Adolescentes falam do suicídio das meninas que tiveram
imagens íntimas expostas na internet e revelam como é amadurecer em um mundo em
que o virtual é real.
Fotos estampam sorrisos, olhares e caretas. Meninas posam
para o próprio celular usando maquiagem, unhas feitas, roupas de festa ou mesmo
o uniforme da escola – sozinhas ou acompanhadas dos amigos. Tudo é publicado
nos perfis de redes sociais para ser “curtido” – a forma mais rápida e fugaz de
aprovação online. Cada “like” em um “selfie” (autorretratos feitos com o
celular), gato, comida ou sapato novo é esperado com ansiedade principalmente
por crianças e adolescentes que passam cada vez mais tempo postando e checando
a própria popularidade nas redes sociais. Uma pesquisa à qual a Pública teve
acesso na íntegra em primeira mão, realizada pela ONG Safernet em parceria com
a operadora de telecomunicações GVT – que entrevistou quase 3 mil jovens
brasileiros de 9 a 23 anos – revela que 62% deles está online todos os dias e
80% tem as redes sociais como seu principal objetivo de navegação. Como
acontece no mundo todo, o que prevalece é a autoimagem – não é à toa que
“selfie” foi escolhida como a palavra do ano de 2013 do idioma inglês pelo
dicionário Oxford. De 2012 para 2013, seu uso aumentou 17.000% e a hashtag
#selfie acompanha mais de 58 milhões de fotos na rede social Instagram.
A rotina online de duas garotas que estamparam páginas de
portais, jornais e revistas no último mês não era diferente. Giana Fabi, de
Veranópolis, interior do Rio Grande do Sul, e Julia Rebeca, de Parnaíba,
litoral do Piauí, viviam a maior parte do tempo conectadas. Separadas por mais
de 3,8 mil quilômetros, as meninas de 16 e 17 anos, respectivamente,
acompanhavam ansiosamente a reação online às autoimagens cuidadosamente
construídas que postavam.
“Ela era linda, as fotos dela então…”, é a primeira coisa
que lembra Gabriela Souza, amiga próxima de Giana, sobre as muitas curtidas nas
fotos do perfil da gaúcha no Facebook. Gabriela, que preferiu dar a entrevista
através do bate-papo da rede, lembra que a amiga vivia arrumada, se achava
bonita mas se preocupava com o peso, como a maioria das garotas de sua idade.
Willian Silvestro, de 17 anos, namorado de Giana na época, também comenta sua
beleza: “Ela tinha olhos azuis e gostava de realçar com lápis preto. Era
vaidosa e amava maquiagem”. Os dois estavam juntos havia um mês e todas as
noites se falavam por cerca de duas horas pelo Skype.
Já Julia Rebeca, diz o primo Daniel Aranha, gostava de
pintar as unhas com cores diferentes e mostrá-las nas redes sociais. “Todo dia
era uma nova. Tinha fotos no Facebook em que ela mostrava a unha pintadinha,
desenhada, decorada que ela mesma fazia”. Além das fotos, Giana e Julia
escreviam sobre o dia a dia na escola ou na academia e postavam músicas e fotos das cantoras
preferidas – Miley Cyrus para Julia e Avril Lavigne para Giana. A piauiense fazia curso técnico de enfermagem
e pensava em seguir carreira na área da saúde. Já a gaúcha estava no colegial,
mas sonhava em deixar a pequena Veranópolis, de apenas 22,8 mil habitantes,
para fazer faculdade em Bento Gonçalves ou Caxias do Sul – cidades médias da
região.
A descrição das meninas por amigos e familiares combinam com
as fotos: alegres, extrovertidas, falantes, “adolescentes normais”. Mas em
novembro deste ano, uma foto em que Giana mostrava os seios e um vídeo em que
Julia aparecia fazendo sexo com um rapaz e uma garota foram divulgados através
do aplicativo Whatsapp – usado em celulares – e se espalharam pelas rede com a
velocidade dos escândalos virtuais. Julia se suicidou no dia 10 de novembro e,
quatro dias depois, no dia 14, foi a vez de Giana tirar a própria vida, poucas
horas depois de saber que a foto havia sido compartilhada. As duas deixaram
mensagens de adeus nas redes sociais e se enforcaram.
