Expostas a vários perigos, as meninas arriscam-se a apanhar doenças sexualmente transmissíveis, para poder ganhar um pouco mais. “Muitas vezes aparecem clientes que pedem para fazer sem camisinha, nestes casos peço mil Kwanzas”, relatou-nos a menina, que diz ter consciência dos riscos que corre.
Já passavam mais de 30 minutos das 21 horas quando chegámos
ao Kinaxixi, em direcção a Mutamba. No lado esquerdo foi possível ver mulheres
paradas em frente à estrada. À medida que os carros passavam exibiam-se e
faziam sinal para que parassem. A maior parte dos condutores passava após um
rápido olhar.
Ao chegar a zona da Mutamba mais mulheres, a maior parte
delas com roupas curtas e sapatos altos, rondavam a zona. Dentre elas
sobressaiam meninas, com rosto infantil, mas que também faziam sinais aos
carros que passavam. Parou um carro, um jeep, com vidros fumados. Todas
aproximaram-se do veículo, uma das meninas subiu e o carro arrancou
rapidamente.
Ao aproximarmo-nos, elas também correram para o carro. Após
insistência, uma das meninas aceitou falar connosco, mas foi logo avisando:
“tem que ser rápido, porque tenho que trabalhar”. Identificou-se como Antónia,
tem 16 anos, e mora nos subúrbios de Luanda. Perdeu os pais e passou a viver
com uma tia que, como contou-nos, a maltratava. “Batia-me todos dias,
obrigava-me a vender no mercado e nem me dava comida. Não aguentei. Fugi”,
lembrou.
Os primeiros dias após a fuga foram passados deambulando
pelas ruas, pedindo esmola. Foram tempos difíceis em que chegou a ser violada.
Mais tarde foi abordada por prostituas mais velhas, que lhe
falaram do que fazem. “Elas disseram-me que era melhor trabalhar com elas do
que ficar na rua, que era um trabalho fácil e que podia ganhar dinheiro.
Aceitei porque não tinha mais nada a fazer”, acrescentou Antónia.
“Cobro 500 Kwanzas por vez, mas só pode ser até o cliente se
vir, se quiser mais uma vez tem que pagar mais”, detalhou.
Apesar do preço estipulado, nem sempre os clientes pagam.
“Na semana passada atendi um tio que parecia fixe (bom), veio num jeep,
levou-me para uma pensão no Benfica, fez tudo que queria e depois bateume e
deixou-me na rua. Não pagou.
Estes são aos piores dias para mim”, lembrou Antónia.
Expostas a vários perigos, as meninas arriscam-se a apanhar
doenças sexualmente transmissíveis, para poder ganhar um pouco mais.
“Muitas vezes aparecem clientes que pedem para fazer sem
camisinha, nestes casos peço mil Kwanzas”, relatou-nos a menina, que diz ter
consciência dos riscos que corre.
“Tenho que fazer de tudo, porque vivo com a minha madrinha,
que faz o mesmo que eu, e todos dias tenho que levar pelo menos dois mil
Kwanzas para casa, senão tenho problemas”, respondeu, encolhendo os ombros.
Os seus melhores clientes, como explicou, são os
estrangeiros.
“Quando aparecem é um bom dia.
Alguns levam-me para jantar primeiro, depois levam-me para a
casa deles ou para o Hotel. Tratam-me bem e pagam até mais do que peço.
Os melhores de todos são os franceses e italianos, porque
são muito carinhosos”, contou-nos.
A conversa com Antónia não foi concluída porque foi chamada
pelas outras e teve que partir. Instantes depois partiram todas, incluindo dois
jovens que protegiam o grupo. A noite só agora tinha começado para elas e
precisavam procurar clientes.
Para além das meninas que ficam nas ruas, há as que optam
por procurar clientes em restaurantes e bares, particularmente os da Ilha de
Luanda. Foi o que verificamos num conhecido restaurante e bar, onde, aos
fins-de-semana, elas misturamse entre as clientes. Ao som da música elas
agitam-se e fazem sinais as pessoas sentadas, particularmente estrangeiros.
