"Um dos grandes avanços da Lei Maria da Penha é o
reconhecimento de que existe violência doméstica, tema que não era sequer
falado profundamente antes do advento da lei. Se ela funcionasse direito, seria
espetacular, mas ainda assim não seria suficiente - a mudança deve ser
cultural, estrutural, encarando o fato incontornável de que mulheres somos
gente".
Por Nádia Lapa
A situação é tão grave que a CPMI de Violência Contra a
Mulher previu, no relatório final, a inclusão do feminicídio como qualificadora
no crime de homicídio. Muitas vezes tratados pela imprensa como "crimes
passionais", 40% dos casos têm parceiros ou ex-parceiros como assassinos.
A porcentagem corrobora o achado por outra pesquisa divulgada recentemente e
sobre a qual falei aqui no blog, a percepção da sociedade sobre violência e assassinato
de mulheres, do Instituto Patrícia Galvão. Nela, 50% dos entrevistados
apontaram que o domicílio é o lugar no qual as mulheres se sentem mais
inseguras. Faz todo sentido, quando se junta os resultados das duas pesquisas.
Quem se sentiria confortável em casa, se o algoz mora lá?
A situação é grave e, não, não se mata por paixão, mas sim
por poder, controle. "Se ela não pode ser minha, não será de mais
ninguém", pensam - e agem - os criminosos. O Ipea apontou que não houve
diminuição dos números de feminicídio depois da vigência da Lei Maria da Penha.
Foi o suficiente para que a lei fosse criticada, como se a aplicação da mesma
ocorresse nos termos previstos.
Infelizmente não é. São recorrentes os casos em que as
mulheres registraram diversas ocorrências policiais contra ex-parceiros, mas
nada é feito. As medidas protetivas, que incluem a estipulação de distância
mínima entre agressor e vítima, tal qual os filmes americanos, não funcionam.
As casas de acolhimento não existem em número suficiente, e a mulher agredida
não tem para onde ir, sendo obrigada a permanecer junto ao agressor ou procurar
a família, cujo endereço o parceiro conhece bem. A Secretaria de Políticas para
as Mulheres da Presidência da República está construindo uma casa de passagem
em cada capital brasileira. Iniciativa ótima, mas como resolver o problema
oferecendo apenas 20 camas para cidades com milhões de habitantes?
Um dos grandes avanços da Lei Maria da Penha é o
reconhecimento de que existe violência doméstica, tema que não era sequer falado
profundamente antes do advento da lei. Se ela funcionasse direito, seria
espetacular, mas ainda assim não seria suficiente - a mudança deve ser
cultural, estrutural, encarando o fato incontornável de que mulheres somos
gente.
Um articulista da Folha, Hélio Schwarstman, atacou duramente
a Lei, aparentemente desconhecendo o fato de que as medidas protetivas não
funcionam porque "não há efetivo" para garantir a segurança das
mulheres já agredidas anteriormente. Ele também culpabiliza mulheres pela
própria agressão sofrida, e arremata com a desculpa de que os homens são mais
fortes, por isso matam mais.
Fico pensando na própria Maria da Penha, eletrocutada e
atingida por disparos de arma de fogo. Que tipo de força física é necessária
para empunhar uma arma? Não arranjemos desculpas. O que mata mulheres é a
misoginia, é a objetificação dos nossos corpos, a desumanização a que somos
submetidas a todo instante. Uma lei, por melhor que seja, não é capaz de mudar
a mentalidade e a cultura de um povo.
Fonte: Carta Capital
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