Adeus pelo Twitter
“Quem divulgou a foto foi um colega da escola que queria
ficar com ela, só que ela não queria ficar com ele”, diz o irmão de Giana,
Jonas Fabi, de 29 anos. Ele supõe que o garoto tenha espalhado a foto por
vingança. “Eu não tenho certeza, mas ouvi comentários de que possa ter sido um
jogo na internet. Tu tá online no Skype com várias pessoas e quem perde tem que
mostrar uma parte do corpo. Aí ela perdeu, mostrou e na hora deram um
printscreen. Ele guardou essa foto como uma carta na manga para chantagear: ela
começou a namorar outro, ele foi lá e fez isso”.
Giana ficou sabendo do que estava acontecendo nas redes por
volta do meio dia de 14 de novembro, quando sua prima ligou e avisou, depois de
receber a foto em seu celular pelo WhatsApp. “Quando eu soube da foto que
estava rolando, liguei pra ver como ela estava. Ela pareceu surpresa,
espantada. Dói dizer isso mas acho que ela não sabia de nada antes” lamenta
Charline Fabi. “Por volta de uma hora da tarde, começamos a conversar por aqui
[Facebook]. Ela dizia que iria fazer uma besteira porque não queria causar
vergonha para a família. Eu não acreditava porque ela nunca havia mencionado
nada desse tipo. Só mandava ela parar de falar aquilo, que as pessoas iriam
esquecer. Mas aí, ela despediu-se de mim dizendo: ‘Eu te amo, obrigada por tudo
amor. Adeus”.
Charline lembra que continuou a ligar para a prima e, como
ela não atendia, ligou para os pais que entraram em contato com os pais de
Giana. Jonas, que morava na casa ao lado, pulou o muro e entrou na residência.
Lá encontrou o corpo da irmã, que tinha se enforcado com um cordão de seda. “Na
hora a adrenalina me segurou de pé. Quando souberam, o pai desabou, a mãe teve
que ir para o hospital, em choque. Depois, quando caiu a ficha pra mim, eu também
não aguentei”, lembra, emocionado, falando baixo pelo telefone.
Às 12h56, Giana postou uma mensagem de despedida no Twitter:
“Hoje de tarde eu dou um jeito nisso. Não vou ser mais estorvo para ninguém”.
Jonas atribui a atitude da irmã ao medo da reação da família. “Ela disse pra
prima que não queria que a família sentisse vergonha e sofresse por um erro
dela. A nossa família é bem conhecida, e a cidade é pequena, meio bocuda,
bastante gente inventa coisas. Às vezes você faz uma coisinha e acabam aumentando.
De repente isso até influenciou, pelo fato das pessoas todas se conhecerem, daí
acaba espalhando rápido.”
“Outras pessoas podem
entender que foram vítimas e não culpadas”
Daniel Aranha, primo da piauiense Julia Rebeca diz que ela
também não falou com a família sobre o vídeo. Ele informou que não pode dar
detalhes, porque o caso ainda está sendo investigado. O que se sabe é que o
corpo de Julia foi encontrado pela família na noite do domingo, dia 10 de
novembro, quando voltaram da igreja evangélica que frequentam. Antes de se
enforcar com o fio da chapinha, ela também tinha se despedido pelo Twitter, com
três posts. “É daqui a pouco que tudo acaba”, “Eu te amo, desculpa eu n [não]
ser a filha perfeita, mas eu tentei. Desculpa desculpa eu te amo muito…” e “E
tô com medo mas acho que é tchau pra sempre”.
Seis horas depois, Daniel deu a notícia pelo microblog. “Aqui é o primo
dela, infelizmente perdemos a Julia Rebeca… Família desolada, por favor não
postem besteiras… Momento difícil”.
