O consumismo tornou-se hábito característico de nossa
sociedade. Como nenhuma criança nasce consumista, vale uma reflexão sobre quais
hábitos e valores estamos transmitindo, para que prefiram comprar a brincar.
Por Lais Fontenelle
Pereira
No Brasil, convencionou-se considerar 12 de outubro como Dia
das Crianças. A data foi oficializada em 1924 pelo presidente Arthur Bernardes,
mas só décadas depois, por volta dos anos 1960, passou a ser comemorada. Foi
quando a fábrica de brinquedos Estrela lançou a Semana do Bebê Robusto junto
com a multinacional Johnson & Johnson. Desde então, o dia foi
mercantilizado e passou a ser vivido pela grande maioria das famílias como um
dever ao consumo. Escolhi este tema para abrir, emOutras Palavras, uma coluna
que pretende estimular reflexão sobre a criança contemporânea e sua relação com
consumo, mídias, família, escola e cidade.
Depois dessa breve história, uma pergunta: o que de fato
honramos atualmente, a criança ou o consumo? Porque para homenagear a criança
faria mais sentido escolher 20 de novembro, data da aprovação pela ONU da
Declaração dos Direitos das Crianças.
Outro Dia Das Crianças é possível? (Reprodução)
As crianças de hoje diferem das de outros tempos –
principalmente pelo lugar de destaque que ocupam na engrenagem da sociedade de
consumo. Recebem status de consumidoras no mercado, antes mesmo de estarem
aptas ao exercício pleno de sua cidadania. São diariamente bombardeadas, em
todos os espaços de convivência, por mensagens publicitárias abusivas que
vendem a falsa ideia da realização de sonhos, felicidade e inclusão social pela
posse de mercadorias. Mas as crianças são seres em desenvolvimento psíquico,
afetivo e cognitivo, e até mais ou menos os doze anos não têm capacidade
crítica e abstração de pensamento formadas para retrabalhar essas mensagens
persuasivas.
E aí está o problema: a construção da subjetividade da
criança se dá também pela posse dos objetos que a cercam. Ela já nasce usando
fraldas X, bebendo leite Z, brincando com bonecos Y. Desde muito cedo, passa a
ser consumidora não só de objetos, mas também daquilo que eles representam.
Outra pedagogia se instalou na vida de nossas crianças: a das mídias que falam
diretamente com os pequenos, não só entretendo e informando, mas ditando
valores e hábitos de consumo.
A criança brasileira é das que mais assistem TV no mundo:
passa mais de 5 horas do dia sentada em frente à tela, em média(1). Em áreas de
alta vulnerabilidade social e econômica, esse tempo chega a espantosas 9 horas
por dia – o que ultrapassa, em muito, o tempo que ela passa no ambiente
escolar: cerca de 3 horas e 15 minutos. O problema se agrava se lembrarmos a
publicidade veiculada por essa mídia, que parece hoje mais formadora da
subjetividade infantil do que a escola, com forte impacto no desenvolvimento
saudável das crianças. Isso, além de contribuir para o grave e urgente problema
do consumismo na infância.
O consumismo tornou-se um hábito característico de nossa
sociedade. Mas, como nenhuma criança nasce consumista, vale uma reflexão sobre
quais hábitos e valores estamos transmitindo às crianças contemporâneas, para
que prefiram comprar a brincar. Valores que priorizam o ter em detrimento do
ser, o individual acima do coletivo, a competição ao invés da cooperação. A infância
não pode ser aprisionada nos falsos ideais de felicidade vendidos pela
sociedade de consumo. Criança precisa de muito pouco para ser feliz: precisa de
olhar, de palavra, de escuta e de acolhimento.
Convoco então pais e cuidadores a inverter, nesse 12 de
Outubro, a lógica consumista dominante e a trocar o shopping pelo parque, o
brinquedo pelo afeto. O dia das crianças pode ser comemorado de outras formas.
Foi pensando nisso que o Instituto Alana teve a iniciativa, engajada e
divertida, de convidar pessoas de todo o país a organizar Feiras de Troca de
Brinquedos (em eventos simultâneos no sábado, 12 de Outubro), para gerar um
movimento nacional de transformação do olhar à relação da criança com o
consumo.
Uma Feira de Troca de Brinquedos é também uma boa
experiência para repensarmos a forma como nós, adultos, consumimos. São espaços
que convidam a outra socialização e ao exercício de desapego, e maneira de
colocarmos em prática a economia solidária e o consumo colaborativo. Nelas, as
crianças têm ainda a chance de exercitar a conquista por meio da negociação
entre pares. E o mais bacana é que na troca os objetos perdem seu valor
monetário – e ganham outros valores, simbólicos e afetivos.
Ao emprestar novos significados e usos a objetos antigos, ao
afirmar que as relações sociais e afetivas não precisam ser pautadas pela
compra, a experiência das Feiras de Troca torna-se enriquecedora para pais e
para filhos. Trocar pode, sem dúvida, ser bem mais divertido que comprar. Que
tal, então, se engajar nesse movimento para celebrar o dia das crianças de
forma mais humana e sustentável? No site do Alana estão disponíveis materiais
de apoio para ajudá-lo a organizar uma feira. Compartilhe a ideia e divirta-se!
Fonte: adital
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