Os empresários Valbio Messias da Silva e sua esposa, Liamar
Dias de Almeida, com a filha adotiva
A criança, que foi retirada de casa aos dois meses, quando a
Vara da Infância e da Juventude comprovou os maus tratos sofridos pelos pais,
será devolvida aos pais biológicos. Ela viveu em um abrigo porque a família não
tinha condições de cuidá-la.
Depois de duas mudanças de lar, a pequena M. E., de 4 anos e
cinco meses, deverá passar por uma nova adaptação. Ela irá se despedir dos pais
adotivos e da irmã, de 12, e retornar para a casa de sua família biológica, com
quem conviveu por apenas dois meses. A decisão de deixar para trás o lar onde
ela mora há dois anos e meio vem da Justiça. Em sentença unânime, três
desembargadores da 7ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Minas Gerais
(TJMG) decidiram devolver a criança aos pais biológicos por julgar que eles
conseguiram reverter o quadro de maus-tratos constatado em 2009.
Foi nessa época que os pais biológicos de M. E. perderam não
somente a guarda da menina, mas também de outros seis filhos mais velhos. Estes
já retornaram para casa. Amanhã, as duas famílias se encontram na Vara da
Infância da Juventude de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte
(RMBH), onde moram, para definir como será a reaproximação de M. E com o
“antigo e novo lar”.
O caso polêmico, que se arrasta há quatro anos, divide
opiniões até mesmo entre magistrados. Em primeira instância, a ação de
destituição do poder familiar dos pais biológicos, proposta pelo Promotoria da
Infância e Juventude de Contagem, foi acatada pela Justiça em outubro do ano
passado. “Fiz o parecer levando em consideração que a menina não teve contato
algum com os pais biológicos e com base em laudos de assistentes sociais e
psicólogos que indicam a permanência com o guardião como mais adequada”,
explica o promotor da Infância e Juventude de Contagem, Manoel Luiz Ferreira de
Andrade.
No recurso impetrado pelos pais biológicos, a dona de casa
Maria da Penha Nunes e o mestre de obras Robson Ribeiro Assunção, réus no
processo, o TJMG reformou a decisão anterior.
Acolhimento
O acordão foi publicado em abril e no documento o relator do
processo, desembargador Belizário de Lacerda, argumenta que "o direito à
convivência familiar garante ao menor ser mantido na família de origem, cabendo
ao poder público promover ações para a sua proteção e prioritariamente manter
ou integrá-lo na família natural”. A colocação em família substituta, segundo o
texto, deve ser exceção e ocorrer somente diante da impossibilidade de criação
pela família biológica.
O desembargador levou em consideração ainda um parecer
técnico que comprova estar a família de origem apta a receber novamente os
filhos e a posição da Procuradoria Geral de Justiça, que alegou não haver
justificativa para apenas um filho ser afastado do acolhimento familiar. O
órgão garantiu ainda que o vínculo afetivo com a família substituta não era
determinante a ponto de causar traumas na menor com a ruptura daquela relação
adotiva.
A reversão no processo garantiu que a família biológica de
M. E. pudesse reaver a guarda da menina. Até então, ela estava com os pais
adotivos provisoriamente, enquanto corria o processo de adoção. Antes disso,
havia passado por um abrigo para crianças na cidade.
'Meus filhos são muito bem tratados. Ela não se acostumou
com a outra família? Por que não pode se acostumar com a gente também?'
- Maria
da Penha Nunes, dona de casa, com o marido Robson
Pais convivem com dor
e esperança
De lados opostos, as famílias divergem quanto ao tema.
Enquanto o alívio de ter a filha de volta enche de alegria os corações de Maria
da Penha e Robson, os empresários Valbio Messias da Silva, de 49, e Liamar Dias
de Almeida, de 47, sofrem em pensar que verão a filha partir. “Só nós sabemos o
quanto estamos sofrendo com isso. Minha filha está em minha casa e tem pai,
mãe, irmã, avós, tios, primos, cachorro e tudo aquilo que uma criança merece
ter. Aqui ela nunca foi maltratada e muito menos abandonada”, diz Valbio.
Ao lembrar da época em que a criança chegou à sua família,
Valbio conta que M. E. foi incluída de imediato no plano de saúde e na mesma
escola particular da outra filha. “Constituímos advogado e iniciamos o processo
de adoção”, diz o pai adotivo, que ingressou com um processo de destituição do
poder familiar, dessta vez por formação de laços afetivos e não mais por
maus-tratos, como o primeiro do MP. O documento foi indeferido em primeira
instância, mas a família deve ingressar com recurso.
Eles não concordam com a mudança de lar porque, além dos
fortes laços que criaram com a menina, acreditam que a inserção dela em uma
nova família vai gerar traumas psicológicos e emocionais na menina. “Temos
laudos de profissionais da Vara da Infância e da Juventude de Contagem que
recomendam não retirar a criança de nossa casa, que a saída irá trazer danos a
ela”, afirma o pai adotivo.