Os dois casos estão sendo investigados por delegacias de
polícia locais. O rapaz que divulgou o vídeo de Giana já foi identificado mas
Jonas e a família esperam o resultado da investigação para decidir se vão
processá-lo. Já no Piauí, mesmo sem saber quem compartilhou o vídeo, Daniel diz
que a família espera que a justiça seja feita. “Queremos saber quem fez esse
ato irresponsável e queremos punição. Se for um maior de idade, espero que seja
punido nas medidas cabíveis, se for menor, não tem punição maior que sua
própria consciência. Para ambos, espero que tenham se arrependido e o meu
perdão eles têm.”
Depois dos episódios, as mesmas redes sociais estão sendo
usadas para homenagear as garotas. Jonas mudou sua foto do perfil para a imagem
da irmã, bonita, com um sorriso no rosto. Willian, namorado da gaúcha, também
mantém uma foto abraçado com Giana em seu perfil. Daniel alimenta a página
“Julia Rebeca – Saudades Eternas” com fotos, comentários, passagens bíblicas e
com as músicas preferidas da prima. “É uma forma das pessoas verem nosso amor,
e de todos aqueles que a amam deixarem suas lembranças e mensagens. Outras
pessoas que passaram por isso podem entender que foram vítimas e não culpadas
por fazer algo na sua intimidade”, explica.
Como um sonho ruim
O caso das adolescentes e outros envolvendo mulheres que
também tiveram sua intimidade divulgada na rede ganharam grande repercussão em
todas as mídias e trouxeram à tona o conceito do “pornô de revanche” – tradução
do inglês “revenge porn” – para se referir à prática, cada vez mais comum, de
divulgar fotos e vídeos íntimos sem o consentimento da outra pessoa, geralmente
por parte de um homem para se vingar após um rompimento ou traição. Um machismo que não se restringe àquele que
posta a imagem: afinal, por que um vídeo de sexo ou mesmo uma cena de nudez
parcial destrói a vida de meninas e mulheres e não dos homens, que não raro
aparecem nas imagens?
“Esse tipo de ameaça, ligada à moral sexual e à ideia de que
as meninas são mais expostas a uma avaliação sexual, sempre existiu”, como
lembra a socióloga Heloísa Buarque de Almeida. “O que acontece agora é que como
uma grande parte da sociabilidade é feita de forma virtual, o nível de
exposição é muito maior e isso amplia a sensação de humilhação. Tem algo
inovador na ferramenta mas também tem algo que é mais do mesmo” define a
socióloga.
Se culpar a ferramenta não é a melhor resposta, há algo
definitivamente novo na relação entre intimidade e redes sociais que impacta os
adolescentes de uma forma que a sociedade começa a descobrir. Além da decepção
com a perversidade de quem violou sua intimidade, a superexposição e o
ciberbullying têm um peso muito maior para aqueles que estão em processo de
construção da personalidade e de amadurecimento da visão de mundo. A vida
online se aproxima – e para eles mal se diferencia – da offline, segundo os
especialistas entrevistados pela Pública.
Mais frequente do que
parece
Nessas conversas, muitos disseram já ter trocado fotos
íntimas com amigos, “ficantes” e namorados, todos já haviam recebido conteúdo
sexting e conheciam ao menos um caso de alguém em seu ciclo de amizades que
teve a intimidade divulgada. A já referida pesquisa realizada pela Safernet com
crianças e jovens de 9 a 23 anos confirma essa tendência: as fotos aparecem
como o elemento mais compartilhado na rede por 60% dos entrevistados (veja um
box com mais números e dados exclusivos no fim da matéria). Do total, 20%
admitiram já ter recebido conteúdos de sexting e 6% já ter enviado fotos de si mesmos – em 2009,
apenas 12% relataram ter recebido conteúdo desse tipo segundo a pesquisa. O
estudo mostra também que os que postam para difamar o fazem de forma recorrente:
dos que compartilharam fotos ou vídeos eróticos de alguém contra sua vontade,
63% já o fizeram cinco vezes ou mais.
