segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Diferença de opiniões sobre a legalização da prostituição: Gabriela Leite e Marcha Mundial das Mulheres


Para Gabriela Leite , o maior trunfo do projeto é legalizar as casas de prostituição. “Assim, as prostitutas terão um trabalho mais formal. Elas podem ter seus direitos garantidos, inclusive o direito de não serem exploradas”.
Segundo la Marcha Mundial das Mulheres, a prostituição é a “exploração das mulheres pelos homens”, e, em geral, as prostitutas não têm escolha e são levadas à atividade por necessidade ou outros motivos.


Aposentadoria especial para profissionais do sexo, exigência legal de pagamento pela prestação de serviços sexuais e legalização das casas de prostituição estão entre as propostas do Projeto de Lei nº 4211/2012, do deputado federal Jean Wyllys (Psol). Com a proximidade da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, que devem aumentar a procura pelos serviços das prostitutas, o deputado federal pretende aprovar a lei até 2014.

A possível nova regulamentação gera debate entre os movimentos sociais – principalmente entre aqueles que defendem os direitos das prostitutas, favoráveis ao PL, e alguns setores do movimento feminista, que questionam o impacto social da institucionalização da prostituição.

“O projeto está dentro daquilo que o movimento social queria”, afirmou em entrevista ao Sul21 a socióloga e ex-prostituta Gabriela Leite, fundadora da ONG Davida, que milita pelos direitos dos profissionais do sexo. “Nossa forma de trabalhar o projeto de lei têm sido a mesma desde o projeto do Fernando Gabeira (de 2003, arquivado após a saída de Gabeira da Câmara). Nos reunimos com o deputado Jean e acompanhamos o processo de escrita do PL”, contou ela, cujo nome apelida a lei.


Legalização de casas de prostituição dá mais formalidade ao trabalho de prostitutas, argumenta Gabriela Leite | Foto: Televisão Cultura / Divulgação
Para Gabriela, o maior trunfo do projeto é legalizar as casas de prostituição. “Assim, as prostitutas terão um trabalho mais formal. Se houver um problema de limpeza na casa, por exemplo, elas poderão chamar a vigilância sanitária. Elas podem ter seus direitos garantidos, inclusive o direito de não serem exploradas”, afirmou a socióloga. “Existem casas no interior do Brasil que a prostituta é obrigada a cozinhar, limpar a casa, e não tem para quem reclamar”.

De acordo com o art. 1º do projeto de lei, “considera-se profissional do sexo toda pessoa maior de dezoito anos e absolutamente capaz que voluntariamente presta serviços sexuais mediante remuneração”. Já o art. 3º constata que a/o profissional pode prestar serviços como trabalhador/a autônomo ou coletivamente em cooperativa – legalizando, assim, os bordéis.

O PL Gabriela Leite também concede aos profissionais o direito à aposentadoria especial de 25 anos. A justificativa do projeto, redigida pelo deputado Jean Wyllys, afirma que “atualmente os trabalhadores do sexo sujeitam-se a condições de trabalho aviltantes, sofrem com o envelhecimento precoce e com a falta de oportunidades da carreira”. A prostituição já é reconhecida como profissão pelo Ministério do Trabalho desde 2002. Atualmente, os profissionais podem recolher contribuições previdenciárias, mas não em regime especial, como prevê o PL.

Gabriela espera que, com a legalização das casas, as prostitutas possam trabalhar para formar um sindicato  “Sei que é processo longo, temos que ser realistas. Com o Congresso conservador do jeito que está, vamos demorar alguns anos para atingir nosso objetivo”, ponderou a ativista. “Mas são processos. Conseguimos, desde já, criar discussões, realizar debates”, afirmou.

Projeto diferencia prostituição de exploração sexual

Um dos pontos chaves do projeto de lei trata da diferenciação entre a prostituição e a exploração sexual. De acordo com o art. 2º, que proíbe a exploração sexual, considera-se crime a “apropriação total ou maior que 50% do rendimento de prestação de serviço sexual por terceiro”, o não pagamento do serviço sexual contratado e o ato de forçar alguém a praticar prostituição.

O projeto reescreve leis já existentes no Código Penal de forma a manter o termo “exploração sexual” e suprimir a palavra “prostituição”. Assim, o atual crime de “induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual” ficaria “induzir ou atrair alguém à exploração sexual”. Já o artigo 229 do Código Penal, que criminaliza o ato de “manter (…) estabelecimento em que ocorra exploração sexual”, teria seu título mudado de “Casa de prostituição” para “Casa de exploração sexual”.

