A PEC das Domésticas estava na iminência de ser votada no
Congresso Nacional quando o cineasta pernambucano Gabriel Mascaro finalizava o
documentário Doméstica. Surpreendido pela discussão acalorada durante a
votação, o diretor de 29 anos decidiu adiantar o lançamento do projeto que,
durante uma semana, levou adolescentes de várias cidades do Brasil a
acompanhar, com uma câmera, a rotina de seus empregados domésticos.
“A reação conservadora sobre a PEC foi chocante. Então
achamos que seria um bom momento para aprofundar este debate,” diz o diretor. O
resultado estará nas telas a partir desta semana em São Paulo, Rio de Janeiro e
Belo Horizonte.
O filme mostra personagens que fogem à discussão maniqueísta
em torno da PEC. É o caso de uma empregada doméstica que trabalha na casa de
outra doméstica. “Esta não é uma questão da classe média ou da classe
dominante. A empregada também tem empregada em casa. A questão é assumir como
uma questão da identidade brasileira que a gente precisa resolver e reparar.”
Há também um empregado homem, contratado na casa de uma
mulher após ser abandonado pela sua família. Ele aparece no filme lavando as
calcinhas da sua patroa.
Mascaro diz que o personagem tem incomodado os espectadores.
“Provocar uma distanciamento nessa questão de gênero fez a audiência se sentir
machista ao olhar a dor do homem como uma coisa desconfortável,” diz o diretor.
O diretor conta não ter tido nenhum contato com os
adolescentes que fizeram as filmagens. Ele recebeu o material bruto e o lapidou
para contar a história de seis empregadas e um empregado. Algumas falam em
formato de entrevista com seus patrões; outras são apenas filmadas, em
silêncio, em sua intimidade.
Diante das câmeras dos patrões, as empregadas não reclamam
das suas vidas de forma explícita. A insatisfação aparece apenas de maneira
subjetiva. Em uma cena, um adolescente pergunta à doméstica: “você é feliz?”
Ela só responde depois de um silêncio de dez segundos, quando finalmente fala:
“sou feliz”.
“Se fosse só um depoimento da empregada, a gente já sabe
qual seria a resposta dela,” diz o diretor. “Mas naquele silêncio estão
impregnadas muitas questões que não estariam na resposta que ela teria dado
para mim falando: não sou feliz.”
Sem generalizar a situação das empregadas, o documentário
mostra cada uma das sete histórias separadas e em sequência. Não é por acaso.
“Não tem como a gente misturar tudo e pensar que é uma coisa só. A relação de
trabalho, no caso da empregada doméstica, é discutido na esfera íntima,” diz o
diretor.
Domesticados: a
exploração no campo afetivo
O processo de produção do filme é escancarado quando um
adolescente fala à sua empregada que irá filmá-la. Em seguida, pede a ela para
assinar um papel cedendo sua imagem. A doméstica escreve no papel entregue pelo
seu patrão diante da câmera.
A equipe pediu aos adolescentes que filmassem este momento,
e um deles foi selecionado para aparecer no filme. “Este é um filme sobre
negociar a imagem dentro de uma esfera de relação assimétrica de poder,” diz o
diretor.
No total, quinze jovens de 15 a 17 anos foram escolhidos
para filmar as empregadas em 2011. Mascaro não teve nenhum contato com eles,
antes ou depois das filmagens. O projeto foi divulgado por professores em
escolas públicas e privadas. Depois disso, os jovens que queriam filmar suas
empregadas passavam por uma triagem.
“A direção do filme começa em pensar o processo de como ele
será feito. É muito mais do que aquela coisa de dizer ‘ação, corta’. É um filme
de risco, poderia não vir nenhum personagem interessante,” diz Mascaro.
Fonte: Carta Capital
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