Para a psicóloga Juliana Cunha, que coordena o Helpline,
canal de atendimento direto a crianças e adolescentes da Safernet que funciona
via chat e e-mail, pais e professores têm que enfrentar o fato de que o sexting
faz parte da nova cultura adolescente, por mais chocante que isso possa
parecer. “Nós adultos não temos um olhar tão próximo dessa geração que cresce
imersa nesse ambiente de interação online. A gente percebe no sexting dois
pontos de vista muito antagônicos: o do adulto, que vê geralmente como uma
superexposição e como uma erotização precoce, e dos adolescentes, que vêm a
troca como código de interação entre eles”.
Juliana conta que é comum, ao começar uma amizade ou paquera
online, os adolescentes ligarem a webcam para se conhecer, mas a troca de
conteúdo erótico costuma acontecer apenas quando eles se sentem confiantes e
íntimos. “Para eles, aquilo é parte das experiências sexuais e de intimidade. E
não há dialogo entre as gerações. Cada uma está falando uma língua” diz. A
comparação que ela usa para abordar o assunto com pais e professores é de que
funciona mais o menos como os jogos sexuais das gerações passadas – a diferença
é que se antes aquilo ficava guardado na memória, hoje pode se espalhar e se perpetuar ao cair na rede.
“Os adolescentes sofrem muito quando isso se dissemina, eles
ficam marcados, falados, pagam um preço muito alto. As meninas que têm a
intimidade exposta são apedrejadas, xingadas, muitas têm que mudar de cidade,
deixar a escola. A gente acha que pode desconectar e está tudo bem mas não é
assim. E o apoio da família é determinante sobre como esse adolescente vai
superar. Eles relatam muito medo de serem julgados e punidos pelos pais. A
escola também precisa intervir e abrir espaços de diálogo porque geralmente
ficam espantadas e perdidas. Escutar sem julgar pode ajudar muito”.
No último ano, apenas nos Estados Unidos, 9 adolescentes
cometeram suicídio supostamente por terem sofrido ciberbullying em uma rede
social chamada Ask.Fm em que alguém faz
uma pergunta de forma anônima e o outro tem que responder, como o jogo da
verdade das gerações passadas. Apesar de não ser muito conhecida pelos adultos,
o Ask.Fm é a terceira rede social mais utilizada pelos adolescentes no Brasil,
atrás apenas do Facebook e do Instagram, segundo Manu Barem, editora do Youpix
– site que discute a cultura da internet e como os jovens se relacionam com
ela.
Manu conta que já sofreu o drama do ciberbullying na pele:
“Ele acaba mesmo com a saúde mental das pessoas. Eu já sofri através do Twitter
e, mesmo tendo 28 anos, aquilo me desestabilizou profundamente. Imagina na vida
de um adolescente que ainda não saiu de casa e não tem as preocupações e raízes
de uma vida independente. Coisas assim têm outra proporção. Fora que é dificil
hoje falar em uma separação entre identidade online e offline. Isso não existe
mais”, diz.
O doutor em ciências sociais e autor do livro “Comunicação e
Identidade: quem você pensa que é?” Luis Mauro Sá Martino, concorda com Manu.
Para ele, “não faz mais sentido a oposição entre ‘mundo digital’ e ‘mundo
real’, apenas entre mundo digital e mundo concreto, físico”. E explica: “O que
a gente chama de realidade é um monte de significados que a gente dá para as
coisas. No mundo digital, virtual, eu também estou dando significado para as
coisas, só que tem o nome de avatar, foto, perfil, link. Nós estamos dentro da
realidade humana, essa realidade se manifesta de muitas formas e uma delas é o
ciberespaço. Ele só é diferente do espaço físico por uma questão de
tecnologia”, diz Sá Martino.
Juliana acrescenta que o mecanismo de relação nas redes
sociais é mesmo pautado pela reputação: “Existe uma competição curiosa, em
busca dessa audiência, quem tem mais views, as interações online têm essa
lógica. Aí você gerencia o tempo todo isso, a percepção que os outros têm de
você. E se você percebe que esse ‘eu’ do adolescente está tão capturado pela
reputação online, quando isso de alguma forma se abala, vale a pena viver?”
