Prostitutas que atuam em Porto Alegre e na Região
Metropolitana deram início, no final do ano passado, a um processo de
organização da categoria em torno de uma entidade que possibilite a realização
de ações concretas e debates presenciais sobre a profissão, além da
interlocução com esferas de governo para cobrança por políticas públicas. Em
dezembro de 2013, essa entidade foi batizada de Núcleo de Debate e Apoio a
Trabalhadoras Sexuais.
Entre a noite do dia 16 e a madrugada do dia 17 do mesmo mês
– data que marca o Dia Internacional de Combate à Violência contra
Trabalhadoras Sexuais – ocorreu a primeira ação de rua do grupo. Prostitutas e
apoiadores da categoria percorreram alguns pontos da cidade – como a Avenida
Farrapos e a Galeria Malcon – para colar cartazes exigindo o fim do preconceito
contra as profissionais do sexo. Além disso, neste ato as integrantes do Núcleo
também dialogaram com colegas, clientes e transeuntes a respeito da profissão.
Monique Prada, uma das articuladoras da entidade, afirma que
“o Núcleo surgiu da necessidade de levar para o ‘mundo real’ discussões que já
vínhamos tendo através das redes sociais há algum tempo, e partir para ações
mais efetivas”. Apesar de a iniciativa ter surgido no Rio Grande do Sul, ela
diz que já está em contato com ativistas de outros estados e pretende integrar
os debates da nova organização a outras já existentes, como, por exemplo, o
Núcleo de Estudos da Prostituição (NEP), de Porto Alegre.
Monique relata que, durante a ação de rua realizada em
dezembro, “foi emocionante ver as pessoas parando para ler nossos cartazes,
pensando a respeito, nos abordando para falar sobre o assunto”. Para Bianca
Vaz, que trabalha em Canoas e também é uma das articuladoras do Núcleo, o ato
foi importante para “divulgar, apoiar e mostrar que, independentemente de como
trabalhamos – local, valores e clientes -, a violência existe e o preconceito
está em todos os lugares”.
Dentre as pautas que o Núcleo pretende debater com a
categoria, Monique destaca: “qualificação profissional dentro da área em que
atuamos, combate ao preconceito e às violências simbólicas e concretas
presentes em nossas rotinas, esclarecimento sobre como a lei Maria da Penha
pode nos proteger enquanto mulheres e enquanto profissionais, estratégias e
formação para quem deseja abandonar a atividade sem perder rendimentos, saúde
física e psicológica, aspectos legais de nosso trabalho, (re)inserção na
sociedade, autoestima e percepção de si mesmas como cidadãs”. Ela considera
que, junto ao poder público, a categoria deve pautar o acesso a creches
noturnas, qualificação, segurança, acesso facilitado a consultas ginecológicas
e atendimento psiquiátrico e psicológico.
Bianca entende que o Núcleo pode possibilitar a criação de
uma rede segura de troca de informações entre as profissionais do sexo. Além
disso, ela acredita que é necessário uma estrutura que ofereça “orientação e
auxílio jurídico para o assédio e a violência indireta que sofremos
desinformadamente e para agressões físicas também”.
Canoas oferece cursos de línguas estrangeiras para
atendimentos durante a Copa do Mundo
Em Canoas, a prefeitura da cidade já articula algumas das
demandas expostas por profissionais do sexo. Em parceria com o governo federal,
através do Pronatec, está sendo oferecido um curso de qualificação como
cabeleireiras a integrantes da população LGBT e a prostitutas. Além disso, a
Coordenadoria de Políticas de Diversidade da prefeitura disponibiliza, através
de um convênio com a SECOPA do município e verbas do Pronatec Copa, do
Ministério do Turismo, pelo menos 100 vagas para cursos de inglês e de
espanhol. O objetivo é qualificar as prostitutas para atendimentos a turistas
durante a Copa do Mundo deste ano.
Monique Prada, uma das articuladoras do Núcleo, afirma que é
preciso dar escolha às prostitutas que desejam deixar a atividade e dar
dignidade a quem deseja permanecer | Foto: Divulgação/Monique Prada
Jorge Martins Filho, diretor da Coordenadoria, informa que,
através do cadastro que o órgão realiza, verificou-se que existem cerca de 35
casas de massagem em Canoas, quatro boates que trabalham com prostituas e pelo
menos 94 mulheres que realizam atendimento nas ruas – além de pelo menos 30
mulheres transexuais e travestis que também trabalham como prostitutas.
