“A maior parte das mulheres e adolescentes traficados
possuem de 15 a 17 anos, e de 22 a 24, sendo provenientes de periferias,
pertencentes a classes mais baixas e que possuem menos escolaridade. Em seu
país natal, inserem-se, normalmente, em atividades de baixa remuneração e alta
rotatividade, ou envolvidos (as) em prostituição antes de serem traficados (as)”.
Thales Leonardo de Carvalho
Resumo
O Tráfico de Seres Humanos (TSH) é um fenômeno que ocorre
desde o século passado e se apresenta especialmente problemático na América do
Sul. Constituindo-se como um dos maiores crimes transnacionais no mundo atual
(UNODC apud ONU, 2012), e uma das atividades criminosas mais lucrativas no
mundo, possui diversas causas, e sua solução é algo bastante difícil. Neste
artigo, procurar-se-á explorar algumas das causas, e demonstrar para onde são
levadas estas vítimas sul-americanas, tomando por base dois países locais:
Brasil e Colômbia.
Introdução
O Tráfico de Seres Humanos tem, cada vez mais, sido alvo da
atenção internacional, ao lado do tráfico de drogas e de armas, tendo em vista
sua caracterização como crime transnacional, e a dificuldade de sua contenção.
Embora muitos países adotem medidas em relação a seu combate- nem sempre na
mesma intensidade – o problema ainda persiste, tornando-se alvo da comunidade
internacional(U.S. DEPARTMENT OF STATE, 2013). Segundo o UNODC apud ONU (2012),
existem hoje 2,4 milhões de vítimas do tráfico ao redor do mundo, em uma
atividade que rende 32 bilhões de dólares anualmente. O TSH só perde para o
tráfico de drogas e de armas, em relação às atividades criminosas mais
lucrativas do mundo.
Nesse contexto, o Escritório das Nações Unidas para Drogas e
Crimes (UNODC) é o órgão internacional mais próximo do combate ao tráfico. No
âmbito de tal instituição, já se têm inclusive convenções assinadas, como a
Convenção de Palermo[1] que prevê, de forma bem sintética, a forte condenação
ao tráfico, apresentando formas de conter a expansão do TSH, como o controle de
migração, campanhas internas de informação, trabalho conjunto com ONG’s,
reforço de policiamento interno e etc. Em relação aos já traficados, a
convenção propõe que os Estados devem acolher e prestar assistência, bem como
dar abrigo às vítimas. Os Estados de origem devem facilitar o retorno das
mesmas ao país natal. Todos os Estados devem, ainda, se esforçar na prevenção e
no combate ao tráfico, visando controlar sua expansão (UNODC, 2003). Estas
medidas são consideradas padrões mínimos para se avaliar a ação de um país no
combate ao tráfico.
Na América do Sul, foco de estudo deste artigo, o problema
persiste, e suas causas ainda são diversas. Seu combate é algo difícil, tendo
em vista a quantidade de atores, setores e causas envolvidos. Procurar-se-á
aqui explorar alguma destas causas, e demonstrar para onde são levadas as
vítimas de tal atividade criminosa na região.
O conceito de tráfico
humano
Antes de analisar o fenômeno, deve-se entender claramente do
que está sendo falado – o conceito de tráfico de seres humanos. O conceito de
maior aceitação é o adotado pelo UNODC. Segundo o Escritório, o tráfico seria
caracterizado como
“recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou
recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de
coerção, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de
vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o
consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito
de exploração” (UNODC, 2013).
O processo seria dividido em três partes: O que (1), como
(2) e para que é feito (3). A primeira pergunta (1) seria respondida ao se
dizer que é o recrutamento, transporte, transferência, alojamento e/ou
acolhimento de um indivíduo, de modo que (2) se utiliza da força, do abuso de
poder ou do engano da vítima para (3) obter controle sobre a mesma, e conseguir
explorá-la, submetendo-a comumente à situação de escravidão, sendo para fins
sexuais ou laborais (trabalho forçado) (UNODC, 2013).
A situação na América
do Sul
A América do Sul, em especial Colômbia e Brasil, sofrem com
o tráfico humano, por serem grandes fontes de vítimas (U.S. STATE DEPARTMENT,
2012). Embora os dois países se destaquem como tal, ambos também são área de
trânsito e destino das mesmas, tendo em vista que há grande possibilidade de exploração
das vítimas dentro de seus respectivos territórios (U.S. STATE DEPARTMENT,
2012). Vale lembrar que, em relação ao combate ao TSH, o governo colombiano
atende aos padrões mínimos estabelecidos pela Convenção de Palermo, enquanto o
governo brasileiro não o faz, mas tem realizado esforços para atingir tais
objetivos, considerando o que está estipulado na Convenção (U.S. STATE
DEPARTMENT, 2012). É válido levar em conta também que estes dois países
apresentam características em comum, muitas delas também compartilhadas pelos
demais países latino-americanos: são ex-colônias europeias, hoje países em
desenvolvimento, nos quais as condições de vida nem sempre são boas.
Para pensar o porquê de tantas vítimas saírem destes países,
deve-se primeiro entender o perfil destas pessoas. Segundo Maria Lúcia Leal e
Maria de Fátima Leal (2006), no caso do Brasil, a maior parte das mulheres e
adolescentes traficados possuem de 15 a 17 anos, e de 22 a 24, sendo
provenientes de periferias, pertencentes a classes mais baixas e que possuem
menos escolaridade. Em seu país natal, inserem-se, normalmente, em atividades
de baixa remuneração e alta rotatividade, ou envolvidos (as) em prostituição
antes de serem traficados (as). Em grande parte das vezes, as vítimas também já
sofreram algum tipo de violência intrafamiliar, como estupro, abandono e etc.