Suicídio por
ciberbullying?
A perseguição social – que sempre se manifestou contra a
sexualidade das mulheres – se mostra especialmente aguda, porém, no espaço
virtual em que nada se apaga, nada se estanca e nada se restringe. O bullying,
comportamento comum na adolescência, pode desestruturar completamente a vítima,
como mostram os posts dramáticos das adolescentes brasileiras que se mataram.
Para o psiquiatra e autor do livro “O Suicídio e sua Prevenção”,
José Manoel Bertolote, não se pode determinar, porém, o bullying como causa
única de um suicídio. Ele explica que 85% dos adolescentes que tiram a própria
vida têm um transtorno psiquiátrico na ocasião, o que é chamado de fator
predisponente. “Quando a ele se junta um fator precipitante, pode se
desencadear o processo suicida”. Aí entraria o fator ciberbullying. “[O
psicólogo Bruno] Bettelhein postulou [no livro A Psicanálise dos Contos de
Fada] que uma das funções das fábulas e contos de fada era preparar as crianças
para a vida adulta através de símbolos. A era eletrônica mudou a forma como as
crianças veem o mundo: dos videogames, às redes sociais e aos reality shows
vivem num mundo paralelo, ao mesmo tempo voyeurs e exibicionistas, num tempo ilusório,
num espaço distorcido e numa realidade artificial”, diz.
O psiquiatra também não descarta a possibilidade de que, no
caso das meninas brasileiras, um suicídio tenha influenciado o outro: “Não é
impossível. É bem conhecido o ‘efeito Werther’, de imitação de comportamentos
suicidas. Em geral, há um determinado pool de pessoas com alto rico de suicídio
(pela existência de fatores predisponentes) e, para elas, a informação sobre um
caso de suicídio (ou tentativa) pode ser o fator precipitante que faz transbordar
o copo d’água. Não é por nada que a OMS recomenda o comportamento adequado da
mídia como um das formas eficazes de prevenção dos comportamentos suicidas”.
Em uma palestra sobre o tema, o pós-doutor pela Universidade
de Londres e doutor em Saúde Mental pela Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), Neury Botega, também explicou que muitos fatores se combinam no
suicídio. “Nunca é apenas um motivo. Há causas genéticas e biológicas, o grau
de impulsividade e agressividade, abusos físicos ou sexuais, disponibilidade de
meios letais, entre outros. Há pesquisas
que demonstram que até o perfeccionismo está associado ao suicídio,
especialmente de adolescentes”, disse.
Recentemente, a equipe do Facebook, se dizendo preocupada
com mensagens suicidas postadas na rede, lançou uma ferramenta que identifica
conteúdos suspeitos, manda um e-mail e oferece um link para uma conversa
privada com um especialista. A ferramenta está disponível apenas para os
Estados Unidos e Canadá mas deve ser liberada para outros países em breve.
Botão Prozac de
curtir
“Eu já vi uma menina que tava, tipo, feliz numa balada e
quando viu uma postagem de um carinha no Facebook ficou brava, triste, surtou,
mudou o humor dela completamente. Assim como quando o menino que eu gosto curte
a minha foto me dá uma alegria tão grande que eu tenho vontade de abraçar a
minha família! Isso não é normal né? Ficar tão feliz com uma coisa assim”,
disse Maria, de 16 anos, durante uma das rodas de conversa. Todos eles, meninos
e meninas admitiram se importar exageradamente com curtidas que ganham em
fotos, vídeos e músicas que postam nas redes sociais. Para alguns, o “like”
mais importante vem de alguém especial; para outros, o número é o que realmente
conta – e aí adicionam todos que pedem para se tornar amigos, sem saber quem
são. Muitos também disseram se comunicar com o/a namorado/a apenas por
mensagens de texto e não sentir falta da conversa por telefone, por exemplo. A
interação online parece ser, na maioria das vezes, suficiente para eles.