Após a troca de olhares elas aproximam-se, sentam-se a com
os clientes e negoceiam o preço.
No quarto de banho do restaurante conversamos com uma delas.
Disse Preferiu ser identificada como “Ju”.
Aos 15 anos ela é uma das muitas meninas no mundo da
prostituição.
“Como sou alta e forte, muitas pessoas pensam que sou
adulta”, disse em meio a uma sonora gargalhada.
Ju tem um alvo específico. “Prefiro clientes estrangeiros,
jantam connosco e pagam-nos bem”, explicou, acrescentando que, inclusive, tem
já uma rede de contactos. “Muitos têm o meu número, marcam comigo para vir para
aqui e depois levamme”, contou-nos, enquanto ajeitava os longos cabelos
postiços e a roupa cara que trajava.
Para aquelas que procuram clientes em restaurantes e bares,
o “serviço” é bem mais caro. No caso de Ju, ela cobra 4.000 Kwanzas por noite
aos que já conhece e para estranhos pode ser mais caro. “Gasto muito com
roupas, sapatos e táxi, não sou como as que ficam na rua”, acrescentou.
Com o dinheiro que ganha a adolescente ajuda a mãe, que é
viúva e não tem ideia do que a filha faz. “Na minha casa todos pensam que
trabalho num restaurante, nem imaginam o que eu faço! o dinheiro que ganho
ajuda muito, porque a minha mãe é doente e tenho mais cinco irmãos que dependem
de mim e da minha irmã mais velha, que somos as únicas que trabalhamos”,
justificou Ju.
Embora quase diariamente saia de casa em busca de clientes,
Ju diz-se “cansada desta vida”. O seu sonho é casar-se e viver fora do País.
“Quero esquecer tudo o que faço aqui porque sei que não é bom. É um mundo
falso”, resumiu.
Uma história de superação
Todas as meninas que estão no submundo da prostituição
sonham com uma vida melhor, mas poucas conseguem romper o ciclo de exploração a
que estão sujeitas. Mi (é assim que a senhora prefere ser tratada porque receia
que a sua família saiba do seu passado), 36 anos, é uma delas. Começou a prostituir-se
com dezasseis anos e, durante muito tempo sobreviveu desta prática.
‘Namoro’ com tempo
definido
Nuno é português e é alto funcionário de uma empresa de
construção civil. Tem família em Portugal que visita de três em três meses. Em
Angola tem uma amante, uma jovem universitária que diz ser de uma família
estruturada e bem instalada. Ela sabe que ele é casado e que está de passagem
por Angola. A relação leva já um ano, sem qualquer compromisso. Nuno prefere
pensar, disse a O PAÍS, que está numa troca de serviços. “Ela sai comigo, eu
pago tudo. Trago-lhe presentes quando viajo. Tudo tem um preço. Preferimos
fingir que estamos convencidos que não se trata de prostituição, mas sei que
quando eu me for embora ela quererá ter os mesmos presentes de outro
estrangeiro. Já foi assim antes de mim, ela teve um outro “namorado”
estrangeiro também casado”. Em público, porque ele é casado, tentam fingir que
não existe qualquer relação entre si, mas “basta que as pessoas nos vejam
sempre em restaurantes e discotecas, ainda que em grupo, mas é fácil deduzir
que as raparigas que andam nos nossos grupos dormem com alguns de nós”.
Abordada à parte, numa conversa quase aos gritos, por causa
da música, estávamos numa casa das mais frequentadas da Ilha de Luanda, Nanda,
a companheira de Nuno, disse que os presentes eram normais, e que acompanhar um
estrangeiro era garantia para entrar em algumas casas para quem gosta da noite.
“Sei que ele é casado e que daqui a poucos meses vai embora de vez, mas é a
vida, sei que não é uma relação com futuro, mas só quero me divertir”. E
perguntamos se sentia no papel de prostituta de luxo (tem carro próprio, por
exemplo).
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