A “opção”, no Brasil, tem se encaminhado para uma ditadura
de cesáreas. Os últimos números são estarrecedores. A proporção de partos
cirúrgicos (cesarianas) no Sistema Único de Saúde (SUS) passou de 24% em 2000
para 38% em 2011. E nos hospitais privados? 82% !!!!!!!!
Por Ruth de Aquino
A opção pelo parto normal ou pela cesárea é um tema que
mobiliza profundamente as mulheres – mães ou ainda não. Tanto que o post de
Carmen Guerreiro – A luta pelo parto normal, sobre a peregrinação de sua irmã,
que queria evitar uma cirurgia ao dar à luz – foi um dos mais lidos no blog
desde nossa estreia, dia 5 de agosto.
Não é novidade. No Mulher 7x7, tivemos um “debate” espontâneo
entre nós, blogueiras, em 2011. Nada planejado. Decidi reproduzir aqui as duas
opiniões: a de Marcela Buscato, que ainda não teve filhos, e a minha, de mãe.
A “opção”, no Brasil, tem se encaminhado para uma ditadura
de cesáreas. Os últimos números são estarrecedores. A proporção de partos
cirúrgicos (cesarianas) no Sistema Único de Saúde (SUS) passou de 24% em 2000
para 38% em 2011. E nos hospitais privados? 82% !!!!!!!!
Sério, isso é um escândalo. A Organização Mundial da Saúde considera 15%
de cesáreas no total de partos o índice aceitável. No Brasil, a taxa (se
unirmos as redes pública e privada) é de 52%.
Uma pesquisadora da Riocruz diz que a cesariana, “que
deveria ser uma forma de resgatar vidas”, no Brasil está diretamente
relacionada à comodidade dos profissionais em agendar seus compromissos.
Infelizmente, não são só os médicos. As mães, por medo ou
também por comodidade, têm optado pela cesariana em grandes números antes mesmo
de engravidar. Ditadura nenhuma é boa: nem a do parto normal nem a da
cesariana. É preciso ter mais informação e menos mitos, criados para estimular
cirurgias.
Eis os dois depoimentos selecionados do Mulher 7x7,
publicados em novembro de 2011. Vamos sempre promover o debate, sem censura nem
patrulha.
Cresce número de mulheres com trauma pós-parto.
Por MARCELA BUSCATO, editora em ÉPOCA
Eu nunca tive filhos e nem estou em vias de ter um. Ainda
assim, sempre tive uma certeza: se um dia eu ficar grávida, vou fazer uma
cesariana. Brinco que não sou mulher suficiente para passar pelas dores de um
parto natural. Quero todas drogas a que tenho direito. E ansiosa ao cubo como
sou, não aguentaria a expectativa do “quando é que vai nascer?”. É melhor
marcar dia, hora e pronto. Sim, eu sei de todos os benefícios do parto natural:
diminui os riscos de complicações relacionadas a uma cirurgia, favorece o
contato entre mãe e filho e ainda propicia uma recuperação mais rápida para as
mães. Mas essa é a minha opinião desmiolada e egoísta, de quem ainda não é mãe,
tem medo de sentir dor e aflição de sair desesperada rumo ao hospital no meio
da noite – ou pior, em pleno trânsito engarrafado de São Paulo. Outro dia, li
uma reportagem no jornal britânico The Guardian que reforçou as minhas
convicções. Pelo menos, a princípio.
O jornal relatava que uma pesquisa do Liverpool Women’s
Hospital apontava que 40% mais pacientes pediram para fazer cesariana porque
tinham ficado traumatizadas após o parto natural do primeiro filho. Já há até
um nome para o fenômeno: estresse pós-traumático pós-parto. É como se fosse
estresse pós-traumático causado por um assalto, um acidente, uma guerra. Mas,
neste caso, o motivo é o sofrimento físico e emocional desencadeado pelo parto.
Um levantamento da Universidade Federal de Pernambuco, publicado no ano passado
no Jornal Brasileiro de Psiquiatria, aponta que entre 21,4% e 34% dos partos
podem ser classificados como complicados. E que até 6% das mulheres desenvolvem
o estresse pós-traumático pós-parto.
O trauma pode ser causado por dois motivos: a dor prolongada
e extrema durante o parto ou pela sensação da mãe de perder o controle da
situação, o que inclui o medo de que ela e o bebê morram. Os sintomas do
estresse pós-traumático pós-parto são muito semelhantes aos desencadeados pelos
outros tipos: a pessoa tem pesadelos recorrentes e revive a situação que gerou
o trauma em vários momentos do seu dia a dia. Em muitos casos, as mães se
recusam a engravidar novamente com medo do parto.