Para Gabriela, esta distinção, juntamente com a legalização das casas, diminui a exposição das prostitutas à violência. “Quando estão na ilegalidade, os donos das casas fazem o que querem. Ao legalizar, você sai desse ambiente de máfia. Quando você tem algo que é proibido, mas existe, cria-se máfia”, afirmou a socióloga. Ela argumentou que a regulamentação também ajuda a combater a exploração sexual infantil. “Hoje em dia, se uma prostituta em um bordel vê uma criança sendo explorada, não tem para quem reclamar. Os donos da casa, estando na ilegalidade, pagam propina para a polícia”, explicou.


“É  melhor para todo mundo que as casas operem na legalidade”, argumenta proponente da lei, deputado Jean Wyllys 
“Se (as casas de prostituição) estão funcionando no vácuo da legalidade, alguém está permitindo que funcionem assim, alguém está recebendo propina para não denunciá-las. Temos aí o crime da corrupção policial como um crime decorrente da ilegalidade das casas. Então, é melhor para todo mundo que as casas operem na legalidade, que o Estado possa recolher impostos, fiscalizá-las, levar políticas públicas de saúde da mulher e, sobretudo, proteger as crianças e adolescentes”, declarou o deputado Jean Wyllys, em uma entrevista concedida ao portal UOL no dia 15 de janeiro de 2013.

De acordo com Willys, o projeto está em tramitação na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, onde será relatado pela deputada Érika Kokay (PT-DF). Em seguida, o PL vai para a Comissão de Seguridade Social e Família, e depois segue para votação em plenário.

Para Marcha Mundial das Mulheres, PL é “institucionalização do patriarcado”

Nem todos os movimentos sociais que lutam pelos direitos humanos, inclusive os das mulheres, são favoráveis ao projeto do deputado Wyllys. Um exemplo é o coletivo feminista Marcha Mundial das Mulheres. Para Cláudia Prates, da coordenação estadual da Marcha no Rio Grande do Sul, é preciso haver mais debate. “Não é uma coisa simples, como está sendo colocado no debate público”, afirmou ela, em entrevista ao Sul21.

Segundo Cláudia, a prostituição é a “exploração das mulheres pelos homens”, e, em geral, as prostitutas não têm escolha e são levadas à atividade por necessidade ou outros motivos. “A gente não pode banalizar essa ideia de que a prostituição é uma profissão como qualquer outra. Ela não é”, afirmou. “Acho que essa ideia foi alimentada no imaginário das pessoas, de que é a profissão mais antiga do mundo. É a exploração mais antiga do mundo”.

Cláudia afirmou que a naturalização da prostituição reforça um imaginário social machista que vê a mulher como um objeto sexual. “Há sempre aquela ideia de que a mulher e seu corpo estão sempre disponíveis. Com que direitos os homens acham que podem dispor do corpo da mulher?”, questionou. “Isso é a institucionalização do patriarcado”.

A coordenadora da Marcha no RS ainda demonstrou preocupação com a legalização da “cafetinagem” – referindo-se à legalização das casas de prostituição. “Vamos institucionalizar a cafetinagem, deixar a prostituição na mão dos homens”, pontuou. Cláudia também não acredita que a regulamentação vá trazer, de fato, melhoras na vida das profissionais do sexo. “Existe um setor que, a partir de sua situação de vida, pode querer entender que havendo regulamento a vida vai melhorar, a pessoa vai ter mais direitos. Eu duvido muito. Não acredito que alguém vá assinar a carteira delas”, lamentou.

Cláudia ressaltou que a Marcha defende a autonomia da mulher e é a favor que elas façam o que quiserem com seus corpos, inclusive usá-los para prostituição. “O problema é oficializar isso, institucionalizar, como se isso fosse uma benesse do governo”, explicou. Para a coordenadora, o governo faria melhor criando políticas públicas que incentivassem a autonomia feminina e oferecessem oportunidades às mulheres.

A coordenadora da Marcha ressaltou que, no debate da autonomia da mulher, há hipocrisias e contradições por parte do Congresso. Ela afirmou que em outras questões que envolvem autonomia sexual, como a legalização do aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o Congresso se mostra desfavorável. “Por que o Congresso veria com bons olhos a prostituta? Porque fica debaixo do pano, fechado entre quatro paredes. O que a gente critica é essa sociedade hipócrita”, concluiu.

Para Gabriela Leite, no entanto, há uma “vitimização” das prostitutas por parte deste setor do movimento. “As feministas ortodoxas continuam com um discurso de mil e novecentos. Elas não entendem a complexidade da prostituição, são ignorantes sobre este aspecto”, afirmou. “Vamos continuar nossa luta. Não somos crianças para seremos vitimizadas”, pontuou Gabriela.

Natália Otto

Fonte: www.sul21.com.br

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