Reação
A mãe biológica da criança, no entanto, diz que hoje a sua
família está preparada para recebê-la M.E. Diferentemente da época em que a
menina foi retirada de casa, por denúncia de maus-tratos e abandono, os pais
têm perfeitas condições de criar a filha. “Apesar do pouco contato que tivemos
com a menina, sentimos muita falta dela nesse período e estamos muito felizes
de tê-la de volta”, diz a mãe.
Maria da Penha conta que quando os filhos foram levados para
o abrigo, ela estava com depressão, ficava nervosa e chorava muito. “Comecei o
tratamento e tudo mudou. Hoje, a realidade é outra. Meus filhos são muito bem
tratados. Ela não se acostumou com a outra família? Por que não pode se
acostumar com a gente também?”, diz. No recurso impetrado em segunda instância
este foi um dos fundamentos para requerer a guarda da criança, bem como o fato
de o pai ter deixado de beber, hábito comum à época.
A advogada do casal, Cinthya Marta de Andrade Rodrigues,
defende que a mudança de comportamento foi muito expressiva. “Eles permaneceram
abertos ao apoio psicológico tamanha era a vontade de ter os filhos de volta.
Hoje, todos estão inseridos em programas sociais e atividades esportivas, além
de terem todo o acompanhamento na escola”, afirma.
Lei confusa pode ser
mudada
No seu artigo 19, a nova Lei de Adoções – nº 12.010/2009
descreve que a manutenção ou reintegração da criança ou adolescente em sua
família terá preferência em relação a qualquer outra providência. Isso quer
dizer, segundo especialistas, que levar a criança, mesmo após passar por
processo de adoção, para os pais biológicos, avós ou tios é a prioridade no
Brasil.
Mas, na prática, o artigo gera críticas que já fazem o
Ministério da Justiça começar a elaborar um novo texto. O Instituto Brasileiro
de Direito de Família (IBDFam) entende que o que a lei rege hoje é um equívoco.
Segundo o advogado e presidente da instituição, Rodrigo da
Cunha Pereira, o que é bom para a criança é que deve ser considerado. No
semestre passado, segundo ele, o ministério convidou o IBDFam para discutir uma
proposta de alteração na lei. Quando o texto ficar pronto, ele deverá passar
pela análise da Câmara dos Deputados e do Senado. “A lei contém um equívoco
primário, que é privilegiar a família biológica.
O conceito de família para o direito e principalmente a
partir da psicanálise evoluiu muito. Já se mostrou que os laços de sangue não
são suficientes para garantir afeto, então o que interessa é que maternidade e
paternidade são funções muito além da biologia”, analisou Rodrigo da Cunha.
Vínculos
O presidente do instituto explica que alguns juízes já
entendem que o melhor para a criança é ficar com os pais adotivos, considerando
até mesmo um abandono anterior ao início do processo. Por outro lado, outros
podem seguir a lei à risca e mandar restabelecer os vínculos. O termo usado
atualmente é parentalidade socioafetiva, segundo Rodrigo da Cunha, que diz
respeito a um novo conceito jurídico de família. “Diante disso, são cada vez
mais raros casos de crianças que voltam para a família biológica porque o
direito está evoluindo nessa concepção de paternidade socioafetiva.”
Rodrigo considera uma violência contra a criança tirá-la da
família adotiva neste momento, após três anos de convivência. “Não existe um
tempo ideal para a guarda provisória, deveria ser um processo rápido, mas não
acontece. O problema é que o tempo da criança é diferente. É uma violência
tirá-la de lá, do lugar onde está ambientada há três anos”, afirmou.
Segundo a assessoria do juiz Marcos Padula, da Vara de
Infância e Juventude, as crianças só são devolvidas quando a guarda ainda é
provisória, mas em casos de sentenças de adoção com trânsito em julgado a
situação é definitiva.
Palavra de especialista: Wellerson Eduardo da Silva Corrêa,
defensor público, coordenador do Núcleo da Infância e da Juventude
Prioridade é o filho
No caso de perda da guarda dos filhos por maus-tratos ou
abandono, o mais comum é que os guardiões ganhem os processos de adoção e,
consequentemente, a proteção definitiva das crianças. Diante da impossibilidade
de comprovar a manutenção da família, os pais biológicos são submetidos a um
processo de destituição do poder familiar e perdem o direito de ficar com
filhos.
No entanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
trata como prioridade a manutenção e a reintegração da criança e do adolescente
à família de origem ou na família extensa, como avós, tios, ou parentes por
afetividade. Se houve o processo de reintegração é porque a Justiça entendeu
que a família tem condições de criar bem a menina e que essa era a melhor
medida a ser tomada.
Fonte: Estado de Minas
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