O estresse pós-traumático causado pelo parto ainda não é
muito conhecido – mesmo entre os médicos, que podem confundi-lo com depressão
pós-parto. Quem dirá, entre os leigos. Vamos confessar que não é difícil pensar
“mas que frescura, antes as mulheres davam a luz na roça, sozinhas, e não havia
nada dessa história de estresse pós-traumático”. O desconhecimento a respeito
dessa condição aumenta o sofrimento das mulheres, que se sentem culpadas por
sensações tão conflitantes em um dos momentos descritos pela sociedade como o
mais sublime da vida das mulheres.
Alguns especialistas afirmam que o aumento do número de
casos de estresse pós-traumático pós-parto é causado, ironicamente, pelos
avanços da medicina. As técnicas que facilitaram os nascimentos e diminuíram as
mortes maternas e os riscos de sequelas para os bebês causadas por complicações
no parto também aumentaram a expectativa das futuras mamães. A hipótese é que
atualmente seria mais aterrorizante para as mulheres presenciar qualquer
dificuldade durante o trabalho de parto do que antigamente.
Outro motivo por trás de muitos casos é a falta de tato da
equipe de médicos e enfermeiros, que no corre-corre dos hospitais e em meio ao
que é rotina – pelo menos, para eles – se esquecem de explicar para as mães os
procedimentos que serão realizados. Muitas pacientes acabam não se sentindo
envolvidas nas decisões a serem tomadas (romper a bolsa ou não, acelerar o
trabalho de parto, optar por uma cesariana). E essa sensação de perda de
controle ou de descaso, que pode levar ao estresse pós-traumático, não acontece
só nos casos de parto normal. Pode ocorrer durante a preparação para uma
cesariana ou mesmo durante a cirurgia, quando as mães são acordadas para
acompanhar o nascimento de seus bebês.
O modo de trazer um bebê ao mundo é um assunto quase
religioso: há aqueles que defendem sob toda e qualquer circunstância o parto
normal. E há quem não veja problemas em fazer uma cesariana. Por isso, o
importante é conversar com o médico para descobrir o que é mais indicado para o
seu caso – e isso inclui não só condições físicas, mas também aquilo que lhe
deixa mais segura. Em resumo, o que eu aprendi depois de fazer essa pesquisa
básica é que:
1) mulheres, é normal ter medo da hora do parto, não
precisamos ter vergonha;
2) o nascimento do seu filho pode não ser aquele momento de
glória suprema e inenarrável que todo mundo descreve. Você não é um E.T. se o
parto do seu bebê for mais complicado ou demorado do que o de outras mulheres
que você conhece;
3) exija que a equipe médica lhe dê todas as informações que
você quiser e não dispense a presença de um acompanhante. No Brasil, foi
sancionada uma lei em 2005 que obriga todos os hospitais do Sistema Único de
Saúde (SUS) ou conveniados a ele a permitir a presença de um acompanhante
durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. Por
isso, na dúvida, não grite só de dor, não.
A favor do parto normal. Quando for normal.
Por RUTH DE AQUINO
Adorei o texto da Marcela. Por ser corajoso, por revelar que
ela prefere cesárea, por confessar seus medos – por ela e pelo futuro neném.
Quis comentar. Mas, como tive dois filhos de parto normal, resolvi escrever um
post também. Eu poderia telefonar para alguns obstetras que dissessem o óbvio:
que o pós-parto normal é infinitamente menos traumático para a mãe do que o
pós-cesárea. É menos doloroso e a recuperação é mais rápida. Poderia
entrevistar alguns psicólogos que repetissem a sabedoria corriqueira: no parto
normal, a mãe participa ativamente e não simplesmente assiste a uma cirurgia
que retira o bebê de sua barriga. Os partos normais bem sucedidos tendem a dar
à mãe uma maior plenitude, exatamente o sentimento de controle tão almejado – e
raro.
Isso não quer dizer que eu seja contra a cesárea. Nem que
seja a favor do parto normal “a qualquer custo”.
Apenas não me parece razoável a decisão inflexível da mãe ou
do médico – a favor do parto normal ou da cesárea -, antes mesmo que se
apresentem as condições favoráveis a uma ou outra forma de dar à luz. É algo que
me soa fruto de falta (ou excesso) de informação. Ou simplesmente “trauma
pré-parto”. Por que decidir antes mesmo de engravidar? Não é por informação.
