"Então, se Deus se define essencialmente pelo amor aos
outros, seja ele quem for, isso quer dizer que Deus não sabe, nem quer e nem
pode fazer outra coisa que não seja amar e fazer os seres humanos felizes”,
escreve o teólogo José Maria Castillo, em seu blog Teología sin Censura.
Há alguns dias escutam-se os comentários (que pairam entre a
indignação e o escândalo) sobre a afirmação recente de um pároco da pequena
cidade de Leon. Ele afirmava tranquilamente que o câncer que acometeu um
conhecido político do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), se trataria
de um “castigo da Providência Divina”, decorrente da condição homossexual do
político em questão.
Para além do disparate advindo de tal afirmação, a
injustificada (e nunca comprovada) opinião deste sacerdote nos leva rapidamente
a enfrentar uma destas perguntas que tocam profundamente os assuntos
religiosos. A pergunta é: Deus pode ser vingativo e punitivo? E, de maneira
mais concreta: o Deus em que nós cristãos cremos, o Deus que nos foi revelado
por Jesus, pode utilizar a vingança e o castigo contra aqueles considerados
pecadores ou indignos, pelo motivo que for? Não quero entrar aqui no julgamento
que pode ser feito por Deus acerca da homossexualidade. Mas, de todo modo,
afirmar que a condição homossexual é uma perversão que merece um castigo divino
e que se traduziria no sofrimento de um câncer, representa um disparate tão
monumental quanto improvável. Por que esse padre acreditaria que Deus
castigaria a homossexualidade com os padecimentos de um câncer?
Todavia este não foi o ponto mais grave das afirmações do
mencionado clérigo da diocese de Leon. O pior foi sua apresentação de Deus como
um justiceiro, vingativo e agente de castigos que nos estremecem de medo. O
Deus que o Evangelho nos ensina, pode ser um Deus vingativo e punitivo?
Nos evangelhos, o termo “castigo” (“dikê”) não chega nem ser
mencionado. E os termos “castigar” ou “vingar-se” aparecem apenas na parábola
da viúva que pede justiça (Lc 18,3ss). É verdade que nos escritos no Paulo
trata-se da vingança de Deus, (2 Tes 1, 8; Rom 12,19s; cf. Dt 32,35. 13).
Entretanto basta saber que, quando Paulo fala de Deus, refere-se ao Deus de
Abraão e as promessas feitas a Abraão (Gl 3, 16-21; Rom 4,2-20) (U. Schnelle,
Paulus. Leben und Denken, Berlin 2003, 56). E, sobretudo, é fundamental que
recordemos que o Deus ao qual Jesus se refere, é o Pai bom, que não faz
distinção entre os bons e os maus, entre justos e injustos (MT 5, 43-48). Além
disto, é o Pai que acolhe ao perdido, sem o repreender ou pedir-lhe
explicações, mas festejando-o, no auge da sua alegria (Lc 15, 11-32). Todavia,
acima de tudo, quando nós cristão falamos de Deus, jamais deveríamos esquecer
que a definição que este Deus nos dá, resume-se ao “o amor” (1 Jn, 4. 16).
Então, se Deus se define essencialmente pelo amor aos outros, seja ele quem
for, isso quer dizer que Deus não sabe, nem quer e nem pode fazer outra coisa
que não seja amar e fazer os seres humanos felizes, como bem observou o
professor A. Torres Queiruga.
Por isto, deveríamos distinguir cuidadosamente que castigar
não é o mesmo que corrigir. O castigo é “um fim em si”, e não tem, nem poderia
ter, como finalidade fazer sofrer. É justamente o oposto de qualquer forma de
bondade e amor. A correção é “um meio” (doloroso ou desagradável) para obter um
fim posterior, que sempre é positivo e alegre. Por isto, os pais corrigem seus
filhos, os professores aos alunos. Jesus não castigou aos fariseus quando os
disse que eram “hipócritas”. Como também não castigou a Pedro, quando o
qualificou de “Satanás!” (Mt 16, 27).
Nestes casos, como em tantos outros, Jesus não atuou como “castigador”, mas sim
alguém que “corrige” e que busca apenas o bem e a felicidades daqueles que
corrige.
Disto já podemos (e devemos) nos perguntar: é compatível a
existência do inferno com a bondade e o amor que define a Deus? Se o inferno,
por definição, é eterno, isso quer dizer o inferno não pode ser um meio para
mais nada. O inferno é último e definitivo. O Deus, que faz e mantém o inferno,
só pode ser definido como um Deus punitivo, um Deus que jamais poderia ser
definido como amor. Além do mais, o Magistério da Igreja nunca definiu, como
dogma de fé, a existência do inferno. O que a Igreja disse é que aquele que
morre em pecado mortal, se condena. Todavia, a mesma Igreja não disse (e nem
poderia dizer) que nenhuma pessoa concreta tenha morrido em pecado mortal.
Digamos assim, com mais lógica e mais humildade, que a linguagem metafórica do
fogo, das trevas e do ranger dos dentes não passam de formas de expressão que
nos falam de um Deus que é justo e que faz justiça. Então, como Ele a faz? Isto
ninguém sabe. E nem pode sabê-lo.
Aceitemos, desta maneira, nossa limitação a tudo que se
refere ao nosso conhecimento acerca do “mais além”. E, por consequência, jamais
utilizemos a Deus ou a eternidade para fomentar o medo e a sujeição de pessoas
aos interesses do poder e da autoridade, das quais profissionais da religião
usam e abusam, e cujo objetivo e a única conquista possível é tornar mais
odiosa e insuportável a causa de Deus.
Fonte: Ihu
Um comentário:
deus não castiga mas também não ajuda...
ele serve pra que mesmo?
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