O que não significa que realmente seja, como destaca o
psicólogo e pesquisador Vitor Muramatsu, autor do trabalho “Influência da
comunicação digital nos vínculos humanos”. “Eles [os adolescentes] passam por
diversos processos psicológicos como encontrar uma identidade, formar uma
personalidade, questionar o que aprenderam em casa e na escola. E os laços que
antes eram formados com a convivência real e uma série de trocas ricas que só a
interação física permite em silêncios, tons de voz, cheiro e toque foram
substituídos por interações online. Ter vários amigos no Facebook não é como
conviver fisicamente com alguns poucos e bons amigos. A pergunta é: como essas
crianças e adolescentes vão se formar nesse novo contexto? Não vai ser melhor
ou pior mas a gente tem que parar para pensar e estudar as consequências disso”
acredita o psicólogo.
Para ele, há também um desencontro entre o desejo de alguém
que posta uma foto, por exemplo, e a recepção que ela terá pelos amigos
virtuais. “Eu coloco uma foto minha de criança e espero que os meus 550 amigos
curtam porque quero que eles vejam o quanto eu era lindo e amado pelos meus
pais naquela época. Ou mando uma foto nua para um garoto mas ele é adolescente,
não quer saber de mim ou queria mas mudou de ideia, nem ele sabe o que quer. A
relação que você tem com a foto é muito carregada de sentimentos e isso se
perde totalmente quando alguém olha rapidamente na sua timeline ou recebe por WhatsApp.
Existe uma perda entre meu desejo e a consecução do desejo. Aparentemente
bastam algumas curtidas mas nunca é o suficiente. Todas as tecnologias prometem
satisfação imediata, um botão ‘Prozac’ de curtir, mas isso é um engodo”.
Muramatsu vai além na reflexão. Para ele, cada vez mais as
redes sociais estão se tornando grandes sites de compras. “O sistema pode ser
utilizado para encontros efetivos, mas o mercado faz com que a sua atenção se
volte para o consumo de produtos e não para a efetivação da sua subjetividade.
A Mariana, que posta que está solteira, vê a foto de um cara bonito e logo
abaixo um anúncio de escova progressiva. Ela pensa que precisa ficar bonita
para arrumar um namorado bonito assim, clica no link e compra a escova
progressiva. No site, ela vê uma outra propaganda de um casal feliz em Campos
do Jordão no qual a moça é retocada no photoshop para ter um corpo perfeito.
Para ficar assim, ela compra a promoção de lipocavitação. E o mais terrível é
que você substitui o relacionar-se com pessoas por relacionar-se com pessoas
como produtos, porque o cara vai realmente sair com a moça que tem a escova
progressiva”. E conclui: “A lógica de mercado desconhece a diversidade humana.
É preciso que se discuta, é preciso de estudo, tolerância, estrutura. Não
estamos falando apenas sobre a menina que se suicidou. Vivemos um contexto
gigante de economia de mercado em que as pessoas também são produtos e que um
dos efeitos colaterais é esse: quebrar onde é mais frágil. A impressão é de que
é tudo melhor, vamos nos relacionar mais, ser mais felizes, estar mais perto.
Mas não é isso que acontece. Acho que a gente está no ápice das tecnologias do
desencontro humano. E tem gente morrendo por causa disso”.
Pesquisa da Safernet brasil mostra que sexting é prática comum entre adolescentes.
A Pública recebeu, em primeira mão, a pesquisa da ONG
Safernet sobre como os jovens brasileiros usam a internet. Além disso, tivemos
acesso exclusivo aos dados do Helpline Br, serviço de orientação online para
crianças e adolescentes que estejam vivenciando situação de risco na Internet.
(www.canaldeajuda.org.br).
