segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Mulheres da CUT são contra regulamentação da prostituição

“Esse projeto não protege as prostitutas, mas os donos das casas de prostituição que as exploram. E não trata das prostitutas que estão na rua. A proposta reproduz um modelo machista e patriarcal, no qual os homens continuam enriquecendo com base na exploração dos nossos corpos e nos consideram como mercadorias com corpo e alma à venda.”

O Coletivo Nacional de Mulheres da CUT discutiu na terça-feira 3, em São Paulo, a regulamentação da prostituição e, para a maior parte das dirigentes, a medida favorece apenas quem lucra com o corpo das mulheres*.

Elas debateram o Projeto de Lei (PL) 4.211/2012, do deputado federal Jean Willys (PSOL-RJ), que descriminaliza a exploração da atividade por casas noturnas e figuras como o cafetão.

Para a secretária da Mulher Trabalhadora da Central, Rosane Silva, o PL referenda um modelo de sociedade baseado no sistema capitalista, no patriarcado e no machismo. Ela criticou ainda a atuação do parlamentar nos bastidores e cobrou políticas públicas para que as mulheres não enxerguem na prostituição uma forma de sobrevivência.

“O Jean está pressionando a Kokay (deputada Érika Kokay do PT-DF) para assumir a relatoria do projeto e enquadrar o PT. E a companheira está esperando a posição da CUT para saber como pensamos. Minha opinião é que ela não aceite ser relatora e organize as deputadas do Congresso para votar contra esse texto. O que precisamos é lutar por políticas públicas que tirem as mulheres da condição de prostitutas”, afirmou.

A dirigente também criticou a Caixa Econômica Federal pelo convênio com a Associação das Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig) para oferecer benefícios como máquinas que aceitam cartões de crédito e debito.

“Um banco público deve atender aos interesses da população e não ter essa posição vergonhosa que só interessa ao sistema financeiro”, falou.

Prostituição como saída

Com a experiência de quem viveu da prostituição durante 15 anos, a militante da Marcha Mundial de Mulheres Cleone Santos também criticou o projeto e destacou que o perfil das mulheres continua o mesmo de quando estava nas ruas: negras ou afrodescendentes, em sua maioria, muito pobres e idosas. Nesse último caso, o perfil mais fragilizado.

“Aos 30 anos, a mulher já é considerada velha pelos donos das casas e vai para a rua, ficar encostada nas paredes, nos pontos de ônibus, nas bancas. E ali passa o resto da vida. Aí vem uma pessoa querendo regulamentar e achando que está fazendo uma coisa boa. As mulheres não estão ali porque querem. Nos lugares onde vou, não foi ela quem decidiu. Ela acorda pela manhã e está faltando comida e se não fizer um programa, por R$ 20, R$ 10, R$ 5, não vai ter dinheiro.”

Para Cleone, a ideia de regulamentação, que pode parecer positiva, na prática, acaba por prejudicar. Da mesma forma que Rosane, ela defende que o melhor caminho é garantir o acesso a direitos que já são garantidos a outras mulheres. “O explorador vai deixar esse papel para se tornar empresário, como nas grandes empresas que contratam as trabalhadoras faxineiras e as mandam para onde quiserem. A regulamentação não facilita vida das mulheres, só vem para sugar. O que queremos sim ter direito a políticas como saúde pública e de qualidade. Que a prostituta tenha direito de chegar ao médico e poder dizer qual é sua profissão sem ser humilhada. Se houver um profissional preparado lá dentro, não precisa de lei. Dentro do mundo do trabalho, esse trabalhador te que estar preparado”, comentou.

Mercado da exploração

Cleone comentou a experiência de Aprosmig, em Belo Horizonte, onde as prostitutas oferecem os programas em quartos de hotéis e são reféns de diárias que giram em torno de R$ 210, conforme comentou. “Não entendo uma associação que diz defender as mulheres, na verdade, defenda os donos dos hotéis. Conheço várias companheiras que foram mortas por dívidas”, crédito.

Ela cobrou que o debate continue no movimento feminista, já que a discussão tem relação direta com a autonomia das mulheres sobre o próprio corpo. “A discussão tem de ir além do projeto, porque são mulheres que estão numa luta quase que solitárias. E se formos pensar, todas nós nos prostituímos um pouquinho, quando aceitamos um chefe safado que nos assedia, quando casamos com um cara que não nos respeita em troca de um poder econômico. A luta é de todas nós.”

Reprodução da opressão

Professora aposentada pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) Iolanda Ide fez um resgate histórico da exploração sexual sobre as mulheres e lembrou que os proprietários de escravos já eram donos também da sexualidade e mandavam escravas para se prostituírem.

Uma situação, afirmou, que é reproduzida na formação de homens e mulheres. “Estamos à mercê de uma estrutura arcaica e profundamente arraigada dentro de nós. Porque aceitamos que meninos possam chegar em casa e jogar sapato, meia, roupa e a menina tenha que ir lavar a louça? O patriarcado penetra profundamente no tecido social e no sentimento das pessoas e faz com que os que sofrem a opressão repitam sem perceber”, explicou.
Como Rosane e Cleone, ela também avaliou que a regulamentação interessa exclusivamente aos exploradores. “No Brasil não é crime nem contravenção penal se prostituir. Crime é explorar, ter prostíbulo, ser gigolô. O Jean Willys quer descriminalizar os exploradores da prostituição com o argumento de proteger direitos das mulheres às vésperas da Copa. A quem interessa isso? Aos homens, porque são eles que são donos das casas, são eles os cafetões e são eles os gigolôs. Novamente o liberalismo vai lucrar em cima das mulheres”, criticou.

