“Esse projeto não protege as prostitutas, mas os donos das
casas de prostituição que as exploram. E não trata das prostitutas que estão na
rua. A proposta reproduz um modelo machista e patriarcal, no qual os homens
continuam enriquecendo com base na exploração dos nossos corpos e nos
consideram como mercadorias com corpo e alma à venda.”
O Coletivo Nacional de Mulheres da CUT discutiu na
terça-feira 3, em São Paulo, a regulamentação da prostituição e, para a maior
parte das dirigentes, a medida favorece apenas quem lucra com o corpo das
mulheres*.
Elas debateram o Projeto de Lei (PL) 4.211/2012, do deputado
federal Jean Willys (PSOL-RJ), que descriminaliza a exploração da atividade por
casas noturnas e figuras como o cafetão.
Para a secretária da Mulher Trabalhadora da Central, Rosane
Silva, o PL referenda um modelo de sociedade baseado no sistema capitalista, no
patriarcado e no machismo. Ela criticou ainda a atuação do parlamentar nos
bastidores e cobrou políticas públicas para que as mulheres não enxerguem na
prostituição uma forma de sobrevivência.
“O Jean está pressionando a Kokay (deputada Érika Kokay do
PT-DF) para assumir a relatoria do projeto e enquadrar o PT. E a companheira
está esperando a posição da CUT para saber como pensamos. Minha opinião é que
ela não aceite ser relatora e organize as deputadas do Congresso para votar
contra esse texto. O que precisamos é lutar por políticas públicas que tirem as
mulheres da condição de prostitutas”, afirmou.
A dirigente também criticou a Caixa Econômica Federal pelo
convênio com a Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig) para
oferecer benefícios como máquinas que aceitam cartões de crédito e debito.
“Um banco público deve atender aos interesses da população e
não ter essa posição vergonhosa que só interessa ao sistema financeiro”, falou.
Prostituição como
saída
Com a experiência de quem viveu da prostituição durante 15
anos, a militante da Marcha Mundial de Mulheres Cleone Santos também criticou o
projeto e destacou que o perfil das mulheres continua o mesmo de quando estava
nas ruas: negras ou afrodescendentes, em sua maioria, muito pobres e idosas.
Nesse último caso, o perfil mais fragilizado.
“Aos 30 anos, a mulher já é considerada velha pelos donos
das casas e vai para a rua, ficar encostada nas paredes, nos pontos de ônibus,
nas bancas. E ali passa o resto da vida. Aí vem uma pessoa querendo
regulamentar e achando que está fazendo uma coisa boa. As mulheres não estão
ali porque querem. Nos lugares onde vou, não foi ela quem decidiu. Ela acorda
pela manhã e está faltando comida e se não fizer um programa, por R$ 20, R$ 10,
R$ 5, não vai ter dinheiro.”
Para Cleone, a ideia de regulamentação, que pode parecer
positiva, na prática, acaba por prejudicar. Da mesma forma que Rosane, ela
defende que o melhor caminho é garantir o acesso a direitos que já são
garantidos a outras mulheres. “O explorador vai deixar esse papel para se
tornar empresário, como nas grandes empresas que contratam as trabalhadoras
faxineiras e as mandam para onde quiserem. A regulamentação não facilita vida
das mulheres, só vem para sugar. O que queremos sim ter direito a políticas
como saúde pública e de qualidade. Que a prostituta tenha direito de chegar ao
médico e poder dizer qual é sua profissão sem ser humilhada. Se houver um
profissional preparado lá dentro, não precisa de lei. Dentro do mundo do
trabalho, esse trabalhador te que estar preparado”, comentou.
Mercado da exploração
Cleone comentou a experiência de Aprosmig, em Belo
Horizonte, onde as prostitutas oferecem os programas em quartos de hotéis e são
reféns de diárias que giram em torno de R$ 210, conforme comentou. “Não entendo
uma associação que diz defender as mulheres, na verdade, defenda os donos dos
hotéis. Conheço várias companheiras que foram mortas por dívidas”, crédito.