Dos 2834 jovens entre 9 e 23 anos que participaram da
pesquisa, 62% afirmam que usam a internet todos os dias. O número cresce para
86% entre os jovens de 16 a 23 anos. As redes sociais são a atividade preferida
por 80% dos participantes, seguida por ouvir músicas e assistir filmes (57%) e
jogar jogos (55%). Celulares e tablets ocupam o segundo lugar na lista dos
dispositivos mais utilizados para o acesso, com 38%, atrás apenas dos
computadores no quarto, usados por 47%.
“Se eu tô o tempo todo conectado, significa que eu tenho que
interagir, correr e responder as informações que eu recebo o tempo todo”,
explica Luís Mauro Sá Martino, doutor em Ciências Sociais e autor do livro
“Comunicação e Identidade: Quem você pensa que é?”. “Isso faz com que a gente
mude a nossa relação com o tempo e com as outras pessoas. Eu tenho um número
maior de conexões, mas isso não significa que eu tenho mais amizades, porque
afeto demanda tempo.”
39% dos participantes considera que seu comportamento não
muda nas redes, mas 23% acreditam ficar mais confiantes e descontraídos e 22%
mais cuidadosos quando estão online. Dos jovens entre 16 e 23 anos, 17%
acreditam que podem dizer coisas online que não diriam offline, 15% dizem ser
mais descontraídos, 9% mais confiantes e 12% conversam com mais pessoas na
internet do que fora.
O Sexting – compartilhamento de fotos, vídeos ou textos com
teor sensual e erótico é comum entre eles. 20% afirmam que já receberam esse
tipo de conteúdo. Dentre estes, 42% receberam 5 ou mais vezes. Apenas 6% assume
que já compartilhou este tipo de foto de si, dentre os quais 63% o fizeram 5 ou
mais vezes. Este fenômeno é mais comum entre meninos e se torna mais frequente
com a idade. 32% dos jovens entre 16 e 23 anos já receberam esse tipo de
conteúdo relativo a amigos e/ou colegas. 8% confirma que já enviou, o que
aumenta para 13% a partir dos 18 anos.
Entre janeiro de 2012 e novembro de 2013, 7,7% dos pedidos
feitos ao Helpline Br eram relativos a Sexting. Ou seja, foram 135 pedidos de
ajuda em cerca de dois anos. Este é o quarto na lista dos assuntos mais citados
nos atendimentos – atrás de Ciberbullying (20,9%), solicitação de
materiais/palestra (10,9%) e problemas com dados pessoais (9,8%).
“Conforme a Internet passa a ocupar cada vez mais tempo e
importância na vida dos adolescentes e jovens brasileiros, o namoro e as
relações mais íntimas tendem a ocorrer também nos ambientes digitais, assim
como ocorria com os bilhetes, cartas, telefonemas”, detalha o relatório da
pesquisa. “Uma grande diferença a ser considerada atualmente é a amplitude do
público potencial nos ambientes digitais e a replicabilidade das informações
que rapidamente podem ser usadas sem o consentimento dos “proprietários”.
Quando jovens entre 16 e 23 anos se sentem em perigo ou são
agredidos na Internet, 49% bloqueia o contato e denuncia e 9% tenta descobrir
quem é o responsável e tirar satisfações. A exemplo de Giana e Julia, que não
contaram para a família sobre a sua exposição na rede, apenas 12% pedem ajuda
para os pais e 4% para irmãos e amigos. 8% desligam o computador e tentam
esquecer.
Leis e projetos de leis
A divulgação de fotos, vídeos e outros materiais com teor
sexual sem o consentimento do dono pode ser interpretada como crime de acordo
com diversas leis.
O ato pode ser interpretado como difamação (imputar fato
ofensivo à reputação) ou injúria (ofender a dignidade ou decoro), considerados
crime de acordo com os artigos 139 e 140 do Código Penal. Além disso, o artigo
241 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê pena de 3 a 6 anos de
reclusão e multa para quem publicar materiais que contenham cena de sexo
explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente. Já a Lei 12.737,
em vigor desde abril, criminaliza a invasão de dispositivo informático alheio
para obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização do
titular. Quem tiver essa conduta pode pagar multa e ser preso por três meses a
um ano. A lei foi apelidada de “Carolina Dieckmann” após a atriz ter seu
computador hackeado e suas fotos íntimas divulgadas.
