O texto para este domingo da Páscoa é a parte final do
discurso de despedida de Jesus antes da sua paixão. É interessante que acabamos
lendo e meditando este discurso no tempo no qual celebramos a Páscoa, a
ressurreição de Jesus, sua vitória definitiva contra a morte. Este discurso de
despedida começa no capítulo 13, depois da prática do lava-pés e continua nos
capítulos 15-17.
Por Maria Soave Buscemi
Jesus se despede de seus discípulos e suas discípulas, mas,
ao mesmo tempo, diz para a comunidade do seguimento o que devem fazer na espera
de seu retorno. Nós também somos a comunidade do seguimento de Jesus que escuta
esta palavra hoje.
Na primeira parte do discurso de despedida Jesus nos indica
o caminho que conduz a Deus que é Pai e Mãe. Na segunda parte do discurso Jesus
fala da comunhão dele com sua comunidade. Na terceira parte deste capítulo 14
do Quarto Evangelho Jesus fala de sua partida e do dom da paz.
No discurso de adeus para os discípulos e as discípulas
Jesus assegura que um dia estaria voltando. Agora percebemos que Jesus não fala
mais para aquele grupo de discípulos e discípulas presentes na ceia, mas fala
para a comunidade do Quarto Evangelho e para cada um e cada uma de nós hoje,
partilhando de que forma podemos nos alegrar com a presença de Jesus neste
tempo de separação.
Somos pessoas chamadas ao discipulado do Filho que é Jesus
para entrar em comunhão com Ele. Existe uma relação de amor que une a discípula
e o discípulo ao Filho Jesus, e o Pai e o Filho aos discípulos. Se estamos na caminhada do discipulado de Jesus na
construção do seu Reino, Jesus faz morada conosco e com Ele o Pai porque são uma
só pessoa.
Morada é uma palavra repleta de sentido. No primeiro
testamento morada por excelência era o Templo de Jerusalém (Sal 121,1;
131,3-14; Is 6; 60). Jesus, o Verbo de Deus pela sua Encarnação, cumpriu a
promessa da Presença de Deus no meio da humanidade. Para o Quarto Evangelho a
morada definitiva do Pai é a comunidade do seguimento do Filho.
Judas Tadeu pediu para Jesus: "Senhor, porque te
manifestarás a nós e não ao mundo?" Jesus responde agora a esta pergunta:
o mundo são aquelas pessoas que recusam a proposta de Jesus e, com esta recusam
a pessoa de Deus Pai. A presença do Filho e do Pai está estritamente ligada à
escuta e à prática da Palavra de Jesus que é a palavra do Pai. Jesus diz para a
comunidade do seu discipulado que virá o Espírito Santo Consolador que o Pai
enviará em nome de Jesus.
O Pai, o Filho e o Espírito são a mesma Pessoa no Amor. O
Espírito Santo será quem ensinará e fará recordar. Ensinar, na Bíblia este
verbo significa muitas vezes interpretar autenticamente as Escrituras e
atualizá-las no tempo presente. Porém, no Evangelho de João existe uma
novidade: o Espírito Santo Consolador ensinará, não só as Escrituras, mas a
Verdade, tudo o que Jesus comunicou ao Pai, a mesma Pessoa de Jesus e do Pai! O
Espírito Santo não só ensina, a Divina Ruah, faz recordar, faz voltar ao
coração o profundo sentido de cada acontecimento à luz da vitória da
Ressurreição sobre todo forma de morte.
Esta experiência de conseguir interpretar não só o tempo
passado mas o presente não é dom para uma pessoa, mas para uma comunidade. O
Espírito Santo, a Divina Ruah, faz da comunidade o lugar privilegiado da
revelação da pessoa do Pai em Jesus.
Ao término de seu discurso, Jesus volta a falar ao tempo
presente para a comunidade dos discípulos e das discípulas que irão vivenciar
sua paixão e morte. Para esta comunidade é a Paz de Jesus. O texto do Evangelho
não está falando aqui do dom da paz, da tranquilidade ou da ausência de
conflitos. Jesus não deseja a paz, ele doa a sua Paz.
A Paz de Jesus é a presença do Pai no Filho! Sabemos que
também de "pax" de paz falava o império romano. Esta "pax"
era fruto de opressão, de violência e de impostos que tiravam toda a vida do
povo, sobretudo dos mais empobrecidos. A comunidade do evangelho de João
insiste em dizer que a paz na pessoa de Jesus e no seu projeto que é o Reino
nunca vai ser a paz do mundo dos opressores! Mas a certeza de estar no Filho e
no Pai no ensino e na recordação do Espírito Santo Consolador faz com que a
comunidade não tema nenhum tipo de violência e perseguição.
A comunidade do Quarto Evangelho nos diz que a partida e a
nova vinda de Jesus na ressurreição são duas facetas do mesmo acontecimento.
Para a comunidade do Quarto Evangelho é importante fazer esta memória de Jesus
para que a comunidade pudesse compreender a paixão de Jesus no seu sentido
pleno e não como uma derrota, como uma traição por parte de Deus.
Maria Soave Buscemi é biblista do CEBI.
Fonte: Cebi
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