O cuidado com o humano em situação de fragilidade está em
risco nos centros urbanos. Eventos internacionais como a Copa do Mundo (2014) e
as Olimpíadas (2016) têm um impacto deletério nas populações de rua.
O conflito entre gestores e assistentes sociais é frequente,
já que o primeiro isola a pessoa com o objetivo de "sanear" o
ambiente urbano, enquanto o segundo, do Centro de Referência Especializado de Assistência
Social (CREAS), conta com assistentes sociais do Serviço Especializado de
Abordagem Social.
A reportagem é de Antonio Carlos Ribeiro e publicada pela
Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC), 25-01-2013.
Indagado sobre a diferença fundamental entre os agentes do
Corpo de Bombeiros, Guarda Municipal, Hospital Geral, Polícia Militar e Centro
Municipal de Trabalho e Renda, e dos Assistentes Sociais, Marcelo Jaccoud,
assistente social do Serviço Especializado de Abordagem Social do CREAS Zilda
Arns, em Campo Grande, respondeu seguro: "Para enfrentar a situação de
isolamento é precisa dar voz!"
Ele relatou que a primeira coisa que fez na rua foi uma
pesquisa. "Para a minha surpresa, descobri que o que mais incomoda quem
mora na rua não é a fome ou a falta de um teto, mas o preconceito, a
discriminação e a indiferença".
Atuando com as assistentes sociais, Karla Mônica e Denise
Assunção, sendo dirigido pela também assistente social Adriana Gonçalves,
Marcelo relatou o que entende serem avanços alcançados pela equipe.
O primeiro foi a criação do grupo de convivência. Os moradores
de rua se reúnem na sede do CREAS, já que o primeiro objetivo é promover o
entrosamento entre eles. Isso é muito importante, determinante, fundamental
para quem perdeu vínculos sociais e familiares. A maior dor é a solidão!
Órgãos governamentais buscam soluções práticas como tirar da
rua, desmontar a moradia improvisada em pontos de ônibus, rodoviárias, becos,
vielas e favelas, sem enfrentar o conjunto de problemas que atormentam aquela
pessoa sob a intensa dor do trauma, da perda e da consequente incapacidade de
reorganizar sua vida.
“A pessoa foi parar na rua porque teve algum problema e
precisa achar saída para ele.” Diante dessa situação, o assistente social é
definitivo: “Ninguém tira ninguém da rua".
No trabalho cotidiano com as populações de rua, a equipe faz
abordagens, realiza reuniões, promove atividades como passeios ao teatro, ao
circo e à praia. Faz visitas aos locais onde essas populações residem e mantém
encontros semanais com as instituições de serviço público, conhecidas dessas populações.
Além da dor emocional e dos entraves gerados para a
reorganização da vida, existem os óbices cotidianos que impedem o acesso de
condições mais saudáveis e adequadas à vida humana. Além de romper o isolamento
individual e estabelecer relações com os assistentes, era preciso avançar mais.
O que Marcelo chama de conquista foi fazer “um churrasco
para comemorarmos os aniversariantes do mês. Quem morava na rua levou carne ou
refrigerante. Quem tinha casa levou arroz, maionese e farofa. Valorizar o que
cada um pode conquistar – a capacidade de fazer um simples churrasco, por
exemplo – é muito importante”, enfatizou.
Os números dos resultados não enchem os olhos, mas
significam grande conquista quando vistos percentualmente. Em 2011, o número de
pessoas em situação de rua acompanhadas com certa regularidade pelo grupo de
convivência do CREAS de Campo Grande era de 95 pessoas. Dessas, 33 conseguiram
voltar para suas casas ou arranjaram uma nova casa, e apenas 24 permaneceram em
abrigos. Isso significa que 60% delas deixaram a rua.
O assistente disse ainda que atuou também na Embaixada da
Liberdade, equipamento inaugurado pela Prefeitura em dezembro de 2009, perto da
região de venda de crack de Manguinhos e Jacarezinho. O trabalho era voltado
para crianças e adolescentes usuários e atendeu mais de 1 mil pessoas em menos
de um ano.
Meninos e meninas tinham banho e comida, podiam dormir e
participar de oficinas de carnaval, capoeira, beleza, hip-hop etc. Eram
atendidos por uma equipe multidisciplinar, com assistente social, psicólogo,
terapeuta ocupacional e pedagogo.
“Enxergar aquelas crianças e adolescentes como de fato eram
– crianças e adolescentes e não usuários de drogas – fez toda a diferença. A
Embaixada é uma alternativa viável e muito mais eficaz do que o recolhimento
compulsório”, disse Marcelo.
Mas com a ocupação militar do Complexo do Alemão em 2010, a
Embaixada foi fechada e não abriu mais, apesar do abaixo-assinado dos moradores
de Manguinhos e Jacarezinho pedindo ao poder público para reabri-la.
Apesar do trabalho de assistência social já realizado, o
recolhimento compulsório diário feito por equipes de agentes da Secretaria
Municipal de Assistência Social (SMAS) da Prefeitura do Rio, leva pessoas que
estão nas ruas do Centro e Zona Sul da cidade para um abrigo em Paciência.
Para o assistente social Marcelo, “essa ação afasta as
pessoas dos seus vínculos familiares e comunitários, o que é contrário aos
objetivos da política nacional de assistência social”.
Ainda pior que esse encaminhamento é que algumas dessas
operações são realizadas com o apoio da polícia. E o resultado é que “os
usuários acabam identificando a assistência social com ações de repressão. Se
não preciso de um policial na porta da minha sala de atendimento, também não
preciso de um ao meu lado quando atendo pessoas na rua".
Mais danoso do que não ter uma política de atendimento
satisfatório a essa população, é o trabalho desenvolvido por equipes
profissionais, como a que Jaccoud integra, e está sendo ameaçado pela política
da Prefeitura. Se a perspectiva é sanitarista não são necessários profissionais
de assistência, que abordam de forma respeitosa o morador de rua.
A situação é tão grave e desumana, que no primeiro mandato
do prefeito Eduardo Paes a violência usada nos recolhimentos provocou denúncia
de assassinato e investigação do Ministério Público. A Prefeitura teve que
assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), se comprometer a não recolher
à força e garantir a presença de um assistente social nas ações. Mas Marcelo
enfatizou que o assistente social não coordena nem participa do planejamento
dessas ações.
As operações são desastrosas. “O resultado é inócuo”. Os
agentes não conhecem a rede de serviços e a única coisa que se oferece é o
abrigo em Paciência, a 70 km do centro do Rio. “As pessoas aceitam ir só para
almoçar e, em alguns casos, comprar drogas na boca de fumo que fica ao lado do
abrigo”, denunciou o assistente social.
Além da denúncia, o Conselho Regional de Serviço Social do
Rio de Janeiro (CRESS-RJ) decidiu fortalecer a atuação dos assistentes sociais elaborando
um termo de orientação que auxilie os profissionais na afirmação dos princípios
ético-profissionais.
O maior temor dos assistentes sociais – conscientes de que
devem fortalecer os direitos dessa população – é, ao atuar com gestões
administrativas que desrespeitam procedimentos básicos, venham a corroborar com
práticas que, além de serem comprovadamente ineficientes, violam os Direitos
Humanos e ferem a ética profissional.
Fonte: Ihu
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