quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Crise econômica provoca mais mortes entre meninas


Segundo o levantamento feito pelas organizações Plan International e Overseas Development Institute, o encolhimento econômico elevou a mortalidade infantil de meninas e levou mais mulheres a sofrer abusos ou a passar fome.

Segundo as ONGs, esse efeito poderia eliminar os ganhos conseguidos nos últimos anos para alcançar as Metas de Desenvolvimento do Milênio, estabelecidas pela ONU para erradicar a pobreza extrema e melhorar índices sociais até 2015.
"As melhorias ocorridas nos últimos cinco anos foram muito frágeis", disse à BBC o presidente-executivo da ONG de direitos das crianças Plan International, Nigel Chapman, um dos autores do estudo.
"É chocante, porque eu não acho que as pessoas estejam realmente notando isso", afirma Chapman, que antes de assumir o cargo na ONG chefiou o Serviço Mundial da BBC por quatro anos.
Segundo Chapman, os problemas começam quando as meninas são ainda muito jovens. "As meninas são o grupo mais marginalizado do mundo", disse ele.
A proporção de meninas que morreram desde o início da crise global aumentou cinco vezes mais rapidamente que a proporção de mortes de meninos, afirma.
Chapman cita uma pesquisa do Banco Mundial em 59 países que indica que uma queda de 1% na atividade econômica eleva a mortalidade infantil em 7,4 mortes por 1.000 meninas e 1,5 morte por 1.000 meninos.

"É o exemplo mais completo da pobreza exacerbada", afirma Chapman.

Falta de dados 
Os autores do relatório, que compila dados de várias fontes, como estudos acadêmicos ou documentos do Banco Mundial, afirmam que há uma falta de dados coletados especificamente para medir o impacto da recessão condicionado por gênero.
"Entretanto, do que está disponível parece claro que as meninas e as mulheres jovens estão sob risco específico durante períodos de incerteza econômica e estresse", afirma o relatório.
Com o aumento da pobreza em consequência da recessão, cada vez mais famílias sem recursos vêm optando por tirar da escola meninas mais velhas, segundo o documento.
A conclusão do ensino primário caiu 29% entre as meninas, enquanto o índice de para os meninos caiu 22%.
Segundo o relatório, muitas meninas foram tiradas da escola para ajudar em casa, porque suas mães tinham que trabalhar mais horas para compensar salários mais baixos.
"As meninas são sugadas pelas tarefas domésticas", diz Chapman. "E uma vez que elas parem de ir à escola, é muito difícil que elas voltem ao ritmo normal", afirma.

Casamentos de crianças
Para chefe de ONG, efeito negativo sobre meninas é consequência de desigualdade estabelecida.
Em muitos casos, um aumento no número de casamentos de crianças foi observado quando a atividade econômica baixou. "Famílias atingidas pela pobreza simplesmente não conseguiam alimentar todas essas bocas, então elas tentam casá-las mais cedo", diz Chapman.
Outras meninas eram enviadas para trabalhar - em alguns casos, como prostitutas.
Em casa, as meninas e as mulheres muitas vezes comem menos para garantir que o chefe da família, responsável pelo "ganha-pão", tenha alimentação suficiente.
"Elas ficam mais fracas e menos saudáveis e entram numa espiral negativa", diz Chapman.
Enquanto isso, meninas e mulheres sofrem mais negligência e abusos do que sofriam antes da crise. O relatório diz ainda que quando grávidas, elas recebem menos ajuda do que antes, deixando adolescentes entre 14 e 19 anos particularmente sob risco durante a gravidez.

Direitos sob ameaça
Segundo o documento, meninas e mulheres também têm menos acesso a serviços básicos e redes de segurança social.
"Os direitos humanos fundamentais das meninas estão crescentemente sob ameaça", diz Nicola Jones, pesquisadora do Overseas Development Institute.
Muitos dos problemas se devem a "desigualdades de gênero estabelecidas", segundo Chapman.
Segundo ele, programas internacionais precisam ser estabelecidos para garantir que as mulheres jovens recebam alimentação adequada, sejam protegidas socialmente e frequentem a escola, e também para criar empregos para elas após o término dos estudos.
"Precisamos eliminar as diferenças entre meninas e mulheres de um lado e meninos e homens do outro", afirma Chapman.

(BBC Brasil )

Uma questão de gênero
A crise afeta mulheres e crianças. As famílias tomam decisões de saúde que afetam mais as meninas. Os motivos têm a ver com a onda de cortes em gastos sociais em nível mundial, que dificultam o acesso aos serviços básicos de saúde. Mas também com aspectos culturais que exacerbam as diferenças de gênero na medida em que diminuem os recursos. "As famílias estão mais preocupadas com o menino porque é ele quem vai trazer o benefício econômico no futuro, e, portanto, se esquecem de dar certos cuidados a suas filhas", explica Nicola Jones, autora do estudo, que também salienta que em muitas ocasiões não é algo consciente e se trata de uma negligência passiva.

Esses descuidos são mais frequentes durante o primeiro mês de nascimento, quando existem mais riscos para os bebês. "Há evidências de que as donas de casa pobres vacinam menos as meninas que os meninos. Muitas dessas mortes têm a ver com a falta de vacinação."

A desnutrição é outro fator vital que contribui para a grande diferença de mortalidade. "As mulheres deixam de dar o peito antes e privilegiam os homens sobre as meninas. Amamentar é algo básico para evitar infecções e dar uma boa nutrição às crianças", indica Jones. E aqui a cultura volta a entrar em jogo. "Em países como a Índia, as mães têm que dar de comer aos filhos de seus parentes e vizinhos e deixam para último lugar suas filhas", aponta Concha López, diretora geral do Plan Internacional na Espanha.
Segundo o relatório, a alimentação deficiente contribui em mais de um terço para a morte de crianças menores de 5 anos em todo o mundo. A situação torna-se muito mais grave conforme os preços dos alimentos aumentam e as mulheres não podem pagá-los.

A expectativa de vida entre as meninas também é menor. O relatório indica que em tempos de recessão econômica esta cai em sete anos, enquanto a dos meninos, em seis. No entanto, aumenta em dois anos para ambos os sexos durante a época de crescimento econômico.

"As meninas são as últimas na cadeia", diz López, para a qual esses resultados são um retrocesso nas melhores ações para reduzir a mortalidade infantil. "Para cada ano de melhora se perdem cinco", conclui.

Fonte: Portal Uol

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