Segundo o levantamento feito pelas organizações Plan
International e Overseas Development Institute, o encolhimento econômico elevou
a mortalidade infantil de meninas e levou mais mulheres a sofrer abusos ou a
passar fome.
Segundo as ONGs, esse efeito poderia eliminar os ganhos
conseguidos nos últimos anos para alcançar as Metas de Desenvolvimento do
Milênio, estabelecidas pela ONU para erradicar a pobreza extrema e melhorar
índices sociais até 2015.
"As melhorias ocorridas nos últimos cinco anos foram
muito frágeis", disse à BBC o presidente-executivo da ONG de direitos das
crianças Plan International, Nigel Chapman, um dos autores do estudo.
"É chocante, porque eu não acho que as pessoas estejam
realmente notando isso", afirma Chapman, que antes de assumir o cargo na
ONG chefiou o Serviço Mundial da BBC por quatro anos.
Segundo Chapman, os problemas começam quando as meninas são
ainda muito jovens. "As meninas são o grupo mais marginalizado do mundo",
disse ele.
A proporção de meninas que morreram desde o início da crise
global aumentou cinco vezes mais rapidamente que a proporção de mortes de
meninos, afirma.
Chapman cita uma pesquisa do Banco Mundial em 59 países que
indica que uma queda de 1% na atividade econômica eleva a mortalidade infantil
em 7,4 mortes por 1.000 meninas e 1,5 morte por 1.000 meninos.
"É o exemplo
mais completo da pobreza exacerbada", afirma Chapman.
Falta de dados
Os
autores do relatório, que compila dados de várias fontes, como estudos
acadêmicos ou documentos do Banco Mundial, afirmam que há uma falta de dados
coletados especificamente para medir o impacto da recessão condicionado por
gênero.
"Entretanto, do que está disponível parece claro que as
meninas e as mulheres jovens estão sob risco específico durante períodos de
incerteza econômica e estresse", afirma o relatório.
Com o aumento da pobreza em consequência da recessão, cada
vez mais famílias sem recursos vêm optando por tirar da escola meninas mais
velhas, segundo o documento.
A conclusão do ensino primário caiu 29% entre as meninas,
enquanto o índice de para os meninos caiu 22%.
Segundo o relatório, muitas meninas foram tiradas da escola
para ajudar em casa, porque suas mães tinham que trabalhar mais horas para
compensar salários mais baixos.
"As meninas são sugadas pelas tarefas domésticas",
diz Chapman. "E uma vez que elas parem de ir à escola, é muito difícil que
elas voltem ao ritmo normal", afirma.
Casamentos de
crianças
Para chefe de ONG, efeito negativo sobre meninas é
consequência de desigualdade estabelecida.
Em muitos casos, um aumento no número de casamentos de
crianças foi observado quando a atividade econômica baixou. "Famílias
atingidas pela pobreza simplesmente não conseguiam alimentar todas essas bocas,
então elas tentam casá-las mais cedo", diz Chapman.
Outras meninas eram enviadas para trabalhar - em alguns
casos, como prostitutas.
Em casa, as meninas e as mulheres muitas vezes comem menos
para garantir que o chefe da família, responsável pelo "ganha-pão",
tenha alimentação suficiente.
"Elas ficam mais fracas e menos saudáveis e entram numa
espiral negativa", diz Chapman.
Enquanto isso, meninas e mulheres sofrem mais negligência e
abusos do que sofriam antes da crise. O relatório diz ainda que quando
grávidas, elas recebem menos ajuda do que antes, deixando adolescentes entre 14
e 19 anos particularmente sob risco durante a gravidez.
Direitos sob ameaça
Segundo o documento, meninas e mulheres também têm menos
acesso a serviços básicos e redes de segurança social.
"Os direitos humanos fundamentais das meninas estão
crescentemente sob ameaça", diz Nicola Jones, pesquisadora do Overseas
Development Institute.
Muitos dos problemas se devem a "desigualdades de gênero
estabelecidas", segundo Chapman.
Segundo ele, programas internacionais precisam ser
estabelecidos para garantir que as mulheres jovens recebam alimentação
adequada, sejam protegidas socialmente e frequentem a escola, e também para
criar empregos para elas após o término dos estudos.
"Precisamos eliminar as diferenças entre meninas e
mulheres de um lado e meninos e homens do outro", afirma Chapman.
(BBC Brasil )
Uma questão de gênero
A crise afeta mulheres e crianças. As famílias tomam
decisões de saúde que afetam mais as meninas. Os motivos têm a ver com a onda
de cortes em gastos sociais em nível mundial, que dificultam o acesso aos
serviços básicos de saúde. Mas também com aspectos culturais que exacerbam as
diferenças de gênero na medida em que diminuem os recursos. "As famílias
estão mais preocupadas com o menino porque é ele quem vai trazer o benefício
econômico no futuro, e, portanto, se esquecem de dar certos cuidados a suas
filhas", explica Nicola Jones, autora do estudo, que também salienta que
em muitas ocasiões não é algo consciente e se trata de uma negligência passiva.
Esses descuidos são mais frequentes durante o primeiro mês
de nascimento, quando existem mais riscos para os bebês. "Há evidências de
que as donas de casa pobres vacinam menos as meninas que os meninos. Muitas
dessas mortes têm a ver com a falta de vacinação."
A desnutrição é outro fator vital que contribui para a
grande diferença de mortalidade. "As mulheres deixam de dar o peito antes
e privilegiam os homens sobre as meninas. Amamentar é algo básico para evitar
infecções e dar uma boa nutrição às crianças", indica Jones. E aqui a
cultura volta a entrar em jogo. "Em países como a Índia, as mães têm que
dar de comer aos filhos de seus parentes e vizinhos e deixam para último lugar
suas filhas", aponta Concha López, diretora geral do Plan Internacional na
Espanha.
Segundo o relatório, a alimentação deficiente contribui em
mais de um terço para a morte de crianças menores de 5 anos em todo o mundo. A
situação torna-se muito mais grave conforme os preços dos alimentos aumentam e
as mulheres não podem pagá-los.
A expectativa de vida entre as meninas também é menor. O
relatório indica que em tempos de recessão econômica esta cai em sete anos,
enquanto a dos meninos, em seis. No entanto, aumenta em dois anos para ambos os
sexos durante a época de crescimento econômico.
"As meninas são as últimas na cadeia", diz López,
para a qual esses resultados são um retrocesso nas melhores ações para reduzir
a mortalidade infantil. "Para cada ano de melhora se perdem cinco",
conclui.
Fonte: Portal Uol
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