terça-feira, 30 de abril de 2013

Elas viram o amor se transformar em medo


Ana* é uma sobrevivente. Seu companheiro a agrediu duas vezes. A primeira, com socos e pontapés. A segunda, arrastando-a pelos cabelos aos três meses de gestação, pelas ruas do bairro Santa Rita, em Vila Velha.

Ela foi salva por uma viatura da polícia que passava pelo local na hora. Aos 30 anos, quatro filhos, desempregada, Ana é o retrato de uma violência sem testemunhas e que marca vidas. Para ela, se não fosse a intervenção policial, apanharia até morrer.
São 17 horas de uma quarta-feira quando ela chega escoltada por policiais militares à Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), em Vitória, para registrar queixa contra o agressor. Chorando e com o rosto todo marcado, diz que se polícia não tivesse aparecido teria sido morta. Por ciúmes. “Estava conversando com amigos na pracinha do bairro e ele chegou gritando, porque tem ciúmes de mim. Estava alcoolizado e me deu chutes e tapas na cara, em nenhum momento pensou no filho que está na barriga. Tenho medo de morrer depois que ele for solto”, diz a vítima.

Ana acredita que escapou por pouco de engrossar as estatísticas de mulheres assassinadas pelos maridos, companheiros ou namorados. Segundo o Mapa da Violência de 2012 do Ministério da Justiça, realizado pelo Centro Brasileiro de Estados Latino-americanos (Cebela) e pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso), nos últimos 30 anos foram assassinadas no país mais de 92 mil mulheres, sendo 43,7 mil só na última década. Entre 87 países, o Brasil é o 7º que mais mata. São 4,6 assassinatos em cada grupo de 100 mil mulheres.

O Estado mais violento é o Espírito Santo, com 9,6 homicídios por grupo de 100 mil. E o que menos mata é o Piauí, com 2,6 homicídios por 100 mil mulheres. São tantos crimes no Estado que a polícia teve de criar a primeira delegacia do Brasil especializada em investigar homicídios de mulheres, localizada em Vitória. Na linha de frente dessa força-tarefa está a baiana Hermínia Maria Azoury, juíza e coordenadora estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar. “O problema é cultural, onde o homem acha que a mulher é patrimônio dele e pode dispor como quer. Mulher não é posse”, diz.
Botão de pânico

A juíza é responsável por adotar medidas preventivas e repressivas relativas à questão da violência contra a mulher. “Como preventivas, pode-se citar programas de conscientização através de palestras, cartilhas e publicações em geral. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo tem empreendido esforços para a implantação do Dispositivo de Segurança Preventiva (Botão do Pânico), vinculado à Patrulha Maria da Penha, como iniciativa de fiscalização das medidas protetivas e repressão ao agressor”, explica.

O botão também é uma iniciativa pioneira no Brasil. A princípio, o equipamento será distribuído a 100 mulheres da capital que se encontram sob medida protetivas, garantidas pela Lei Maria da Penha, como as que determinam que o agressor saia de casa ou mantenha uma distância mínima das vítimas. A ferramenta poderá ser acionada quando o ex-marido ou companheiro condenado a ficar distante, se aproximar ou fizer ameaças. Assim, a central de monitoramento recebe um chamado. O botão disponibiliza um processo de escuta a partir do momento em que é acionado. “Essa é apenas mais uma forma de dar proteção a essas mulheres”, diz a juíza.

Assassinatos

Quase todos os agressores agem da mesma forma. Primeiro vem a agressão verbal e psicológica, que com o tempo se estende para tapas, socos e espancamentos. A violência doméstica está em todas as classes sociais e atinge cada vez mais mulheres jovens.

Julia* disse basta. Arquiteta de 30 anos, se separou do homem (um engenheiro) com o qual viveu cinco anos e que a agredia frequentemente. “As agressões começaram com palavras e torturas psicológicas. Numa noite, chegando de uma festa, ele deu um tapa no meu rosto dentro do elevador. Por ciúmes porque eu tinha dançado”, lembra.
Depois vieram inúmeras agressões físicas, até ficar com o olho roxo. “Passei tudo de ruim que a mulher pode passar na mão de um homem, mas decidi começar uma nova vida”.

A capixaba, moradora de um bairro nobre da Capital, viveu em silêncio até não aguentar mais. Júlia é o exemplo de que mulheres com nível superior, casa própria e carro do ano também são ameaçadas, espancadas e torturadas. “Só estou viva porque me separei”, afirma.

Os agressores não escolhem classe social, nem idade. Vitória lidera o ranking de morte de mulheres. A capital registra uma taxa de 13,2 homicídios por 100 mil mulheres, índice que fica em 4,6 no país e 5,3 no conjunto das capitais. No ano passado, 93 mulheres foram mortas na Grande Vitória – três a menos que 2011.

A juíza Hermínia explica que são inúmeros os motivos que fazem a mulher não querer denunciar agressor. “Ela luta para preservar a família; tem vergonha de se expor; medo de ser vista com descrédito, pois os agressores, geralmente, são pessoas que não deixam transparecer para além do lar o lado covarde; e o medo de represálias, como a retirada da guarda dos filhos ou a possibilidade de agressões mais violentas”, lista. Para aquelas em situação de risco, o Estado mantém uma Casa de Abrigo, onde elas passam a morar e receber apoio psicológico.

*Os nomes são fictícios para preservar a identidade das vítimas

Mulheres escapam de agressões

As agressões começaram no início do casamento, quando ela tinha 28 anos. Sandra*, 62, lembra nitidamente. “Era uma violência psicológica com xingamentos, humilhação e indiferença”, conta. O marido, que era alcoólatra, não aceitava que ela frequentasse a igreja. “Ele dizia que eu ia atrás de homem”. As discussões eram na frente dos filhos. Há seis anos, após de ser agredida fisicamente, ela resolveu ligar para o disque-denúncia e procurar ajuda. Nunca mais voltou para casa e recomeçou a vida em outro bairro.
A diarista Lúcia*, 32 anos, sofreu a primeira agressão há 10 anos porque na geladeira não tinha leite para os filhos. “Ele pegou um pedaço de ripa e veio para cima de mim. Estava com a minha filha no colo, mas ele não se preocupou. Protegi a criança e ele meteu o pedaço de pau na minha cabeça”. Para não depender financeiramente do marido, Lúcia começou a trabalhar. “Foram ameaças com faca, tapas no rosto e palavrões por conta do ciúme de eu estar trabalhando fora de casa. Um dia ele me deu dois tapas no rosto e apontou o facão para mim”.

No dia em que ela propôs separação, o marido se enfureceu. “Ele disse que eu não poderia me separar. Se não fosse dele, não seria de mais ninguém. Tenho medo que ele me mate”, diz em depoimento na delegacia.

Ciente dos riscos que correm essas mulheres, a juíza Hermínia Maria Azoury busca a punição dos agressores. “Estamos trabalhando incansavelmente para implantar medidas, a fim de retirar o Espírito Santo do primeiro lugar no ranking da violência doméstica no Brasil, uma colocação tão lamentável e na qual não desejamos permanecer, e assim proporcionaremos efetiva aplicabilidade da Lei Maria da Penha”, alega.

O perigo geralmente está dentro da própria casa. A empresária Vanda*, que é casada com outra mulher, foi agredida pelo enteado de 15 anos. “Ele mora com a avó e não aceita a nossa relação. Sempre que agride a avó, vem para nossa casa. Nessa terceira agressão ele cuspiu na minha cara e me deu um soco no rosto. Chamei a polícia”, desabafa.


Fonte: A Gazeta

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