Nós, hoje, que reescutamos esta narração de Lucas, somos
interpelados/as pelos sentimentos, palavras e gestos de Jesus diante do
sofrimento humano estampado nas páginas dos jornais e nas telas da televisão ou
nas tragédias que acontecem perto de nós. Sua atitude nos ajuda a descobrir que
nosso nível de humanidade é terrivelmente baixo. A dor dos outros produz em mim
a mesma compaixão?
por Kátia Rejane Sassi*
O texto da ressurreição do filho da viúva de Naim (Lc
7,11-17) só se encontra no evangelho de Lucas. Em seu ministério pela Galileia,
Jesus se aproxima de uma pequena aldeia chamada Naim, próxima de Nazaré, onde
se depara com uma cena comovente.
Vida x morte: dois
cortejos se encontram
O evangelista Lucas relata dois cortejos, duas procissões
que se encontram na entrada da aldeia de Naim.
De um lado, o cortejo de morte, dos sem esperança, que sai
da cidade: uma grande multidão acompanha a mãe viúva que leva seu filho único
para ser sepultado. Naquele tempo, os cadáveres eram considerados impuros e,
por isso, eram enterrados fora dos muros das cidades judaicas.
Do outro lado, o cortejo da vida que entra na cidade: Jesus
é acompanhado de seus discípulos e também de uma grande multidão. Lucas emprega
pela primeira vez o título de "Senhor", indicando que ele é o Cristo,
o Senhor da Vida.
As lágrimas de uma
mãe viúva
Na cena descrita por Lucas aparece uma mulher mãe e viúva.
Naquele tempo, sua situação social como mulher viúva era muito difícil.
Falecido o marido, ela ficava sob a proteção dos filhos e, não tendo estes,
encontrava-se à mercê da própria sorte. O evangelho nos diz que o jovem
falecido era filho único desta viúva (Lucas 7,12). Portanto, agora dependia da
boa vontade dos seus vizinhos. Esta mulher estava sozinha no mundo.
Esta mãe e viúva encontrava-se num grande sofrimento, pois
além de perder seu esposo perde também seu filho amado que constituía a única
herança que tinha. Logo, enterraria sua única razão de viver. Sem nenhuma
palavra, as lágrimas falam... A dor inconsolável das perdas e seu lamento
profundo chegam até o coração misericordioso de Jesus, o Senhor da Vida.
Jesus vê e tem
compaixão
Jesus olha, contempla a situação de sofrimento e presta
atenção na mãe viúva desamparada que acaba de perder seu único filho. Vê a
angústia daquelas pessoas com quem se cruza ocasionalmente. O Senhor da Vida
não é insensível e indiferente à dor humana, não passa ao lado, não se afasta.
Diferentemente de outros relatos de milagres e de pedidos de
pais por seus filhos, aqui, ninguém pede a ajuda de Jesus. Seu olhar é cheio de
ternura, sente-se tocado pela situação, toma a iniciativa diante das lágrimas
de tristeza da mãe de Naim, movido pela compaixão. Em Jesus, o Deus libertador
do êxodo está entranhado na história do seu povo: "Eu vi a aflição de meu
povo... Ouvi os seus clamores... Conheço os seus sofrimentos... Desci para
libertar..." (Êxodo 3,7-8).
Jesus se compadece da viúva e de tantas pessoas cansadas,
aflitas, enfermas e marginalizadas. Ele sente, sofre, assume a dor da mãe de
Naim. E a compaixão entra em ação. Jesus se dirige à mulher que chorava e lhe
diz apenas duas palavras de consolo: "Não chores!" Isso revela que
havia uma esperança para aquela mulher e sua situação. Não vai mais existir
motivo para essas lágrimas e essa dor.
Jesus se aproxima e
suas palavras e gestos restituem a vida
A compaixão leva Jesus a falar e a agir. O Senhor da Vida se
aproxima e, decidido, toca o esquife (caixão) e "os que o levavam
pararam" (Lucas 7,14). Jesus se envolve com os dramas humanos e não tem
receio de tocar algo impuro. Ele transgride o tabu religioso sobre a impureza
legal de um cadáver (cf. Números 19,11.16). Para Jesus, a vida está acima de
todo legalismo.
Com suas palavras, ele ordena ao jovem que se levante.
"Levantar" é um dos verbos em grego para "ressuscitar".
Jesus transforma as realidades de morte. Lucas acrescenta que o que estivera
morto passou a falar. Restitui a vida e a palavra ao jovem. Num gesto de
ternura, Jesus entregou à mãe de Naim seu precioso filho. Jesus não só chama o
filho à vida, como também restitui a vida, a situação social desta mulher
viúva.
Testemunho: Deus
visitou o seu povo
A reação da multidão é de espanto e admiração que reconhece
a ação salvífica de Deus: "Um grande profeta apareceu entre nós e Deus
visitou seu povo" (Lucas 7,16). É o próprio Deus que visita seu povo; não
mais através de profetas, mas ele mesmo que, assumindo a condição humana, vem
nos trazer a libertação e a alegria. É o "Pai dos órfãos e o protetor das
viúvas" (Salmo 68,6). Como Senhor da Vida e vencedor da morte, inaugura o
tempo novo de esperança para todos os que creem.
E nós, hoje, que reescutamos esta narração de Lucas, somos
interpelados/as pelos sentimentos, palavras e gestos de Jesus diante do
sofrimento humano estampado nas páginas dos jornais e nas telas da televisão ou
nas tragédias que acontecem perto de nós. Sua atitude nos ajuda a descobrir que
nosso nível de humanidade é terrivelmente baixo. A dor dos outros produz em mim
a mesma compaixão? Quando Jesus vê uma mãe chorando a morte de seu filho único,
aproxima-se de sua dor como irmão, amigo, semeador de alegria e de vida. Que
nossa presença junto aos pequenos, desamparados e sem esperança possa
testemunhar: "Deus visitou o seu povo!".
*Kátia Rejane Sassi é religiosa da Congregação das Irmãs de
São José de Chambéry. Teóloga, especialista em Assessoria Bíblica - DABAR -
mestranda em Teologia Bíblica pelas Faculdades EST. Atualmente é professora e
coordenadora do Curso Básico de Formação na ESTEF - Escola Superior de Teologia
e Espiritualidade Franciscana.
Fonte: Cebi
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