Em tempos em que a Igreja sofre abandonos "de
gênero", as mulheres esperam obter não representação, mas sim
reconhecimento de subjetividade. Não as decepcione, Papa Francisco.
A opinião é de Giancarla Codrignani, escritora e ex-deputada
italiana pela Esquerda Independente, em artigo publicado na revista
Koinonia-forum, n. 264, 29-10-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Caro Papa Francisco,
Como não ter sentimentos de amizade e de fraternidade com
relação ao senhor e não se solidarizar com os sinais que o senhor vem lançando
através do adensamento de relações com pessoas mais ou menos conhecidas da
sociedade italiana? Eu não pretendo aumentar o número dos correspondentes que
começa, talvez, a se tornar incômodo; mas sou induzida a interpelá-lo depois da
notícia da sua intenção de se pronunciar sobre o espaço a ser atribuída às
mulheres na Igreja.
Eu presumo que, também para o senhor, seja um dado da
realidade que não são os desígnios de Deus, mas sim os papéis hierarquicamente
diferentes que homens e mulheres historicamente assumiram que envolvem
diferenças que não devem ser subestimadas, principalmente se novos equilíbrios
são buscados.
Sendo o senhor também um homem como os outros, sabe que
dificilmente acontece aos homens dizer palavras adequadas quando falam conosco,
sobretudo se pensam falar "por" nós. A Igreja também nos conhece
apenas através de uma convenção que não corresponde à nossa hermenêutica, de
crentes e de não crentes: sem uma mulher, não teria havido nascimento, sem
outra mulher não teria havido anúncio (os apóstolos teriam chegado ao sepulcro
vazio sem Maria de Mágdala?).
Como "gênero", somos menos sensíveis às ambições
de poder que são incoerentes, ao menos na Igreja, até mesmo para um homem. No
entanto, não somos tão tolas a ponto de não termos sido sempre conscientes de
que, mesmo se na doutrina não se encontrem justificações para a discriminação,
a Igreja permaneceu masculina desde que a tradição dos primeiros séculos
transmitiu os escritos dos "padres" da Igreja e não o das mães,
mencionadas apenas como viri dimidiati.
Carlo Maria Martini, desde 1981, pôs a urgência de um novo
reconhecimento da presença feminina na Igreja, mas não se seguiram inovações.
Ao contrário, a atribuição ao nosso gênero de um especial "gênio
feminino" permaneceu no tradicionalismo, e não pareceram amigáveis as
medidas adotadas pelo seu antecessor para garantir a ortodoxia da Federação das
irmãs norte-americanas (LCWR).
Por isso, estou certa da sua informação prévia sobre a já
imponente literatura específica de teólogas e filósofas e sobre a opinião
feminina-feminista (eu uso o adjetivo, embora reprovado pelos representantes da
hierarquia pouca atentos às dinâmicas sociais) do povo de Deus e também da
partilha das ideias com religiosas e leigas católicas (mas não só).
No entanto, ouso expressar-lhe a minha preocupação: em
tempos em que a Igreja sofre abandonos "de gênero", as mulheres
esperam obter não representação, mas sim reconhecimento de subjetividade. Não
as decepcione.
Perdoe-me a confiança na sua disponibilidade. Lembro-me do
senhor com sentimentos de confiança e afeto.
Giancarla Codrignani
* * *
Permito-me anexar o texto da introdução do cardeal Carlo
Maria Martini ao Congresso ocorrido em Milão, em abril de 1981.
* * *
Por que, pergunta-se a mulher, por exemplo, identificar a
imagem de Deus com a que nos foi transmitida por uma cultura machista? Qual
anúncio querigmático para ela, não encerrado em uma visão moralista? Quais
indicações para um caminho espiritual e de santidade que a estimulem
adequadamente? Quais indicações para uma renovada práxis pastoral, para um
caminho vocacional para o matrimônio, para a consagração religiosa, a família,
levando em consideração a nova consciência de si que a mulher adquiriu? Quais
indicações para uma linguagem global, também litúrgica, que não faça a mulher
se sentir excluída, na sua elaboração?
Por que tão poucas e inadequadas respostas à valorização do
próprio corpo, do amor físico, dos problemas da maternidade responsável?
Por que a grande presença das mulheres na Igreja, contudo,
não incidiu nas suas estruturas? E, na práxis pastoral, por que atribuir à
mulher somente aquelas tarefas que o esquema ideológico e cultural da sociedade
lhe atribuía, e por que não explicitar os seus carismas, "obra do Espírito
Santo"?
Os papéis eclesiais confiados às mulheres estão, então, de
acordo com os carismas de uma Igreja conduzida pelo Espírito, ou ainda são
fruto de uma mentalidade masculina?
As mulheres se perguntam tudo isso. Nem sempre expressam
isso. Ainda sentem temor de quebrar uma "iconografia" da mulher
cristã, dentro da qual, além disso, se esforçam para se reconhecer e não
conseguem mais se adaptar.
A Igreja deve se pôr à escuta. Deve deixá-las se expressar
como protagonistas. O seu modo de ler, de interpretar a vida tem uma relevância
que deve marcar um caminho pastoral que não pode ver as mulheres perenemente
sujeitas, ou como boas e fiéis executoras, quase vergonhosas ou tímidas diante
da força que poderiam expressar em novidade.
Os ministérios, carismas, serviços são dons para a
comunidade e exigem uma profunda e atenta leitura que abra novos caminhos para
a compreensão do papel das mulheres na Igreja.
A filosofia e a teologia nos seus vários ramos, a exegese
bíblica, a pastoral têm uma tarefa urgente a realizar com os instrumentos que
lhe são próprios.
As ciências humanas abrem a elas amplos espaços de
documentação e de fundação. Mas também a vida das mulheres ou, melhor, da sua
vida parte um apelo fortíssimo de novidade. As mais maduras não expressam
reivindicações vãs de falsas paridades: elas pedem para que se construa em
plenitude e com coragem, pondo a si mesmas em discussão, a sociedade e a
Igreja.
Fonte: Ihu
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