Trabalho em equipe, profissionais engajados e programas
eficientes abrem novas perspectivas para adolescentes submetidos à exploração
sexual
O ex-michê Leonardo é um bom exemplo de como dá para salvar
vidas com políticas públicas quando um governo concede ao assunto a devida
importância. Ele, dito por ele mesmo, um sobrevivente das ruas. Metido no pior
dos mundos – o da indiferença –, estava às portas do inferno. Chegou a pensar
ter perdido a cartilagem do nariz após uma semana trancado num motel, cheirando
cocaína e submetido às sevícias de um grupo de turistas. Tinha só 16 anos e já
contava dois de experiência no submundo de Fortaleza. Eis que apareceu a turma
da busca ativa, esse pessoal que entrega seus dias para salvar uma gente dada
como perdida.
Uma noite, apareceram dois sujeitos enquanto Leonardo fazia
a pista numa rua do bairro Álvaro Weyne. A Kombi de onde desceram trazia na
porta a logomarca da prefeitura de Fortaleza. A presença deles despertava
suspeita, até repulsa. Os educadores sociais do Programa Ponte de Encontro
começaram a dizer a que vieram. Porque a sensação de não tirar proveito daquela
conversa concorria para concluir que estava perdendo tempo, Leonardo tentava
abreviar as conversas em respostas monossilábicas. Imaginou estar seguro com
algumas explicações evasivas, a menos que os outros fossem demasiado
insistentes. Era o caso.
Esse pessoal não é de desistir fácil. Sorte de Leonardo. Ao
cabo de seguidas semanas de conversas, ele ficou convencido de que aqueles
caras queriam mesmo ajudá-lo. Há um ano foi incluído no Projeto ViraVida, do
Sesi (Serviço Social da Indústria). Largou as drogas e a prostituição. Em
dezembro, conclui o curso profissionalizante. Leonardo se tornou aliado dos
educadores sociais no resgate de crianças e adolescentes submetidos à
exploração sexual. Um dos recursos é mostrar que eles são agentes da própria
mudança. “Não fazer para eles, mas fazer com eles”, define o supervisor de
abordagem de rua, Rafael Agostinho Araújo.
Turma incansável
Todos os dias, seis educadores sociais percorrem os dez
locais de Fortaleza com maior incidência de exploração sexual de crianças e
adolescentes, mapeados pela socióloga e professora da Universidade Federal do
Ceará Glória Diógenes. Levam preservativos e uma boa dose de disposição para
falar durante horas com jovens na mesma condição em que Leonardo se encontrava.
O programa de que eles participam é uma das várias ações de um notável exemplo
de política pública de enfrentamento à violência sexual contra crianças e
adolescentes.
A abordagem de rua resulta em serviços como espaços
provisórios para meninos e meninas, de forma a promover e garantir o direito à
convivência familiar e comunitária e articular a qualidade de vida, com
oportunidades de capacitação para o trabalho. Já o Programa Rede Aquarela
dispõe de abrigo para vítimas de tráfico para fins de exploração sexual, além
de atendimento psicossocial a vítimas de violência sexual e suas famílias.
Também as acompanha na delegacia especializada e nos depoimentos na 12.ª Vara
Criminal, para a escuta de crianças e adolescentes por meio do depoimento sem
danos.
Grupo traça projeto de vida para jovens
Em 1986, um grupo voluntarioso começou a fazer incursões
pela periferia de Fortaleza atrás de crianças em situação de rua. Mapeou os
pontos de maior concentração e passou a fazer visitas domiciliares, estreitou
uma relação de confiança e traçou com as famílias um projeto de vida para os
filhos. Levava esperança, noções de cuidados pessoais e uma proposta de
qualificação profissional. Anos mais tarde, em 2008, um novo problema bateu à
porta. Desde então, a Associação Barraca da Amizade passou a trabalhar com
vítimas e potenciais vítimas da exploração sexual infanto-juvenil.
Dos 168 casos atendidos pela ONG desde então, o mais novo
tinha 11 anos e o mais velho, 25. A maioria tem de 16 a 22 anos. Quatro entre
dez atendidos mudaram de vida, mas 45 adolescentes ainda estão sujeitados à
exploração sexual nas ruas. Assim, uma das ações da associação é a política de
redução de danos, com orientação sobre doenças sexualmente transmissíveis e
distribuição de preservativos. Parte dos adolescentes é incluída no projeto
ViraVida, do Sesi, e recebe uma bolsa de R$ 500 como incentivo à
profissionalização e à fuga das ruas.
Projeto do Sesi está presente em 16 estados
Presente em 16 estados, o Projeto ViraVida é a iniciativa de
maior abrangência no atendimento a vítimas da exploração sexual. Criado pelo
Sesi para jovens de 16 a 21 anos em situação de exploração sexual, o projeto já
teve mais de 2 mil matriculados, metade em processo socioeducativo (em sala de
aula), mais de um quarto inserido no mercado de trabalho, além dos que estão em
formação.
Uma vez selecionados, os jovens se inscrevem em cursos de
capacitação, de 6 a 11 meses de duração. Os cursos oferecidos são de
Gastronomia, Criação e Moda, Cabeleireiro, Agente e Produção de Eventos,
Recepcionista com Aperfeiçoamento em Serviços de Saúde e Comunicação Digital
Básica. Todos com módulos que contemplam vivências profissionais e oficinas de
sensibilização, capacitação profissional, disciplinas transversais que debatem
ética e meio ambiente, além de noções de cooperativismo e autogestão.
Fonte: Gazeta do Povo
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