Entretanto, ele afirma que a procura pelo curso de cabeleireira não está sendo
significativa – tanto que as inscrições foram prorrogadas para até o final
deste mês.
Ele considera que muitas prostitutas têm receio de se
inscrever no curso por conta do sigilo que eventualmente mantêm em torno da
profissão. Além disso, afirma que muitas desejam se qualificar em outras áreas.
“Algumas buscam cursos na área de secretariado bilíngue ou da informática”,
comenta.
Bianca Vaz, que irá fazer o curso de inglês oferecido pela
prefeitura, acredita que as dificuldades de a categoria se reunir existam em
função das características da profissão, que exige muito tempo disponível por
parte das trabalhadoras. “Trabalhamos todas em diferentes horários, não
possuímos total planejamento, já que trabalhamos quando o telefone chama.
Assim, fica difícil que todas – ou grande parte do pequeno grupo interessado em
buscar juntas por mudanças – se encontrem em certo horário e determinado
local”, resume.
Monique Prada aponta que “as profissionais normalmente estão
bastante envolvidas em seu trabalho e, por outro lado, talvez ainda não vejam
possibilidade ou importância de lutar por seus direitos como classe”. Ela
observa que essa resistência “tem sido vencida aos poucos”, mas que “é uma luta
ainda em estágio inicial”.
A articuladora do Núcleo de Debate e Apoio a Trabalhadoras
Sexuais entende que “existe um mito de que todas as trabalhadoras estão
descontentes com a atividade e que apenas esperam uma oportunidade em outra
área”. Para ela, é preciso dar escolha às prostitutas que desejam deixar a
atividade e dar dignidade a quem deseja permanecer. “A compreensão pelo poder
público dessa realidade é uma das primeiras lutas do Núcleo”, pontua.
Monique informa que está em contato com a Secretaria Estadual
de Políticas para Mulheres para tratar da abertura de cursos de idiomas para
prostitutas também em Porto Alegre. Recentemente, durante participação em um
evento promovido pelo gabinete do governador Tarso Genro e pela Secretaria de
Políticas para Mulheres, Monique defendeu que as prostitutas – assim como
outras categorias, como os taxistas, por exemplo – têm direito a ganhar
dinheiro com a Copa do Mundo. Neste sentido, ela fez uma distinção entre o
turismo sexual praticado por adultos, mediante consentimento das partes
envolvidas, e a exploração sexual. “Apoiamos o turismo sexual, somos contrárias
à exploração sexual”, disse na ocasião.
Páginas no Facebook divulgam informações e ajudam na
articulação da categoria
Criada em setembro de 2013, a página Mundo Invisível surgiu
em paralelo à ideia de organização do Núcleo de Debate e Apoio a Trabalhadoras
Sexuais e difunde informações de interesse da categoria. No mesmo período, foi
criada também a comunidade Red Umbrella Brasil, com a permissão da organização
holandesa Red Umbrella, que apoia iniciativas de luta pelos direitos das
prostituas em todo o mundo.
Jornalista Renato Martins colabora no abastecimento de duas
páginas no Facebook que divulgam informações relacionadas a direitos das
profissionais do sexo | Foto: Divulgação/Monique Prada
Apoiador e militante destas iniciativas, o jornalista
paulista Renato Martins conta que começou a se envolver com a causa após ter
participado da Marcha das Vadias realizada em 2012 na cidade de São Paulo.
“Passei a notar que, se as mulheres em geral são vítimas de uma série de
opressões, as prostitutas são duplamente oprimidas”, comenta.
Ele lamenta, por exemplo, uma posição recente expressa de
forma oficial pela setorial de mulheres da CUT nacional, que se manifestou de
forma contrária ao projeto de lei que tramita no Congresso – de autoria do
deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RS) – que regulamenta as casas de
prostituição. “A posição das senhoras da CUT não é política, é moral. Estão alienando
toda uma categoria profissional”, critica.
Renato atualiza as páginas do Red Umbrella Brasil e do Mundo
Invisível no Facebook, traduzindo os materiais divulgados para o inglês ou
traduzindo conteúdos em inglês para português. Ele informa que a intenção é que
seja criado um site para produzir conteúdos sintonizados com a defesa dos
direitos das prostitutas, mas o projeto ainda precisa de apoiadores.
Fonte: (Samir Oliveira) Sul 21
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