O que se difunde no Brasil é a doutrina de Joãozinho Trinta:
"Pobre gosta é de luxo".
"A lógica econômica tem prevalecido sobre a dinâmica puramente religiosa.
A teologia da prosperidade tem atendido melhor as expectativas de consumo e os
interesses egoísticos das diferentes camadas sociais". "Atualmente, o
que se considera sagrado é o consumo. O crescimento das
correntes evangélicas pentecostais no país tem sido compatível com o fato de
que o sagrado está cada vez mais comercializado e dessacralizado. É o Brasil
cada vez mais desencantado".
A Igreja Católica pode virar o jogo, mas terá de mudar o discurso e a prática.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, é professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBG
Quando eu era criança, mais de 92% da população brasileira
era católica. Minha mãe, mulher de pouco estudo e muita fé, me levou para a
primeira comunhão, para as missas dominicais e procissões.
Ficou marcado na minha memória uma romaria que fizemos a
Congonhas (MG), onde conheci demonstrações de catarse coletiva, além das
estátuas de Aleijadinho.
Mas eu não segui os passos do catolicismo. Primeiro, porque
não entendia as homilias dos cultos. Segundo, porque o mundo da mística cristã
estava muito distante da realidade nua e crua da minha lida diária. A Igreja
ajudava pouco.
O fato é que a doutrina católica não foi a referência para o
destino da maioria dos meus colegas.
Por meio do ensino público e laico, estudei e aprendi com
Max Weber que a realidade da minha infância e adolescência era apenas um
pequeno retrato do conflito entre o lado sagrado da religião e o processo de
dessacralização do mundo.
Considerando a teoria do sociólogo alemão, os dados do censo
2010 não surpreendem ao mostrar que o Brasil, embora mais evangélico, está
ficando menos sacralizado.
O discurso da "opção preferencial pelos pobres" da
Igreja Católica não tem sido capaz de evitar o fim do monopólio católico no
país. O que se difunde no Brasil é a doutrina de Joãozinho Trinta: "Pobre
gosta é de luxo".
A lógica econômica tem prevalecido sobre a dinâmica
puramente religiosa. A teologia da prosperidade tem atendido melhor as
expectativas de consumo e os interesses egoísticos das diferentes camadas
sociais.
Como disse o sociólogo Flávio Pierucci em artigo póstumo, a
sociedade não precisa mais de um Deus transcendente quando os indivíduos pagam
pelos serviços prestados em nome dele e transformam os bens tangíveis em ideal
divino.
O crescimento das correntes evangélicas pentecostais no país
tem sido compatível com o fato de que o sagrado está cada vez mais
comercializado e dessacralizado. É o Brasil cada vez mais desencantado.
Isso não significa que não seja espantoso, claro, o ritmo
com que a Igreja Católica tem perdido adeptos. E a perda tem sido maior entre
as mulheres e os jovens. Em tese, é possível estancar essa sangria. Em 2013, o
papa vem ao Brasil para falar especialmente às mulheres e jovens.
Será difícil, porém, agradar as mulheres mantendo o sexo
feminino excluído da hierarquia eclesiástica. Será difícil atrair jovens
proibindo o sexo antes do matrimônio. Será difícil ampliar o número de padres
mantendo o celibato religioso - e será quase impossível manter a filiação das
pessoas de bom senso enquanto a doutrina católica continuar rejeitando os
métodos contraceptivos modernos e proibindo o uso da camisinha, tão importante
para evitar doenças sexualmente transmissíveis.
Não será fácil também reverter a debandada do rebanho quando
o Vaticano assume na Rio+20 posições anacrônicas, contra os direitos sexuais e
reprodutivos.
A Igreja Católica pode virar o jogo, mas terá de mudar o
discurso e a prática.
Fornte: Folha de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário