Baependi, no sul de Minas, receberá no sábado mais de 40 mil
visitantes - o dobro de sua população - para a beatificação de Nhá Chica, que
se notabilizou no século XIX pela vida de oração e dedicação à caridade.
Analfabeta e muito pobre, recebia diariamente em casa dezenas de pessoas
pedindo orações para obter graças e milagres, por intercessão da Imaculada
Conceição.
Neta de escrava, filha de ex-escrava e de pai desconhecido,
Francisca de Paula de Jesus nasceu em 1810 em Santo Antônio do Rio das Mortes
Pequeno, distrito de São João del Rey (MG). Morreu em 1895 em Baependi, onde
viveu por mais de 80 anos e onde será beatificada às 15 horas do dia 4 em
cerimônia presidida pelo cardeal Angelo Amato, prefeito da Congregação para a
Causa dos Santos, representando o papa Francisco.
A prefeitura de Baependi montou um esquema especial. O
centro da cidade será fechado ao trânsito e linhas de ônibus especiais farão o
transporte a partir de localidades vizinhas. Voluntários estão sendo treinados
para orientar visitantes. A cerimônia se iniciará com missa solene num espaço
de 55 mil m² de uma antiga beneficiadora de pedras.
A beneficiária do milagre aceito pelo Vaticano - a
professora Ana Lúcia Meireles Leite, de Caxambu - vai acompanhar a cerimônia.
Ela tinha um defeito no coração, comprovado por exames médicos, e deveria fazer
uma cirurgia, que foi adiada por estar com febre alta. Posteriormente, novos
exames constataram que não existia mais o problema. Uma comissão médica da
Congregação para as Causas dos Santos declarou, em outubro de 2011, que a cura
não tinha explicação científica.
Os restos mortais de Nhá Chica estão guardados numa urna de
acrílico, dentro de outra de granito, no Santuário de Nossa Senhora da
Conceição em Baependi. O túmulo onde estava foi aberto para exumação em 18 de
junho de 1998 - 103 anos após sua morte. Já estava em andamento o processo de
beatificação, iniciado em 1989. A Congregação para a Causa dos Santos deu
parecer favorável sobre as virtudes da futura beata em junho de 2010 e em junho
de 2012 reconheceu a autenticidade de um milagre atribuído à sua intercessão.
Vida de devoção
Nhá Chica viveu em Baependi com a mãe, Izabel Maria, e o
irmão, Teotônio. Era uma "moreninha clara, olhos verde-gaios, jovial,
dengosa, um encanto de criança, alegre e comunicativa", conforme relato de
monsenhor Lefort, citado pela pesquisadora Rita Elisa Seda na biografia Mãe dos
Pobres - Nhá Chica, lançada em março pela editora Comdeus - Servos da
Imaculada.
A avó de Nhá Chica, uma africana trazida de Angola num navio
negreiro em 1725, ficou conhecida como Rosa de Benguela. Tratada torpemente aos
14 anos pelo seu "amo e senhor", como registrou em manuscrito, foi
vendida e levada do Rio para Minas, onde morou no Inficionado, a 12 km de
Mariana. Cativa na Fazenda Cata Preta, viveu 15 anos na prostituição. Aos 30,
doente, resolveu mudar de vida. Vendeu os poucos bens que tinha, distribuiu o
dinheiro aos pobres e começou a participar de ofícios e liturgias nas igrejas
da região. Sua filha Izabel Maria, a mãe de Nhá Chica, foi alforriada. Mulher
piedosa, pediu a Francisca que não se casasse para dedicar a vida à caridade.
Foi em Baependi, cidade de 18.307mil habitantes pelo Censo
de 2010, que Francisca cresceu e viveu numa casa de quatro cômodos até 1895,
quando morreu. Tinha 85 anos - ou 90, ou 82, segundo dados contraditórios dos
registros de nascimento e óbito. Ficou quatro dias insepulta, mas o corpo não
se decompôs. "Seu corpo não exalava mau cheiro, mas um suave perfume de
rosas", escreveu d. Diamantino Prata de Carvalho, bispo da Diocese de
Campanha, no livro de Rita Elisa.
Seis anos mais velho, Teotônio estudou e ocupou cargos
públicos de prestígio. Insistia para a irmã morar com ele, mas Nhá Chica sempre
recusou. Obediente à recomendação da mãe, vivia celibatária cultivando
verduras, frutas e flores e rezando muito. Com esmolas e ajuda do povo, mandou
construir uma capela que ficou conhecida como igreja de Nhá Chica.
A menina nunca foi à escola. Viveu e morreu analfabeta.
Lamentava não poder ler a Bíblia, da qual decorava trechos e recitava de cor
nas orações. Rezava diante de uma pequena imagem da Imaculada Conceição,
retirando-se para junto dela no quarto, enquanto pessoas que recorriam às suas
preces aguardavam na sala.
A piedosa literatura que conta sua história registra casos
de premonição, curas, localização de parentes e animais, encaminhamento de
noivados e casamentos. "Sou apenas uma pobre analfabeta, mas rezo com fé,
peço a Deus e Ele me atende pelos méritos de sua Mãe santíssima", dizia.
Fonte: Estado de S. Paulo
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