O recentemente falecido P. Libanio,
sempre demostrou um fazer teológico
e pastoral baseado na compaixão e na generosidade, preocupado sempre pelos
graves problemas sociais que afligem à humanidade. Em muitas ocasiões se
pronunciou contra a mercantilização dos
corpos e o abuso sexual de crianças e adolescentes. Publicamos agora um desses
artigos em homenagem ao saudoso professor e teólogo.
Jesus marcava as pessoas por jogo paradoxal de atitudes.
Guardava certa imprevisibilidade que, no fundo, remontava ao mistério último da
origem divina. Em vários momentos, os discípulos, que conviviam com ele no
cotidiano e, de certo modo, se tinham acostumado com ele, foram tomados de
surpresa e até de estupor. "Vendo-o caminhar sobre o mar, os discípulos
ficaram apavorados" (Mt 14, 26). Ao serenar a tempestade, foram colhidos
de pavor e se maravilharam (Lc 8, 25). Ora o sentiam tão perto que o tocavam, o
comprimiam no meio da multidão. Ora o viam muito longe, envolto pela aura
divina e se afastavam cheios de medo.
Outro paradoxo de Jesus nos surpreende até hoje. Mostra
infinita misericórdia e ternura. Os escribas e os fariseus levam até ele uma
mulher surpreendida em adultério e esperam dele que cumpra a lei de Moisés de
mandar apedrejá-la. E eis que a cena termina com o perdão generoso de Jesus e a
retirada envergonhada dos adversários (Jo 8, 3-11). E multiplicam-se as cenas
de bondade de Jesus. Por outro lado, tem discursos virulentos contra a
hipocrisia dos fariseus. Olha-os irados pela dureza de seus corações.
Esse mesma atitude se repete em relação às crianças. Tudo
são surpresas. Na cultura e no tempo de Jesus, as crianças não contavam.
Ninguém as respeitava. Enxotavam-nas como bichinhos incômodos. Não se lhes
vinha em defesa. E Jesus?
Mais uma vez, o paradoxo. "Pessoas traziam a Jesus as
crianças de colo para que ele as tocasse. Os apóstolos as repreendiam. Mas ele
chamou para junto de si as criancinhas, dizendo: "Deixai vir a mim as
crianças, não as impeçais, pois o Reino de Deus pertence aos que são como elas".
Em verdade, eu vos declaro, quem não acolhe o Reino de Deus como uma criança
nele não entrará" (Lc 18, 16s). Cena semelhança narra-nos Marcos. Jesus
toma uma criança, coloca-a no meio dos discípulos e, de depois de a ter
abraçado, disse-lhes: "Quem acolhe em meu nome uma criança como esta
acolhe a mim mesmo: e quem me acolhe, não é a mim que acolhe, mas Àquele que me
enviou" (Mc 9, 36s).
As duas cenas falam por si só. Jesus quebra a tradição do
tempo duplamente. Recebe, abraça as crianças com ternura e não as expulsa, como
os discípulos, expressão simples e popular da cultura da época. Vai mais longe.
Relaciona-as com o Reino de Deus. Fazer-se como elas é condição de entrada no
Reino. Mais: identifica-se com elas de modo que quem cuida delas é dele mesmo e
do Pai que o faz. Este é o lado luminoso do ensinamento de Jesus.
O reverso se faz pesado. E quem escandaliza, põe tropeço
físico, moral ou espiritual no caminho de uma criança para que caia? O Mestre
responde: "é preferível para ele que lhe amarrem ao pescoço uma grande mó
e o precipitem no abismo do mar. Desgraçado do mundo que causa tantos
escândalos! Decerto, é necessário que haja escândalos, mas ai do homem por quem
acontece o escândalo" (Mt 18, 6-7).
Posição cortante. Voltemos o olhar para a situação atual.
Avançamos muito. Existe o Estatuto do Menor e do Adolescente que os protege
contra as arbitrariedades de adultos e da sociedade. No entanto, a perversidade
humana consegue artifícios maldosos. Ora ludibria a lei. Simplesmente a
infringe promovendo a prostituição infantil. É o cáften que mantém prostíbulos
com menores. Mais perverso ainda quem com elas trafica não só no interior do
país e até mesmo para fora. Crime monstruoso que se aninhou no coração de
malvados gananciosos.
Muitos menores são introduzidos nesse mundo pelo descuido
das famílias que os abandonam ou ficam à espera de algum dinheiro para
cobrir-lhes a miséria
Engana-se quem reduz o problema à questão meramente
sexualmente. O sexo entra como engodo, como lubrificante de máquina cruel que
funciona no sistema e na cultura da exploração, da injustiça social, da má
distribuição de rendas. Cansamos de repetir o mesmo discurso. Nem por isso
vislumbram-se no horizonte soluções por parte da sociedade e do Estado.
Outros vão mais longe. Aproveitam do Estatuto do Menor para
arquitetar as perversidades; põem o menor na linha de frente do crime,
escondendo-se por trás. Como ele não pode ser preso, assim os criminosos
escapam do peso da lei. Triste paradoxo! Se não se defende o menor, ele é
explorado. Se ele é protegido pela lei, outros usam tal proteção para planejar
os delitos.
Não basta que nos atiremos ao rio para salvar a quantidade
de menores que estão a afogar-se no mundo da prostituição. Enquanto salvamos
alguns, outros são aí lançados. Vamos percorrer a margem do rio para descobrir
quem são os que os jogam nesse mundo. Primeiro passo fundamental. E impõe-se
ainda pergunta ulterior: que os levou a tal crime? Enquanto não tocarmos as
causas profundas, as águas barrentas do crime continuarão arrastando para a
voragem da prostituição uma infância que não conheceu as alegrias puras do
amor, da alegria, dos inocentes brinquedos infantis. São crianças que nascem
adultas para dentro de relações sexuais que as corrompem bem cedo.
Fonte: Dom Total
Nenhum comentário:
Postar um comentário