Para Gabriela Leite , o maior trunfo do projeto é legalizar as casas de prostituição. “Assim, as prostitutas terão um trabalho mais formal. Elas podem ter seus direitos garantidos, inclusive o direito de não serem exploradas”.
Segundo la Marcha Mundial das Mulheres, a prostituição é a “exploração das mulheres pelos homens”, e, em geral, as prostitutas não têm escolha e são levadas à atividade por necessidade ou outros motivos.
Aposentadoria especial para profissionais do sexo, exigência
legal de pagamento pela prestação de serviços sexuais e legalização das casas
de prostituição estão entre as propostas do Projeto de Lei nº 4211/2012, do
deputado federal Jean Wyllys (Psol). Com a proximidade da Copa do Mundo de 2014
e dos Jogos Olímpicos de 2016, que devem aumentar a procura pelos serviços das
prostitutas, o deputado federal pretende aprovar a lei até 2014.
A possível nova regulamentação gera debate entre os
movimentos sociais – principalmente entre aqueles que defendem os direitos das
prostitutas, favoráveis ao PL, e alguns setores do movimento feminista, que
questionam o impacto social da institucionalização da prostituição.
“O projeto está dentro daquilo que o movimento social
queria”, afirmou em entrevista ao Sul21 a socióloga e ex-prostituta Gabriela
Leite, fundadora da ONG Davida, que milita pelos direitos dos profissionais do
sexo. “Nossa forma de trabalhar o projeto de lei têm sido a mesma desde o
projeto do Fernando Gabeira (de 2003, arquivado após a saída de Gabeira da
Câmara). Nos reunimos com o deputado Jean e acompanhamos o processo de escrita
do PL”, contou ela, cujo nome apelida a lei.
Legalização de casas de prostituição dá mais formalidade ao
trabalho de prostitutas, argumenta Gabriela Leite | Foto: Televisão Cultura /
Divulgação
Para Gabriela, o maior trunfo do projeto é legalizar as
casas de prostituição. “Assim, as prostitutas terão um trabalho mais formal. Se
houver um problema de limpeza na casa, por exemplo, elas poderão chamar a
vigilância sanitária. Elas podem ter seus direitos garantidos, inclusive o
direito de não serem exploradas”, afirmou a socióloga. “Existem casas no
interior do Brasil que a prostituta é obrigada a cozinhar, limpar a casa, e não
tem para quem reclamar”.
De acordo com o art. 1º do projeto de lei, “considera-se
profissional do sexo toda pessoa maior de dezoito anos e absolutamente capaz
que voluntariamente presta serviços sexuais mediante remuneração”. Já o art. 3º
constata que a/o profissional pode prestar serviços como trabalhador/a autônomo
ou coletivamente em cooperativa – legalizando, assim, os bordéis.
O PL Gabriela Leite também concede aos profissionais o
direito à aposentadoria especial de 25 anos. A justificativa do projeto,
redigida pelo deputado Jean Wyllys, afirma que “atualmente os trabalhadores do
sexo sujeitam-se a condições de trabalho aviltantes, sofrem com o
envelhecimento precoce e com a falta de oportunidades da carreira”. A
prostituição já é reconhecida como profissão pelo Ministério do Trabalho desde
2002. Atualmente, os profissionais podem recolher contribuições
previdenciárias, mas não em regime especial, como prevê o PL.
Gabriela espera que, com a legalização das casas, as
prostitutas possam trabalhar para formar um sindicato “Sei que é processo
longo, temos que ser realistas. Com o Congresso conservador do jeito que está,
vamos demorar alguns anos para atingir nosso objetivo”, ponderou a ativista.
“Mas são processos. Conseguimos, desde já, criar discussões, realizar debates”,
afirmou.
Projeto diferencia prostituição de exploração sexual
Um dos pontos chaves do projeto de lei trata da
diferenciação entre a prostituição e a exploração sexual. De acordo com o art.
2º, que proíbe a exploração sexual, considera-se crime a “apropriação total ou
maior que 50% do rendimento de prestação de serviço sexual por terceiro”, o não
pagamento do serviço sexual contratado e o ato de forçar alguém a praticar
prostituição.
O projeto reescreve leis já existentes no Código Penal de
forma a manter o termo “exploração sexual” e suprimir a palavra “prostituição”.
Assim, o atual crime de “induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma
de exploração sexual” ficaria “induzir ou atrair alguém à exploração sexual”.
Já o artigo 229 do Código Penal, que criminaliza o ato de “manter (…)
estabelecimento em que ocorra exploração sexual”, teria seu título mudado de
“Casa de prostituição” para “Casa de exploração sexual”.
