sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Eu nunca vi

Eu nunca vi um papa
Pegar o avião carregando uma maleta.
Preso num engarrafamento dentro de um Fiat com uma multidão ao redor,
manter o vidro do carro abaixado para estender a mão e tocar as pessoas.
Entrando no meio da multidão,...


Por Cláudio Pfeil*

Antes de Francisco eu nunca tinha visto um papa assim
Eu nunca vi um papa
pegar o avião carregando uma maleta.
Preso num engarrafamento dentro de um Fiat com uma multidão ao redor,
manter o vidro do carro abaixado para estender a mão e tocar as pessoas.
Entrando no meio da multidão,
deixar a segurança tonta.
Dizer que, ou a gente faz a viagem com comunicação humana como deve ser, ou não faz.
Dizer que comunicação pela metade não faz bem.
Dizer como é bom ser bem acolhido.
Abraçar em vez de dar a mão para beijar.
Tocar o ombro do motorista pedindo para o papamóvel parar,
descer de repente do papamóvel.
Trocar o solidéu por outro que um fiel lhe estendeu de presente.

Eu nunca vi um Papa...
afagar criança com ternura sem que seja para aparecer na foto.
Ser chamado de fofo até por não católicos ou ateus.
Reunir no frio e na chuva uma multidão maior do que Réveillon ou Carnaval.
Sempre alegre e bem-humorado.
Falar tantas vezes a palavra alegria com alegria.
Que não fala em pecado.
Um papa a quem eu confiaria um segredo.
Falar pouco e dizer muito.
Que dá vontade de ouvir o que ele diz.
Perguntar: estão me entendendo?
Dizer coisas que todo mundo entende.
Não dar uma de sabichão, autoridade, dono da verdade.
Dizer que os mais pobres são os que mais praticam a generosidade.
Dizer que sempre é possível botar mais água no feijão.
Dizer que a palavra solidariedade incomoda muita gente, parece um palavrão.
Dizer que a ação vale mais do que a palavra.
Não dar muita trela para os governantes.
Falar claramente dos governantes.
Dizer que não adianta tentar pacificar a periferia se ela é abandona pela sociedade.
Dizer que a medida da grandeza de uma sociedade reside no modo como ela trata os mais pobres.
Dizer que a realidade pode mudar.

Eu nunca vi um Papa...
mandar os padres saírem da paróquia e ir para as ruas, para as periferias, trabalhar para os pobres.
Exaltar o entusiasmo e a criatividade.
Brincar que aceitaria um copo d´água, um cafezinho, cachaça não.
Fazer piada.
Dizer que Deus é brasileiro.
Sugerir oferecer uma dúzia de ovos a Santa Clara para parar de chover.
Dizer quem sou eu para julgar.
Pedir para rezar por ele.
Dizer que padre apegado ao dinheiro é uma ofensa ao povo.
Dizer que padre precisa ter carro, mas não carro de luxo.
Dizer que o povo exige simplicidade e despojamento de pessoas consagradas.
Falar de sacerdotes corruptos.
Dizer que sacerdote que age mal merece punição.
Dizer que não consegue viver só: solidão faz mal a ele.
Dizer que precisa de contato com pessoas diferentes.
Dizer que é preciso ouvir os jovens.
Dizer que não conhece mãe por correspondência: mãe acaricia, toca, beija, cuida, alimenta, ama.
Dizer que uma Igreja distante das pessoas é como uma mãe que se comunica com seu filho por carta.
Dizer que a Igreja precisa sempre ser reformada: coisas que serviam em outras épocas, agora não servem mais.
Dizer que a Igreja tem que ser dinâmica e responder às coisas da vida.

Eu nunca vi um Papa...
dizer que às vezes a experiência da vida é um freio.
Dizer que os jovens não devem ser manipulados.
Dizer que tem muita gente querendo manipular os jovens.
Dizer que manipulação é um perigo.
Usar a expressão feroz idolatria do dinheiro.
Dizer que quem manda hoje é o dinheiro.
Dizer que para sustentar esse modelo há uma política de exclusão de jovens e idosos:
eles não produzem, não servem para nada.
Dizer que o jovem e o velho estão no mesmo barco.
Dizer que criança morrendo de fome e sem educação, mendigos morrendo de frio no inverno,
gente doente sem acesso a tratamento, nada disso é notícia.
Dizer que quando as Bolsas das principais capitais perdem três ou quatro pontos
isso é tratado como uma grande catástrofe mundial.
Falar do humanismo desumano que estamos vivendo
Dizer que é preciso defender uma realidade humana, valores éticos.
Dizer que cada religião tem suas próprias crenças e que é preciso respeitar a fé de cada um.
Falar que não interessa ficar brigando por questões de fé, o que interessa é que todos se juntem para acabar com o sofrimento.
Dizer que se tem uma criança com fome e sem educação, o que importa é
que ela deixe de ter fome e tenha educação.
Dizer que ninguém pode dormir tranquilo enquanto isso existir.
Falar de construir uma vida feliz.
Dizer que vai sentir saudade.
Dizer que já está sentindo saudade.
Eu nunca vi. antes de Francisco.



*Claudio Pfeil é um brasileiro vivendo em Paris
Fonte: Dom Total

Nenhum comentário: