A violência contra as mulheres faz do Brasil o 7º em
“feminicídio” num ranking de 84 países. Analisando os relatos das vítimas, quando sobreviventes, ou de seus familiares, encontramos histórias de desobediência, desobediência necessária para a conquista de direitos. Romper com a solidão, com o medo, com a limitação do ir e vir, buscar acesso à educação, ao trabalho, ao exercício da sexualidade são interpretados pelos agressores como transgressões e punidos com severidade.
A violência contra as mulheres tem sido, assim, um dos mecanismos sociais principais, e de grande eficácia, para impedi-las de ter acesso a posições de igualdade em todas as esferas da vida social, incluindo a vida privada. Essa violência é uma manifestação de poder e expressa uma dominação masculina de amplo espectro, histórica e culturalmente construída, para além de sua manifestação nos corpos das mulheres.
Nas últimas semanas a imprensa divulgou pesquisa nacional
sobre homicídios de mulheres no Brasil. Os dados apresentados revelam a
magnitude dos assassinatos de mulheres, ocupando nosso país a sétima posição no
contexto de 84 outros países onde mais ocorrem esses eventos. A pesquisa
ratifica estudos realizados desde a década de 80 que apontam o local de
residência como o principal espaço onde ocorre essa violência, bem como o fato
de os agressores serem majoritariamente cônjuges, ex-cônjuges, namorados e ex-namorados.
Esses dados revelam a domesticidade dessa criminalidade, que poderia ser
tipificada como femicídio, fenômeno em grande parte banalizado como simples
tragédias da vida privada.
Em 2008, o Comitê da Organização dos
Estados Americanos (OEA) que monitora a implementação da Convenção de Belém do
Pará sobre violência contra as mulheres adotou uma declaração sobre o
femicídio, definido como delito que resulta na morte violenta de mulheres pelo
fato de serem mulheres e que ocorre na família ou em qualquer outra relação
interpessoal, na comunidade, por parte de qualquer pessoa, ou que seja
perpetrado ou tolerado pelo Estado e seus agentes por ação ou omissão. Essa é
uma definição abrangente de femicídio, embora sua incidência no Brasil ocorra
especialmente nas relações interpessoais. Essa declaração denuncia o femicídio
como tema ausente na legislação, nas políticas públicas e na cultura de
diversas sociedades do continente.
As duas notícias têm muita semelhança com outros relatos da
imprensa internacional sobre a prática de violência contra as mulheres em
alguns países islâmicos. Foi amplamente divulgada a mutilação, com a perda do
nariz e da orelha, de uma jovem afegã, perpetrada por sua família como punição
por ter fugido de casa. Esse caso poderia parecer aos nossos olhos como
práticas exclusivas e oriundas de países de regime autoritário. No entanto,
dados da ONU e da OEA dão mostras de quanto a discriminação e a violência
contra as mulheres estão presentes em todo o mundo.
Ao longo das últimas três décadas a legislação brasileira
aboliu discriminações contra as mulheres e, em 2006, foi sancionada a Lei Maria
da Penha para o enfrentamento da violência doméstica e familiar. Houve avanços
significativos também com a criação de serviços voltados para a atenção às
mulheres em situação de violência.
Fonte : O Estadão
Leila Barsted
É advogada, coordenadora executiva da Cepia (cidadania,
estudo, pesquisa, informação e ação) e membro do comitê de peritas do mecanismo
da OEA para avaliar a implementação da convenção de Belém de Pará
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