quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O papel das mulheres. Carta aberta de Giancarla Codrignani ao Papa Francisco

Em tempos em que a Igreja sofre abandonos "de gênero", as mulheres esperam obter não representação, mas sim reconhecimento de subjetividade. Não as decepcione, Papa Francisco.


A opinião é de Giancarla Codrignani, escritora e ex-deputada italiana pela Esquerda Independente, em artigo publicado na revista Koinonia-forum, n. 264, 29-10-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.


Caro Papa Francisco,

Como não ter sentimentos de amizade e de fraternidade com relação ao senhor e não se solidarizar com os sinais que o senhor vem lançando através do adensamento de relações com pessoas mais ou menos conhecidas da sociedade italiana? Eu não pretendo aumentar o número dos correspondentes que começa, talvez, a se tornar incômodo; mas sou induzida a interpelá-lo depois da notícia da sua intenção de se pronunciar sobre o espaço a ser atribuída às mulheres na Igreja.

Eu presumo que, também para o senhor, seja um dado da realidade que não são os desígnios de Deus, mas sim os papéis hierarquicamente diferentes que homens e mulheres historicamente assumiram que envolvem diferenças que não devem ser subestimadas, principalmente se novos equilíbrios são buscados.

Sendo o senhor também um homem como os outros, sabe que dificilmente acontece aos homens dizer palavras adequadas quando falam conosco, sobretudo se pensam falar "por" nós. A Igreja também nos conhece apenas através de uma convenção que não corresponde à nossa hermenêutica, de crentes e de não crentes: sem uma mulher, não teria havido nascimento, sem outra mulher não teria havido anúncio (os apóstolos teriam chegado ao sepulcro vazio sem Maria de Mágdala?).

Como "gênero", somos menos sensíveis às ambições de poder que são incoerentes, ao menos na Igreja, até mesmo para um homem. No entanto, não somos tão tolas a ponto de não termos sido sempre conscientes de que, mesmo se na doutrina não se encontrem justificações para a discriminação, a Igreja permaneceu masculina desde que a tradição dos primeiros séculos transmitiu os escritos dos "padres" da Igreja e não o das mães, mencionadas apenas como viri dimidiati.

Carlo Maria Martini, desde 1981, pôs a urgência de um novo reconhecimento da presença feminina na Igreja, mas não se seguiram inovações. Ao contrário, a atribuição ao nosso gênero de um especial "gênio feminino" permaneceu no tradicionalismo, e não pareceram amigáveis as medidas adotadas pelo seu antecessor para garantir a ortodoxia da Federação das irmãs norte-americanas (LCWR).

Por isso, estou certa da sua informação prévia sobre a já imponente literatura específica de teólogas e filósofas e sobre a opinião feminina-feminista (eu uso o adjetivo, embora reprovado pelos representantes da hierarquia pouca atentos às dinâmicas sociais) do povo de Deus e também da partilha das ideias com religiosas e leigas católicas (mas não só).

No entanto, ouso expressar-lhe a minha preocupação: em tempos em que a Igreja sofre abandonos "de gênero", as mulheres esperam obter não representação, mas sim reconhecimento de subjetividade. Não as decepcione.

Perdoe-me a confiança na sua disponibilidade. Lembro-me do senhor com sentimentos de confiança e afeto.

Giancarla Codrignani

* * *

Permito-me anexar o texto da introdução do cardeal Carlo Maria Martini ao Congresso ocorrido em Milão, em abril de 1981.

* * *

Por que, pergunta-se a mulher, por exemplo, identificar a imagem de Deus com a que nos foi transmitida por uma cultura machista? Qual anúncio querigmático para ela, não encerrado em uma visão moralista? Quais indicações para um caminho espiritual e de santidade que a estimulem adequadamente? Quais indicações para uma renovada práxis pastoral, para um caminho vocacional para o matrimônio, para a consagração religiosa, a família, levando em consideração a nova consciência de si que a mulher adquiriu? Quais indicações para uma linguagem global, também litúrgica, que não faça a mulher se sentir excluída, na sua elaboração?

Por que tão poucas e inadequadas respostas à valorização do próprio corpo, do amor físico, dos problemas da maternidade responsável?

Por que a grande presença das mulheres na Igreja, contudo, não incidiu nas suas estruturas? E, na práxis pastoral, por que atribuir à mulher somente aquelas tarefas que o esquema ideológico e cultural da sociedade lhe atribuía, e por que não explicitar os seus carismas, "obra do Espírito Santo"?

Os papéis eclesiais confiados às mulheres estão, então, de acordo com os carismas de uma Igreja conduzida pelo Espírito, ou ainda são fruto de uma mentalidade masculina?

As mulheres se perguntam tudo isso. Nem sempre expressam isso. Ainda sentem temor de quebrar uma "iconografia" da mulher cristã, dentro da qual, além disso, se esforçam para se reconhecer e não conseguem mais se adaptar.

A Igreja deve se pôr à escuta. Deve deixá-las se expressar como protagonistas. O seu modo de ler, de interpretar a vida tem uma relevância que deve marcar um caminho pastoral que não pode ver as mulheres perenemente sujeitas, ou como boas e fiéis executoras, quase vergonhosas ou tímidas diante da força que poderiam expressar em novidade.

Os ministérios, carismas, serviços são dons para a comunidade e exigem uma profunda e atenta leitura que abra novos caminhos para a compreensão do papel das mulheres na Igreja.

A filosofia e a teologia nos seus vários ramos, a exegese bíblica, a pastoral têm uma tarefa urgente a realizar com os instrumentos que lhe são próprios.

As ciências humanas abrem a elas amplos espaços de documentação e de fundação. Mas também a vida das mulheres ou, melhor, da sua vida parte um apelo fortíssimo de novidade. As mais maduras não expressam reivindicações vãs de falsas paridades: elas pedem para que se construa em plenitude e com coragem, pondo a si mesmas em discussão, a sociedade e a Igreja.


Fonte: Ihu

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