores pelo seu
infortúnio.
Questionada se com o dinheiro que ganha consegue sustentar a
família, Marisa revela que alguns homens pagam pouco, mas não nega nenhum
cliente, porque precisa manter a casa. O que a preocupa na realidade são os
perigos que espreitam nesta profissão. "Entramos em carros sem medo e com
destino incerto e, às vezes, somos espancadas e não nos pagam, mas é a
vida!", exclama a mulher, que não se contém e começa a chorar.
Marisa é defensora da legalização da prostituição para
evitar que menores se prostituam. Há muitas crianças na rua de 13, 14, 15 e 16
anos. "Se a prostituição fosse legalizada, essas meninas não estariam na
rua. É necessário que o Estado veja essa situação. Se isso continuar, vamos
perder muitas vidas, porque muitas dessas meninas não usam preservativo. Muitas
delas já fazem uso do álcool e de drogas e a pessoa nesse estado não consegue
controlar se o parceiro usa ou não o preservativo", alerta.
ACUSADA DE ROUBO
Esta mãe solteira que deu à luz três filhos já esteve presa
porque um dos clientes a acusou de roubo. Este e outros episódios deixaram
marcas, difíceis de esquecer. Marisa não gosta do que faz e confessa que quer
arranjar um emprego "normal". Contudo, do desejo à realidade vai uma
grande distância e está consciência que não tem "outro modo de vida".
Alguns membros da família sabem o que faz e, apesar de terem sofrido muito no
início, "todos acabaram por se conformar".
Marisa fala abertamente sobre os perigos da prostituição e
espera que o seu exemplo sirva para abrir os olhos a outras mulheres. "Uma
vez, um cliente, que é quadro da polícia da divisão do Sambizanga, apontou-me a
pistola à cabeça dentro do quarto porque queria fazer sexo sem camisinha e eu
não deixei. Aquele foi o pior dia da minha vida. Ele bateu-me tanto que fiquei três
semanas em casa e ainda por cima acusou-me de roubo", relata.
Avó de quatro netos, o seu maior desejo é sair da rua para
que os netos um dia possam conhecer uma avó diferente. Após uma década de
prostituição, Marisa não tem ninguém com quem partilhar a cama, arriscando-se a
envelhecer sozinha. Não tem marido, os dois filhos mais velhos estão
desempregados e a nora também.
Ao contrário de outras profissionais do sexo com quem o Novo
Jornal falou, diz que só no princípio da actividade fez sexo sem usar o preservativo.
Hoje não condescende. "Não faço relações sexuais sem a utilização de
preservativo".
Questionada se engravidou dos três filhos na prostituição,
Marisa responde que sim. "Só conheço o pai da primeira filha, os outros
foi mesmo na prostituição. O difícil para mim foi quando os meus filhos eram
pequenos e perguntavam: "Mamã, onde é que está o papá?" Eu apenas
chorava, porque não sabia o que responder. A mulher sabe sempre quem é o pai,
mas não sei como é que vou chegar ao pé de um homem que sabe que sou prostituta
e dizer-lhe que estou grávida. É ridículo. Então, eles são só meus
filhos".
SONHOS ADIADOS
Apesar das vidas que levam estas mulheres mantém a
capacidade de sonhar. Os sonhos são sempre adiados à espera de dias melhores.
Como o de Marisa, que confessa, em tom tímido: "Se pudesse sair da rua,
gostaria de cumprir o sonho de ser médica".
Como uma estatura alta e curvilínea, Dina é a mais nova do
grupo das três mulheres. Aos 24 anos, a jovem carrega na maquilhagem. Olhos
contornados por um lápis preto, nunca perde o sorriso, nem mesmo quando relata
o abandono que sofreu por parte dos pais, quando engravidou, aos 15 anos, do
primeiro filho.
"Fui para a rua porque não tinha outra saída. A minha
mãe é muito rigorosa e, quando se apercebeu que eu estava grávida, mandou-me
sair de casa. Já antes havia feito o mesmo à minha irmã mais velha, que também
é trabalhadora do sexo. Ela estava grávida de seis meses e eu de dois e não
sabíamos o que fazer. A única saída que encontrámos foi a rua, onde estamos até
hoje", revelou.
Assim como Dina, inúmeras mulheres vendem o corpo para
sustentar filhos e netos, no mercado do divórcio, em Cacuaco. Alguns dos
motivos repetem-se: A dificuldade em encontrar emprego, a idade avançada, a
origem humilde e traumas provocados pela violência doméstica construíram um
muro entre elas e a sociedade. Aprisionadas a uma vida de sofrimento, mesmo que
consigam ganhar muito dinheiro, como Dina que, num único dia, consegue reunir
entre 20 a 30 mil kwanzas.
CLIENTES DE TODAS AS IDADES
Os clientes não têm idade certa. Há homens de todas as
faixas etárias. "Ainda na semana passada, apareceu aqui um jovem, de 17
anos, que disse que queria saber usar as mãos na cama para impressionar a
namorada. No local onde ele me levou, tinha um filme pornográfico, assistimos
juntos e fiz o que ele queria. Ligou-me ainda hoje a dizer que queria estar
mais comigo", conta a jovem.
A maioria dos clientes é jovem. Têm à volta de 18 anos, são
atraídos pelo desprendimento e experiência que a idade pode oferecer.
"Eles falam que as namoradas e, muitas vezes, as mulheres em casa são
cheias de frescura. Cheias de não toca aqui ou não pega ali ou ainda não faz
isso. É isso que faz com que muitos homens vão para a rua procurar o que não
têm em casa, porque connosco eles podem fazer loucuras", teoriza.
Após duas horas de conversa e um jantar de carne seca com
funje, a equipa do Novo Jornal saí da residência de Sandra. Do bairro da
Pedreira até à zona do mercado do divórcio são 30 minutos, à chegada o relógio
marca 19h30. A esta hora, já há muitas mulheres à beira da estrada e algumas
dentro do mercado. Umas entram no carro dos clientes e nos bancos detrás fazem
sexo.
As prostitutas pagam aos guardas e aos polícias para as
deixarem sossegadas. "São eles quem toma conta da gente. Aqui é só pagar à
polícia ou ao guarda e está tudo resolvido", garantem.
O que mais chama a atenção da equipa de reportagem é o facto
de as cenas de sexo acontecerem a escassos metros da Administração Municipal de
Cacuaco e da divisão de Polícia do município. A actividade dá má fama ao local.
As vendedoras não se conformam. Reclamam, mas ninguém as ouve.
Maria Inácia, vendedora do mercado, conta que, a partir das
19h00, toda a mulher que passa junto do mercado é confundida com uma
prostituta. "Só passaste e todos os homens chamam-te, pensando que você
também é prostituta, é muito chato. A administradora de Cacuaco e o comandante
sabem dessa situação e nada fazem. A casa da administradora é aqui perto, não
sei porque é que não fazem nada. É necessário que se veja essa situação",
clama.
Outra preocupação apresentada pelos vendedores é a
quantidade de preservativos usados que todos os dias encontram quando chegam de
manhã ao mercado. "Sabemos que esses preservativos espalhados no chão
podem trazer muitas doenças. Se a polícia tomar medidas e proibir estas
mulheres de se prostituírem aqui, fica claro que as coisas vão melhorar.
Estamos cansadas disto. Já se escreveu uma carta à administradora, mas nada foi
feito", lamenta uma das mulheres que vende no mercado.
Fonte: Novo Jornal
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