Não concordamos com a criminalização das pessoas vítimas do tráfico para exploração sexual e não negamos a necessidade de um debate sério e medidas sobre o tema da prostituição, mas que devem se inserir no âmbito da construção de políticas e processos que alterem estruturalmente a vida das mulheres, que modifique as relações capitalistas patriarcais que reproduzem todos os dias a mercantilização de nossas vidas e nossos corpos.
Nos próximos quatros anos inúmeras serão as ações dos
governos Municipais, Estaduais e Federal, voltadas para o investimento da Copa
do Mundo de 2014 e a realização dos Jogos Olímpicos em 2016.
A realização de megaeventos é uma oportunidade de gerar
investimentos capazes de reduzir as desigualdades, de gerar melhorias para a
população brasileira por meio do desenvolvimento que traz, ampliando postos de
trabalho, desenvolvendo a infraestrutura, o comércio local, proporcionando
inclusão social. No entanto, vimos nos países que foram sedes da Copa, que tais
eventos também geraram processos e consequências muito negativas para os
segmentos sociais historicamente excluídos. Um deles, se refere ao aumento do
tráfico e da exploração sexual de mulheres para fins de prostituição,
empreendido pela indústria do sexo e do tráfico que age diretamente no processo
de implementação dos megaeventos.
Não se ignora o fato de que a prostituição no Brasil já é um
fenômeno cuja existência vem sendo discutida por nós mulheres feministas há
muito tempo. Mas a realização da Copa e dos jogos Olímpicos recoloca de maneira
específica essa questão e nos dá oportunidade de pautar com mais fôlego, em
cima do calor dos acontecimentos, esse processo que tende a se agravar em
decorrência da realização dos jogos.
Aproximadamente 40 mil prostitutas entraram na Alemanha
durante a Copa do Mundo de Futebol, sendo que na Alemanha a prostituição é
legalizada desde 2002. Segundo o relatório da ONU de 2003(UNODC – Escritório
das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes) o tráfico de mulheres para fins de
prostituição "é considerada uma das atividades criminosas mais lucrativas
do planeta, perdendo somente para o tráfico de armas e de drogas”.
A finalidade de exploração sexual corresponde a 79% dos
casos do Tráfico de Seres Humanos, das pessoas traficadas neste mercado 66% são
mulheres. Segundo a OIT – Organização Internacional do Trabalho estima-se que o
trafico de pessoas movimenta cerca de 32 bilhões de dólares por ano.
Já as estimativas do Instituto Europeu para o Controle e
Prevenção do Crime, informa que cerca de 500 mil pessoas são traficadas de
países mais pobres para este continente por ano. Em âmbito global, o número de
mulheres e crianças traficadas anualmente atinge cerca de 4 milhões.
Os dados da PESTRAF (Pesquisa sobre tráfico de mulheres,
crianças e adolescentes) indicam a existência 241 rotas de Trafico Interno e
Internacional de crianças e adolescentes e mulheres para fins de exploração
sexual, sendo que os principais destinos são Europa (Espanha, Holanda, Itália e
Portugal) e America Latina (Paraguai, Suriname, Venezuela e Republica
Dominicana). O Brasil também é pais de destino para pessoas traficadas da
Nigéria, China , Coréia, Bolívia , Peru e Paraguai
As vítimas brasileiras, na maior parte provem de classes
socioeconômicas desfavorecidas, com baixa escolaridade, tem filhos e exercem
atividades relativas a prestação de serviços domésticos ou ao comercio. O
aliciamento dessas vítimas geralmente ocorre por meio de promessas de emprego,
na área doméstica, para ser dançarina ou modelo por remunerações maiores.
O debate sobre legalização e regulamentação da indústria do
sexo
No contexto de megaeventos a defesa pela legalização da
prostituição surge como fórmula mágica ao enfrentamento dessa questão, o debate
foi colocado no caso da Alemanha e na África do Sul quando foram sedes da
realização da Copa do Mundo. Não por acaso, tramita em nosso congresso uma lei
de autoria do Deputado Federal Jean Wyllys batizada de "Gabriela Leite”
que pretende regulamentar a prostituição tornando-a uma profissão no Brasil.
Essa medida na verdade não questiona quem são os verdadeiros
beneficiários com essa regulamentação, que é na verdade mais um ato liberal do
que uma preocupação com a vida das mulheres e com o sistema patriarcal de
exploração a que estão submetidas. Legalizar ou regulamentar a prostituição não
resolve o problema senão que legaliza um monstruoso esquema de mercantilização
das mulheres.
A afirmação de que a prostituição é um trabalho
voluntariamente escolhido ou que equivale ao emprego no setor de prestação de
serviços ou ainda que legalizar significa defender os direitos civis e sociais
das prostitutas não se sustenta.
Em pesquisa realizada em Chicago demonstrou-se que 21,4% das
mulheres que trabalham como garotas de programa e dançarinas foram violadas e
violentadas mais de dez vezes, um estudo norte-americano realizado em
Minneapolis revelou que 78% das pessoas prostituídas foram vítimas de violência
por proxenetas e clientes, em média 49 vezes por ano; 48% foram arrancadas à
força de seus lugares de origem e transportadas para outro estado e 27% foram
mutiladas. Já no Canadá as mulheres prostituídas conhecem uma taxa de
mortalidade quarenta vezes superior à média nacional.
De outro modo, muitas vezes usa-se a justificativa de que a
legalização da prostituição permite à prostuída maior segurança e tratamento
adequado. Tal fato não se comprova verdadeiro, a legalização na verdade visa
atingir a integridade e legitimidade do explorador e maior segurança sanitarista
ao mesmo e não às exploradas. Além é claro de que a prostituição é uma
atividade altamente rentável e sua regulamentação na verdade tem como efeito
estimular o crescimento da indústria sexual.
Nos países onde a prostituição foi legalizada são poucas as
pessoas prostituídas que tiveram acesso a proteção: 4% nos Países Baixos, entre
5% e 8% na Alemanha, entre 6% e 10% em Viena (Áustria), 7% na Grécia. Sob essas
condições pode-se mesmo afirmar que a prostituição é um ato "livre” ou de
escolha individual?
M-D-M (mulher – dinheiro – mercadoria)
O ato de legalizar reduz o debate sobre os mecanismos
constitutivos dessa relação que não altera as relações com o crime organizado,
a dinâmica das relações mercantis e patriarcais e seu papel na opressão das
mulheres. Podemos brincar um pouco aqui com a famosa fórmula de Marx no
Capital, sobre a circulação simples de mercadorias:
A fórmula clássica é M—D—M(mercadoria, dinheiro,
mercadoria), transformação da mercadoria em dinheiro e retransformação de
dinheiro em mercadoria.
Não concordamos com a criminalização das pessoas vítimas do
tráfico para exploração sexual e não negamos a necessidade de um debate sério e
medidas sobre o tema da prostituição, mas que devem se inserir no âmbito da
construção de políticas e processos que alterem estruturalmente a vida das mulheres,
que modifique as relações capitalistas patriarcais que reproduzem todos os dias
a mercantilização de nossas vidas e nossos corpos.
Fonte:democraciasocialista.org.br (Patrícia Rodrigues: Socióloga, Militante da Marcha Mundial de Mulheres e da
União dos Movimentos de Moradia e membro da Escola Nacional de Formação
Política do PT)
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