Para Gabriela, esta distinção, juntamente com a legalização
das casas, diminui a exposição das prostitutas à violência. “Quando estão na ilegalidade,
os donos das casas fazem o que querem. Ao legalizar, você sai desse ambiente de
máfia. Quando você tem algo que é proibido, mas existe, cria-se máfia”, afirmou
a socióloga. Ela argumentou que a regulamentação também ajuda a combater a
exploração sexual infantil. “Hoje em dia, se uma prostituta em um bordel vê uma
criança sendo explorada, não tem para quem reclamar. Os donos da casa, estando
na ilegalidade, pagam propina para a polícia”, explicou.
“É melhor para todo
mundo que as casas operem na legalidade”, argumenta proponente da lei, deputado
Jean Wyllys
“Se (as casas de prostituição) estão funcionando no vácuo da
legalidade, alguém está permitindo que funcionem assim, alguém está recebendo
propina para não denunciá-las. Temos aí o crime da corrupção policial como um
crime decorrente da ilegalidade das casas. Então, é melhor para todo mundo que
as casas operem na legalidade, que o Estado possa recolher impostos,
fiscalizá-las, levar políticas públicas de saúde da mulher e, sobretudo,
proteger as crianças e adolescentes”, declarou o deputado Jean Wyllys, em uma
entrevista concedida ao portal UOL no dia 15 de janeiro de 2013.
De acordo com Willys, o projeto está em tramitação na
Comissão de Direitos Humanos e Minorias, onde será relatado pela deputada Érika
Kokay (PT-DF). Em seguida, o PL vai para a Comissão de Seguridade Social e
Família, e depois segue para votação em plenário.
Para Marcha Mundial das Mulheres, PL é “institucionalização
do patriarcado”
Nem todos os movimentos sociais que lutam pelos direitos
humanos, inclusive os das mulheres, são favoráveis ao projeto do deputado
Wyllys. Um exemplo é o coletivo feminista Marcha Mundial das Mulheres. Para
Cláudia Prates, da coordenação estadual da Marcha no Rio Grande do Sul, é
preciso haver mais debate. “Não é uma coisa simples, como está sendo colocado
no debate público”, afirmou ela, em entrevista ao Sul21.
Segundo Cláudia, a prostituição é a “exploração das mulheres
pelos homens”, e, em geral, as prostitutas não têm escolha e são levadas à
atividade por necessidade ou outros motivos. “A gente não pode banalizar essa
ideia de que a prostituição é uma profissão como qualquer outra. Ela não é”,
afirmou. “Acho que essa ideia foi alimentada no imaginário das pessoas, de que
é a profissão mais antiga do mundo. É a exploração mais antiga do mundo”.
Cláudia afirmou que a naturalização da prostituição reforça
um imaginário social machista que vê a mulher como um objeto sexual. “Há sempre
aquela ideia de que a mulher e seu corpo estão sempre disponíveis. Com que
direitos os homens acham que podem dispor do corpo da mulher?”, questionou.
“Isso é a institucionalização do patriarcado”.
A coordenadora da Marcha no RS ainda demonstrou preocupação
com a legalização da “cafetinagem” – referindo-se à legalização das casas de
prostituição. “Vamos institucionalizar a cafetinagem, deixar a prostituição na
mão dos homens”, pontuou. Cláudia também não acredita que a regulamentação vá
trazer, de fato, melhoras na vida das profissionais do sexo. “Existe um setor
que, a partir de sua situação de vida, pode querer entender que havendo
regulamento a vida vai melhorar, a pessoa vai ter mais direitos. Eu duvido
muito. Não acredito que alguém vá assinar a carteira delas”, lamentou.
Cláudia ressaltou que a Marcha defende a autonomia da mulher
e é a favor que elas façam o que quiserem com seus corpos, inclusive usá-los
para prostituição. “O problema é oficializar isso, institucionalizar, como se
isso fosse uma benesse do governo”, explicou. Para a coordenadora, o governo
faria melhor criando políticas públicas que incentivassem a autonomia feminina
e oferecessem oportunidades às mulheres.
A coordenadora da Marcha ressaltou que, no debate da
autonomia da mulher, há hipocrisias e contradições por parte do Congresso. Ela
afirmou que em outras questões que envolvem autonomia sexual, como a
legalização do aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o Congresso se
mostra desfavorável. “Por que o Congresso veria com bons olhos a prostituta?
Porque fica debaixo do pano, fechado entre quatro paredes. O que a gente
critica é essa sociedade hipócrita”, concluiu.
Para Gabriela Leite, no entanto, há uma “vitimização” das
prostitutas por parte deste setor do movimento. “As feministas ortodoxas
continuam com um discurso de mil e novecentos. Elas não entendem a complexidade
da prostituição, são ignorantes sobre este aspecto”, afirmou. “Vamos continuar
nossa luta. Não somos crianças para seremos vitimizadas”, pontuou Gabriela.
Natália Otto
Fonte: www.sul21.com.br
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