No entanto, os recentes casos trouxeram à tona propostas
para uma legislação mais específica e penas mais rígidas. Ao todo, cinco
projetos tramitam em conjunto na Câmara dos Deputados. O deputado federal
Romário (PSB/RJ) apresentou, em outubro
de 2013, o projeto de lei nº PL 6630/2013, que acrescenta um artigo ao Código
Penal, criminalizando a divulgação de fotos, imagens, sons e vídeos com cena de
nudez ou ato sexual sem autorização da vítima. Nesse caso, a pena seria a
detenção de um a três anos e multa. Ela pode aumentar em um terço se o crime
for cometido com fim de vingança ou humilhação ou praticado por alguém que
manteve relacionamento amoroso com a vítima. Também tramitam os projetos de lei
nº 6713/2013, de autoria da deputada Eliene Lima (PSD/MT), e o projeto de lei
nº 6831/2013, do deputado Sendes Júnior (PP/GO). Ambos dispõem sobre o crime de
vingança através da exposição da intimidade física ou sexual.
Em maio desse ano, o deputado João Arruda (PMDB/PR) propôs
alterações à Lei Maria da Penha para determinar que a divulgação de imagens,
montagens, vídeos e dados por meio da Internet ou outro meio, sem
consentimento, também seja considerada uma violência contra a mulher. Trata-se
do projeto de lei nº 5555/2013, conhecido como “Lei Maria da Penha
Virtual”. O projeto nº 5822/2013 da
deputada Rosane Ferreira (PV/PR) prevê a punição “da violação da intimidade da
mulher na internet no rol das formas de violência doméstica e familiar”.
Atualmente, a Lei Maria da Penha (11.340/2006) estipula uma
pena de três meses a três anos de detenção no caso de lesão corporal leve
contra a mulher no âmbito doméstico. Já o projeto de lei do Marco Civil da
Internet (PL 2126/11), que em 2009 começou a ser construído por um processo
colaborativo entre sociedade civil e poder legislativo, traz uma série de
regulamentações sobre a utilização da rede no país. Recentemente, o relator
Alessandro Molon (PT-RJ) incluiu no texto um artigo que responsabiliza
provedores de aplicações de internet, como UOL e Facebook, se a empresa for
notificada e não tirar do ar “imagens, vídeos ou outros materiais contendo
cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado sem autorização de seus
participantes.”
No entanto, organizações que fazem parte do movimento Marco
Civil Já questionam a mudança. “Da forma como está escrito, qualquer pessoa que
se sentir ofendida com determinada nudez de caráter privado, divulgada com a
anuência de quem está na imagem, pode solicitar a retirada do conteúdo a
qualquer momento. Até uma empresa que teve um protesto de nudismo em sua porta
poderia alegar participação na imagem. É preciso encontrar uma redação que
restrinja a possibilidade de notificação apenas à pessoa retratada no conteúdo”,
considera Deborah Moreira, da Ciranda, citando a carta do Marco Civil Já
enviada ao relator contestando o artigo. “O termos “outros materiais” é
complicado também pois dá margem a censura de caricaturas, textos eróticos e
coisas do tipo. Da forma como está fere a liberdade de expressão.”
Deborah argumenta que o Marco Civil é uma carta de
princípios que garante direitos, estabelece deveres e prevê o papel do Estado
em relação ao desenvolvimento da internet. Assim, não seria o espaço apropriado
para pautar restrições ao uso da internet. “Já existem leis que criminalizam
essas como a Lei Carolina Dieckmann e o
próprio Código Penal.”
De acordo com o texto, quem sofrer a violação dos direitos à
preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem deve receber
indenização por danos materiais ou morais. O projeto deve ser votado na Câmara
dos Deputados, em fevereiro de 2014, em regime de urgência.
Fonte: (Andrea
Dip e Giulia Afiune) Agência Pública
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