“REGULAMENTAR A PROSTITUIÇÃO É LEGALIZAR A EXPLORAÇÃO DO CORPO DAS MULHERES”, AFIRMA DIRIGENTE DA CUT
Para secretária da Central, projeto no Congresso ignora fatores sociais, como a pobreza, que levam à atividade


Em resposta à reportagem do Portal da CUT, o deputado federal Jean Willys (PSOL-RJ) publicou um artigo no site da revista Carta Capital em que crítica a posição da Central, classificando-a como moralista e conservadora e leva a discussão para o campo da disputa entre PT e PSOL.

A Secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, Rosane Silva, rebate o parlamentar  e aponta que o projeto não ataca o cerne da questão: os fatores econômicos que levam as mulheres à exploraçãoe a forma como a sexualidade das mulheres é encarada. “Regulamentar a prostituição é como legalizar o trabalho infantil simplesmente porque existe e é uma forma de levar renda às famílias”, ressalta.

Portal da CUT – O deputado Jean Wyllis alega que o Projeto de Lei 4.221/2012 foi construído com participação de diversas entidades de prostitutas organizadas e, portanto, representa a vontade delas. A CUT concorda com essa posição?
Rosane Silva – A discussão vai muito além de quem representa quem, mas precisamos perguntar quais associações ouviu, porque a companheira Cleone Santos, que viveu a realidade de prostituição durante 15 anos, apontou que, conforme a discussão sobre o projeto foi avançando, a grande maioria das prostitutas se colocaram contra. O que podemos afirmar com certeza é que entidades feministas, em sua maioria, são contra: a Marcha Mundial de Mulheres, a SOS Corpo, de Pernambuco. E várias organizações de prostitutas também, sem contar inúmeras pesquisadoras e feministas históricas. Nós não somos contrárias às prostitutas, somos contrárias a um sistema de exploração que coloca nosso corpo a disposição do desejo dos homens.

O deputado afirma no artigo que há uma disputa eleitoral, de militantes do PT contra o PSOL, porque o segundo faz oposição à presidenta Dilma e que a posição tem fundo eleitoral. É disso que se trata?
Rosane –Primeiro, o deputado precisaria se informar sobre o Coletivo de Mulheres para saber que é um grupo heterogêneo de trabalhadoras organizadas no interior da CUT, não necessariamente filiadas ao PT, que construiu sua posição democraticamente, inclusive, ouvindo quem é a favor da regulamentação. Não caímos de paraquedas nessa discussão, militamos há muito tempo e tomamos nossa posição em cima de um debate programático sobre o que representa a prostituição para as mulheres. Nunca esteve em jogo a posição dos deputados, mas sim o que a lei significa para nós.

Ele alega ainda que as mulheres da CUT não o procuraram para discutir o tema, ao contrário do que aconteceu em relação ao debate sobre outros temas defendidos pelas trabalhadoras cutistas, como é o caso da legalização do aborto. As trabalhadoras já conversaram com o parlamentar?
Rosane –Quando definimos nossa posição, deixamos claro que o debate não acabou. Nós ainda não o procuramos, mas também não o fizemos no debate sobre a legalização do aborto, ao contrário do que diz. Para nós, porém, o que precisa ficar claro é que esse projeto não protege as prostitutas, mas os donos das casas de prostituição que as exploram. E não trata das prostitutas que estão na rua. A proposta reproduz um modelo machista e patriarcal, no qual os homens continuam enriquecendo com base na exploração dos nossos corpos e nos consideram como mercadorias com corpo e alma à venda.

O artigo do deputado classifica como lamentável a postura da CUT porque não respeita a liberdade das mulheres prostitutas que querem continuar sendo prostitutas e ter seus direitos reconhecidos.A CUT é contra esses direitos?
Rosane –Mas quais direitos que ainda não são reconhecidos passaram a ser? Hoje a prostituta pode pagar a Previdência e contribuir para o INSS, porque a legislação já ampara. Ele precisa determinar quais direitos seriam. A pressa em aprovar o projeto nos parece uma tentativa de proteger a exploração e a indústria do turismo sexual e os homens que virão ao Brasil durante a Copa em busca disso.  A mulher brasileira é retratada no exterior  como fácil, fogosa, exótica, e é a venda desse estereótipo que interessa a esse mercado. Dizer que a regulamentação é necessária simplesmente porque a prostituição existe é o mesmo que dizer que é necessário legalizar o trabalho infantil ou escravo simplesmente porque existem e é uma forma de levar renda às famílias.

Para o parlamentar há uma parte da esquerda e do feminismo que tem uma posição conservadora e moralista sobre o uso do corpo e sobre a sexualidade. Para o coletivo, as mulheres poderiam exercer a prostituição livremente?
Rosane –A primeira pergunta que precisamos fazer é: quais condições levaram as mulheres para à prostituição? Foi mera vontade própria? É falso dizer que mulheres exercem essa atividade porque querem. As que desejam formam um grupo seleto, que ganha grande projeção na mídia e que pouco retrata verdadeira realidade das mulheres prostitutas, bem distante do glamour das novelas e dos filmes. Mas a quase totalidade quer mesmo sair da prostituição e nunca mais voltar. Para a maioria, a venda do corpo é uma condição imposta como forma de ter condições mínimas de sobrevivência. A prostituição não dá liberdade às mulheres, mas escraviza, porque quem, em sã consciência, gosta de fazer sexo por obrigação. O que nós feministas defendemos é que as mulheres possam exercer livremente sua sexualidade, sem precisar seguir um modelo de comportamento imposto pela sociedade. Ser livre é ter autonomia sobre o seu corpo e não ser obrigado a utilizá-lo como forma de sobrevivência.

Fonte: site da Central Única dos Trabalhadores

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