Ela cobrou que o debate continue no movimento feminista, já
que a discussão tem relação direta com a autonomia das mulheres sobre o próprio
corpo. “A discussão tem de ir além do projeto, porque são mulheres que estão
numa luta quase que solitárias. E se formos pensar, todas nós nos prostituímos
um pouquinho, quando aceitamos um chefe safado que nos assedia, quando casamos
com um cara que não nos respeita em troca de um poder econômico. A luta é de
todas nós.”
Reprodução da
opressão
Professora aposentada pela Universidade Estadual Paulista
(Unesp) Iolanda Ide fez um resgate histórico da exploração sexual sobre as
mulheres e lembrou que os proprietários de escravos já eram donos também da
sexualidade e mandavam escravas para se prostituírem.
Uma situação, afirmou, que é reproduzida na formação de
homens e mulheres. “Estamos à mercê de uma estrutura arcaica e profundamente
arraigada dentro de nós. Porque aceitamos que meninos possam chegar em casa e
jogar sapato, meia, roupa e a menina tenha que ir lavar a louça? O patriarcado
penetra profundamente no tecido social e no sentimento das pessoas e faz com
que os que sofrem a opressão repitam sem perceber”, explicou.
Como Rosane e Cleone, ela também avaliou que a
regulamentação interessa exclusivamente aos exploradores. “No Brasil não é
crime nem contravenção penal se prostituir. Crime é explorar, ter prostíbulo,
ser gigolô. O Jean Willys quer descriminalizar os exploradores da prostituição
com o argumento de proteger direitos das mulheres às vésperas da Copa. A quem
interessa isso? Aos homens, porque são eles que são donos das casas, são eles
os cafetões e são eles os gigolôs. Novamente o liberalismo vai lucrar em cima
das mulheres”, criticou.
“REGULAMENTAR A PROSTITUIÇÃO É LEGALIZAR A EXPLORAÇÃO DO CORPO DAS
MULHERES”, AFIRMA DIRIGENTE DA CUT
Para secretária da Central, projeto no Congresso ignora fatores
sociais, como a pobreza, que levam à atividade
Em resposta à reportagem do Portal da CUT, o deputado
federal Jean Willys (PSOL-RJ) publicou um artigo no site da revista Carta
Capital em que crítica a posição da Central, classificando-a como moralista e
conservadora e leva a discussão para o campo da disputa entre PT e PSOL.
A Secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, Rosane
Silva, rebate o parlamentar e aponta que
o projeto não ataca o cerne da questão: os fatores econômicos que levam as
mulheres à exploraçãoe a forma como a sexualidade das mulheres é encarada.
“Regulamentar a prostituição é como legalizar o trabalho infantil simplesmente
porque existe e é uma forma de levar renda às famílias”, ressalta.
Portal da CUT – O deputado Jean Wyllis alega que o Projeto
de Lei 4.221/2012 foi construído com participação de diversas entidades de
prostitutas organizadas e, portanto, representa a vontade delas. A CUT concorda
com essa posição?
Rosane Silva – A discussão vai muito além de quem representa
quem, mas precisamos perguntar quais associações ouviu, porque a companheira
Cleone Santos, que viveu a realidade de prostituição durante 15 anos, apontou
que, conforme a discussão sobre o projeto foi avançando, a grande maioria das
prostitutas se colocaram contra. O que podemos afirmar com certeza é que
entidades feministas, em sua maioria, são contra: a Marcha Mundial de Mulheres,
a SOS Corpo, de Pernambuco. E várias organizações de prostitutas também, sem
contar inúmeras pesquisadoras e feministas históricas. Nós não somos contrárias
às prostitutas, somos contrárias a um sistema de exploração que coloca nosso
corpo a disposição do desejo dos homens.