No caso da Colômbia, o país é o oitavo colocado na
classificação do coeficiente Gini (CIA, 2013). Observa-se, consequentemente,
que há uma alto índice de população de baixa renda. Ao analisar-se sua pirâmide
etária, percebem-se aproximadamente 8 milhões de indivíduos entre as faixa de
idade mencionadas acima (CIA, 2013). Já no caso do Brasil, o país é o décimo
sétimo colocado no ranking do coeficiente Gini e mais de 30 milhões de
indivíduos entre as idades mencionadas (CIA, 2013). Não se entrará, aqui, em análises
mais profundas sobre as condições socioeconômicas locais, cabendo apenas dizer
que, analisando-se os dois critérios mencionados, os dois países possuem grande
parte da população dentro do perfil dos traficados, tornando-se potenciais
novas vítimas.
Percebe-se aqui uma das potenciais explicações para a grande
ocorrência de tráfico humano no local: as condições socioeconômicas influenciam
em grande parte dos casos de traficados. Leve-se em conta, de maneira
complementar a isso, o fato de países europeus (onde a maioria da população não
atende ao perfil acima descrito) não originarem tantos traficados,
caracterizando-se normalmente como destinos, e não fontes de traficados.
Destino dos
traficados e a questão da migração
Depois de aliciadas em seus países, as vítimas são,
normalmente, levadas a outros países, onde serão forçadas a exercer as
atividades que os traficantes lhes determinarem. Usualmente, os indivíduos são
levados para a Europa ou escravizados dentro da própria América (U.S. STATE
DEPARTMENT, 2012). No caso do Brasil, o mais comum é o encaminhamento das
vítimas para a Europa, ou para os vizinhos do norte, onde é bastante necessária
a mão-de-obra barata (Guiana e Suriname); no caso da Colômbia, o mais usual é a
exploração das vítimas na América do Norte, no Caribe e na Europa, grandes
pontos que atraem visitantes – inclusive aqueles que buscam o turismo sexual
(U.S. STATE DEPARTMENT, 2012). Nestes países, são forçadas a trabalhar nas mais
diversas áreas (como agricultura, por exemplo) ou a se prostituir.
Observa-se o fato de que, por serem levadas para outros
países, as vítimas do tráfico caracterizam-se como migrantes. Muitas vezes as
vítimas resgatadas recebem tratamento de migrantes ilegais (UNODC apud
CARVALHO, 2013), que serão identificadas como vítimas somente quando cooperam
com as investigações. Pode-se concluir, assim, que os países aqui explorados
são “exportadores” de vítimas traficadas, e que existem mercados, normalmente
em países turísticos (como são os do Caribe ou da Europa) que demandam tais
indivíduos. Conclui-se, também, que o tráfico de seres humanos possui ligação
com a migração ilegal, e que deve ser um ponto de análise, juntamente ao
entendimento da situação de cada país.
Considerações finais
Após a análise das informações expostas nesse texto,
podem-se tirar algumas conclusões. Em primeiro lugar, utilizando Brasil e
Colômbia como referência dentro do contexto sul-americano, percebe-se a
influência das condições socioeconômicas da população no tráfico de seres humanos – quanto piores
as condições, maiores os índices de tráfico. Consequentemente, uma medida de
combate a este crime deveria passar por melhorias em tais condições, bem como
por campanhas educacionais, orientando a população sobre a forma de ação dos
aliciadores, e sobre os perigos a qual se submeterão. O TSH seria, também, um
problema social, e da economia de tais Estados, e não somente relacionado à
criminalidade.
Outro ponto importante percebido é a grande influência da
imigração dentro do TSH, tendo em vista que um indivíduo traficado é também um
migrante, que muitas vezes chegou ao país onde é resgatado de forma ilegal.
Vale lembrar que tais indivíduos nem sempre entram ilegalmente nos países de
destino contra sua vontade; só descobrem em território estrangeiro a armadilha
em que caíram. Assim, um maior controle de imigração faz-se, também, necessário
como solução do tráfico, aliado a várias outras medidas, tal como previsto no
Protocolo de Palermo.
Referências
CARVALHO, Thales Leonardo. O papel da imigração no contexto
do tráfico de pessoas. Disponível em: <
http://14minionuunodc.wordpress.com/category/unodc-trafico-de-pessoas/>.
Acesso em 23 de agosto de 2013.
CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY (CIA). The World
Factbook.Disponível em: Acesso em 20 de agosto de 2013.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Uma
análise das condições de vida da população brasileira 2012. Disponível em:
LEAL, Maria L. P.; LEAL, Maria de F. P. Tráfico de mulheres,
crianças e adolescentes para fins de exploração sexual comercial: um fenômeno
transnacional. Saúde e direitos humanos, ano 3, n. 3. Brasília: Editora do
Ministério da Saúde, 2006.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). UN Senior officials urge countries to boost
their efforts to combat human trafficking. In: UN News Centre. Disponível em:
Acesso em 4 de setembro de 2013.
UNODC. Tráfico de pessoas e contrabando de migrantes.
Disponível em:
UNODC. Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas
contra a Criminalidade Organizada Transnacional relativo à Prevenção, Repressão
e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças.
U.S. STATE
DEPARTMENT.Trafficking in persons report 2012.Disponível em:
Junho
de 2012. Acesso em 19 de agosto de 2013.
Fonte: www.pucminasconjuntura.wordpress.com
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