Mas por um medo natural. Ou por ouvir histórias positivas e negativas sobre as
duas formas de parir. Muitas vezes histórias mirabolantes, que nem correspondem
à verdade, mas a uma percepção subjetiva.
Nenhuma gravidez, nenhum parto é igual. Mas as contrações
são, sim, extremamente dolorosas. E a gente esquece porque a dor é o menos
importante neste momento.
Tive meu filho Bruno aos 27 anos. Trabalhei na redação até
dois dias antes. A bolsa arrebentou, fui para a maternidade de madrugada. Meu
médico era tão obcecado com a ideia de eu não sentir dor que me deu (a meu ver)
uma peridural um pouco forte demais. E o parto demorou mais tempo porque eu não
senti com a força prevista as contrações. O obstetra tinha que me dizer quando
fazer a força necessária – eu sentia, mas não muito. E toda a minha ioga e
preparação pré-parto ficaram talvez relegadas a segundo plano, diante de um
parto normal em que senti ter perdido um pouco o controle sobre minhas
sensações. O pai estava a meu lado. Bruno nasceu após algumas horas. E eu saí
da sala de parto já contra a anestesia peridural num parto relativamente
rápido.
Tive meu filho Pedro aos 32 anos. Aos nove meses de
gravidez, jogava frescobol na praia com meu novo companheiro. Fomos para casa,
passamos antes no supermercado, eu fiquei no carro porque me sentia cansada e
as contrações começaram. Mandei chamá-lo pelo alto falante. Seguimos direto
para a maternidade. Eu de biquini e areia e sal. Não deu tempo de quase nada.
Meu obstetra (já era outro, claro, mais afável e menos prepotente) estava fora
do Rio, eu chamei um colega dele por telefone, eu estava com seis centímetros
de dilatação, não deu tempo de o anestesista chegar, o pai estava ao lado do
médico vendo o bebê nascer e o ajudou a aparar o Pedro. Senti todas as
contrações. E foi um parto pra lá de normal. Os avós só souberam quando Pedro
estava a meu lado no quarto. Digamos que dei sorte (e ajudei um pouco com o
frescobol na praia – algo que meu pai considerou totalmente irresponsável da
minha parte).
Como eu poderia, antes mesmo de engravidar, decidir o rumo
da Natureza? Aliás, nem quis saber o sexo de nenhum dos filhos. Isso era mais
comum nos anos 1980. Nem eu nem os pais (o pai de cada um) sabíamos. Foi
surpresa, embora achasse que fossem meninos.
Já minha irmã, que teve seu primeiro filho na Inglaterra,
onde a política é “parto normal a qualquer custo”, sofreu mais de 12 horas de
contrações – e, ao fim de todo esse sacrifício, precisou fazer cesárea porque o
bebê tinha entrado em sofrimento. O segundo filho ela teve no Brasil. E quis
ter parto normal de qualquer jeito. Foi “normal” tecnicamente. Mas não foi. Porque
foi praticamente equivalente a uma cirurgia. O terceiro filho foi direto uma
cesárea. No caso dela, teria sido melhor poupá-la do sofrimento desde o
primeiro filho.
Por isso, não vou desfiar aqui estatísticas, nem opiniões de
especialistas, ou obstetras, ou psicólogos, ou estudos, ou pesquisas. Nem falar
sobre cicatrizes aqui ou ali. Alguma cicatriz sempre haverá.
Minha avó teve 23 filhos em casa. Era pobre. Numa época em
que mulheres nem podiam decidir quando engravidar, quanto mais como parir.
Hoje, comemoro a autodeterminação da mulher informada, a
escolha do momento, com quem e como. Acho bem estranha essa moda de
“parto-espetáculo” , com vídeos, plateias. Como também estranho a moda inversa
hoje em dia, do “parto na banheira de casa”. Mas, cada mãe é de um jeito, não
é?
De qualquer forma, opiniões pré-concebidas sobre o parto
normal ou cesárea não me parecem as melhores. A indústria da cesariana cria um
monte de paranoias. A obsessão pelo parto normal tampouco é a melhor
conselheira. Não há fracassos nessa hora. Não somos mais mães ou menos mães de
um jeito ou de outro.
Mas optar por cesárea na busca do “controle” – e assim
entregamos todo o “controle” a um cirurgião? A vida nos mostra os caminhos.
Nossos bebês podem ter uma vontade completamente diferente da nossa. Podem até
querer vir ao mundo antes do planejado por mamãe, papai e médico. E aí? Onde
ficam as nossas lindas e estudadas convicções?
Boa hora, Marcela (é assim que dizíamos antigamente). Seja
em que hora for.
Fonte: revista Época
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