O deputado afirma no artigo que há uma disputa eleitoral, de
militantes do PT contra o PSOL, porque o segundo faz oposição à presidenta
Dilma e que a posição tem fundo eleitoral. É disso que se trata?
Rosane –Primeiro, o deputado precisaria se informar sobre o
Coletivo de Mulheres para saber que é um grupo heterogêneo de trabalhadoras
organizadas no interior da CUT, não necessariamente filiadas ao PT, que
construiu sua posição democraticamente, inclusive, ouvindo quem é a favor da
regulamentação. Não caímos de paraquedas nessa discussão, militamos há muito
tempo e tomamos nossa posição em cima de um debate programático sobre o que
representa a prostituição para as mulheres. Nunca esteve em jogo a posição dos
deputados, mas sim o que a lei significa para nós.
Ele alega ainda que as mulheres da CUT não o procuraram para
discutir o tema, ao contrário do que aconteceu em relação ao debate sobre
outros temas defendidos pelas trabalhadoras cutistas, como é o caso da
legalização do aborto. As trabalhadoras já conversaram com o parlamentar?
Rosane –Quando definimos nossa posição, deixamos claro que o
debate não acabou. Nós ainda não o procuramos, mas também não o fizemos no
debate sobre a legalização do aborto, ao contrário do que diz. Para nós, porém,
o que precisa ficar claro é que esse projeto não protege as prostitutas, mas os
donos das casas de prostituição que as exploram. E não trata das prostitutas
que estão na rua. A proposta reproduz um modelo machista e patriarcal, no qual
os homens continuam enriquecendo com base na exploração dos nossos corpos e nos
consideram como mercadorias com corpo e alma à venda.
O artigo do deputado classifica como lamentável a postura da
CUT porque não respeita a liberdade das mulheres prostitutas que querem
continuar sendo prostitutas e ter seus direitos reconhecidos.A CUT é contra
esses direitos?
Rosane –Mas quais direitos que ainda não são reconhecidos
passaram a ser? Hoje a prostituta pode pagar a Previdência e contribuir para o
INSS, porque a legislação já ampara. Ele precisa determinar quais direitos
seriam. A pressa em aprovar o projeto nos parece uma tentativa de proteger a
exploração e a indústria do turismo sexual e os homens que virão ao Brasil
durante a Copa em busca disso. A mulher
brasileira é retratada no exterior como
fácil, fogosa, exótica, e é a venda desse estereótipo que interessa a esse
mercado. Dizer que a regulamentação é necessária simplesmente porque a
prostituição existe é o mesmo que dizer que é necessário legalizar o trabalho
infantil ou escravo simplesmente porque existem e é uma forma de levar renda às
famílias.
Para o parlamentar há uma parte da esquerda e do feminismo
que tem uma posição conservadora e moralista sobre o uso do corpo e sobre a
sexualidade. Para o coletivo, as mulheres poderiam exercer a prostituição
livremente?
Rosane –A primeira pergunta que precisamos fazer é: quais
condições levaram as mulheres para à prostituição? Foi mera vontade própria? É
falso dizer que mulheres exercem essa atividade porque querem. As que desejam
formam um grupo seleto, que ganha grande projeção na mídia e que pouco retrata
verdadeira realidade das mulheres prostitutas, bem distante do glamour das
novelas e dos filmes. Mas a quase totalidade quer mesmo sair da prostituição e
nunca mais voltar. Para a maioria, a venda do corpo é uma condição imposta como
forma de ter condições mínimas de sobrevivência. A prostituição não dá
liberdade às mulheres, mas escraviza, porque quem, em sã consciência, gosta de
fazer sexo por obrigação. O que nós feministas defendemos é que as mulheres
possam exercer livremente sua sexualidade, sem precisar seguir um modelo de
comportamento imposto pela sociedade. Ser livre é ter autonomia sobre o seu
corpo e não ser obrigado a utilizá-lo como forma de sobrevivência.
Fonte: site da Central Única dos Trabalhadores
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